3 de Maio de 2024 | Quinzenário Regional | Diário Online
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PAULO JÚLIO

É agora?

18 de Fevereiro 2022

Estamos no início da terceira década do século XXI. O tempo passa mesmo depressa. Se reflectirmos, apesar da presença da pandemia e das consequentes restrições sociais e económicas, começamos a década com um cenário político e social muito favorável para, finalmente, podermos fazer o caminho de crescimento e desenvolvimento. Em 2001, estávamos num pântano político, com obrigação de correcção de défice público excessivo, o Euro estava a substituir o Escudo – ficávamos por nossa conta e o “truque” de desvalorização da moeda deixava de mascarar problemas endémicos que fomos empurrando com a barriga – e não tínhamos a cultura financeira nem a capacidade de escrutínio que existe hoje. Em 2011, entrou a Troika na sequência da crise das dívidas soberanas e de algumas opções políticas para “acelerar” a economia à custa de muito investimento não reprodutivo e de muita dívida pública, o que originou uma década muito condicionada. Nessa segunda década do século, gastámos cinco anos a corrigir políticas públicas e com um memorando de acções para cumprir, e a restante metade com um governo condicionado por partidos de posicionamento à esquerda, em que a economia foi a 15.ª prioridade. Depois veio a pandemia.

E, agora, depois de vários meses de discussão política adicional, temos pela frente a terceira década, com um governo de maioria absoluta, portanto com todas as condições de governar com estabilidade. Claro que também há ameaças, nomeadamente a taxa de inflação e a consequente ou inevitável subida das taxas de juro, o que, para um país com uma dívida pública e privada elevada, não é bom augúrio para as contas do Estado e das empresas. Além disso, outra ameaça é o próprio Estado Português ineficiente e burocrata, bem como a carga fiscal sempre pouco previsível e pouco amiga da economia e da meritocracia. Mas, há também oportunidades. Há, desde logo, a oportunidade política de governar com horizonte de médio-prazo e fazer reformas, há estabilidade social, há recursos financeiros extraordinários, nos próximos anos, oriundos da União Europeia, há a excelente reputação da marca Portugal, não só no Turismo, mas também em vários sectores da indústria, desde o têxtil, passando pela fileira agroalimentar, gastronomia e vinhos e indústria de software. Ou seja, há condições de Portugal melhorar, dos jovens terem esperança e dos mais velhos participarem activamente numa sociedade que tem de deixar de falhar.

Quem assumir o Governo, terá uma imensa responsabilidade para com os seus concidadãos porque terá à sua disposição um conjunto de circunstâncias e condições muito favorável. Quem assumir o Governo deverá, de forma muito clara, dizer ao que vem e quais são as grandes prioridades de Portugal. E assumir prioridades também significa ter coragem. Não significa menosprezar o que está fora dos grandes desígnios, mas significa colocar mais energia e mais peso político nas variáveis que poderão fazer a diferença.

No meu entendimento, as grandes prioridades de Portugal deveriam constituir-se em quatro eixos estratégicos já suficientemente discutidos e amplamente esmiuçados, mas que se continuam a perder na espuma dos dias. A saber. Prioridade 1) A demografia – é necessária uma política integrada de estímulo à natalidade, de retenção de jovens talentos em Portugal, muito para além de umas licenças de paternidade alargadas. O grande problema centra-se nos salários médios baixos e na responsabilidade de educar e criar filhos em Portugal. Somos o país da Europa com a taxa de natalidade mais baixa e urge ter um pacote de políticas multissectoriais com investimento público nos mais jovens que querem e desejam ter filhos. Se não investirmos agora, pagaremos a prazo com língua de palmo. Prioridade 2) Crescimento económico – temos de parar de falar disto como quem fala de gambozinos. Não cresceremos porque falamos, cresceremos se também nesta prioridade, se adoptarem políticas integradas dirigidas às empresas. Temos mais de um milhão de micro e pequenas empresas, pelo que precisamos apostar na junção de empresas, para que ganhem mais escala, mais massa crítica, potencial económico e mais competitividade. Precisamos de melhores empresas e com mais dimensão. Precisamos investir em marcas nos vários sectores da economia. Marca e Design são factores cruciais para gerar valor, mas como isso é caro, é necessário estímulo público e aproveitamento da ajuda europeia para, também aí, subirmos na cadeia de valor. Precisamos de melhorar processos nas empresas, tornando-os digitais, mais rápidos e mais produtivos. Na era dos dados e da inteligência artificial, quem não fizer esta transição ficará na base da economia a gritar por salários baixos. Precisamos de mais inovação suportada pelo sistema I&D às empresas. São precisos projectos e ideias, mas sem estímulo público, não ultrapassaremos a inércia que se aplica à nossa realidade empresarial. Precisamos de exportar e de nos internacionalizar mais com aposta pública na rede de adidos comerciais associados à AICEP e foco de toda a nossa estrutura diplomática espalhada pelo mundo. Países como Itália ou Espanha começaram a fazê-lo várias décadas antes de nós, pelo que há muito caminho para recuperar. Prioridade 3) A educação – trata-se de um sector do Estado que “foi ficando”. Ficando para depois. O quadro de professores tem uma idade média muito elevada, está desmotivado (porque realmente não tem razões para estar satisfeito) e não é valorizado. A escola “inclusiva” é uma boa ideia, mas é muito pior do que uma escola de mérito onde os talentos são acarinhados e estimulados. Precisamos de uma escola abrangente, desde a creche ao ensino superior, independentemente da classe social, uma escola superior competitiva e competente. Ora, hoje, a classe docente na sua base recebe miseravelmente, gasta centenas de euros para dar aulas, em transporte ou casa, é “obrigada” a aturar de tudo dentro da sala de aula, tudo enquadrado por um sistema que tudo mistura e nivela por baixo. É por isso que os jovens não escolhem a via educacional. Não querem ser professores. Se não formos capazes de mudar isto, até podemos dizer que o abandono escolar é menor, mas a educação que é a base para uma sociedade mais culta, com mais conhecimento e mais crítica, não dará futuro a Portugal. Prioridade 4) A organização do Estado – todos os portugueses, incluindo os próprios colaboradores do Estado, querem um Estado mais eficiente, mais rápido e menos burocrata. Precisamos de um Estado com menos política e mais gestão. Um Estado que saiba valorizar os bons e que assuma que não são todos iguais. Um Estado com mais liderança capilar para gerar missão e compromisso nos seus vários sectores e patamares. Para isso, é preciso coragem para mudar pressupostos e saber bem que uma coisa é Estado, outra coisa é quem governa em cada momento. Ser funcionário do Estado não pode significar emprego para a vida, de forma incondicional. Estamos no século XXI e até o Estado compete com os demais Estados da Europa e do Mundo. O que é que isso quer dizer? Que os nossos filhos irão para onde houver mais condições de futuro. Para esses outros Estados, apesar do nosso belo Sol e do nosso Mar. Claro que é preciso dinheiro para reformar o quadro actual do Estado, modernizá-lo, contratar gestores profissionais para determinadas missões, valorizar quem tem mérito e despedir quem não o tem. Claro, se tudo isto for constitucional.

Em suma, ou definimos com coragem as nossas prioridades ou teremos mais do mesmo, o que significa mais uma década a atrasar-nos e a hipotecar o futuro de Portugal.


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