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Natércia Martins

Culinária e outras coisas

15 de Março 2019

Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso. Isto dizia a minha avó, mulher velha e sábia.

A velhice, talvez porque o tempo passado é sábio, ensina-nos e nós aprendemos com ele.

O tempo! Sempre o tempo! Grande mestre!

Um destes dias, num passeio que fiz a uma aldeia, vi fazer uma sopa na panela de ferro, daquelas de três pés com a fogueira e brasido consequente por baixo. Lenha de pinho a dar calor e fumo, portanto a dar também sabor à comida. Lá dentro cozinhava carne de porco, chouriço e couves. Tudo regado com um bom golpe de azeite.

O fumeiro das terras frias do nosso interior do país, com os paios e chouriços pendurados nas varas de pinho e curados no fumo.

O porco que comia as couves do quintal. O milho sem tratamento. O azeite que sobrava dos pratos onde comíamos o bacalhau ou sardinha assada e não nos preocupávamos com a quantidade. O porquinho comia isto tudo. Conta para um bom cozinhado, a qualidade dos produtos, a qualidade da água que não é igual em todo o território, as mãos de quem faz e a habilidade da pessoa.

E é aqui que começam as tradições.

A tradição diz nos que o que é bom ou bonito numa certa região pode não ser apreciado noutra.

Temos as gentes de Lazarim e o Carnaval. As fatiotas feitas de lã nos teares próprios com cornos e um pau na mão. Os chocalhos à cintura. São os caretos. Chocalham as raparigas solteiras ou mesmo tudo o que mexe. Quem se atreveria a sair assim numa outra terra?

A dança dos cús também é própria de Cabanas de Viriato. Dançam todas as pessoas depois de lhe tomarem o jeito.

Na Sertã e seus arredores, no Carnaval fazem-se papas. Mas não são umas papas quaisquer. São feitas de pão fino ou branco. Esfarela-se e preparam-se com a água do cozido. Levam hortelã e ovos batidos com sumo de limão. Será esquisito, dizem os meus amigos. Não é assim tão esquisito. É próprio dali mesmo.

Quem se lembraria de rechear o bucho do porco com arroz? E o estômago da cabra também com arroz. Produtos baratos. A carne é da cabra que se matou, o presunto da salgadeira e o chouriço do fumeiro.

Já me esquecia. O paio feito da língua do porco, come-se em dia de Carnaval.

A minha mãe e avó faziam sável frito, muito fininho, com molho de escabeche. Vinham os sáveis do rio Zêzere. Pescados ali perto e trazidos ainda meio vivos.

Com a tainha, também do Zêzere fazia-se a “peixada” com pão no fundo da travessa e muita cebola cozinhada ao mesmo tempo que a tainha estufava, salsa, alho e louro.

O arroz doce, aqui nesta terra leva gemas de ovos. Muitas gemas.

Noutra zona do país há a chanfana que só é boa feita com as cabras velhas da serra de Sicó, que comem erva de santa maria ou tremantelo, cozinhada nas caçoilas pretas, temperada com vinho de Alfafar, carrascão.

Na festa dos passos, em Condeixa, come-se cabrito, temperado como a minha sogra o temperava e cujo sabor eu nunca consegui fazer. Alho pisado, colorau e banha.

Depois há as saborosas caldeiradas da Nazaré. Levam o peixe que os pescadores trazem e capturaram nos barcos, muitos deles ainda artesanais.

As mulheres ostentam vaidosas, os aventais bordados e a quantidade de saias a fazer balão junto às pernas.

De muitas mais tradições poderia aqui falar.

O nosso país é rico, não só de produtos como de tradições algumas bem guardadas e só usadas naqueles locais. Tradição é assim.

O meu pai dizia com alguma graça: Bêbedo que se presa bebe vinho que não presta na taberna, mas tem vinho bom em casa.


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