O Senhor Engenheiro já não era muito novo. Tinha aquele emprego na Câmara Municipal há muitos anos. Era ainda rapaz quando foi para lá. O gabinete dava para um lavadoiro. Em tempos antigos, no seu tempo, as mulheres lavavam a roupa naquele lavadoiro. Por entre os seus trabalhos deliciava-se com as vozes das mulheres que lavavam a roupa. Que bem que elas cantavam. Vozes lindas. Pareciam rouxinóis. À frente e perto da estrada e do seu gabinete um campo relvado onde coravam os lençóis.
Os tempos agora eram outros e, pouco a pouco, as mulheres foram envelhecendo e as máquinas de lavar ficaram como que a preencher os seus lugares. Já não há quem lave a roupa à mão.
Olhava para a janela e via sempre o mesmo. As árvores que no Inverno se despem das folhas e na Primavera e Verão ficam frondosas com umas sombras de fazer inveja. Mas ele tinha o seu trabalho e só com pequenas fugas se deliciava com a sombra.
Um dia de manhã lembrou-se que seria bom fazer uma visita pelas redondezas. Chamou o seu secretário e disse-lhe que avisasse quem podia visitar.
Assim fez. A escola foi meticulosamente varrida e lavada. Os meninos e meninas avisadas que viessem com a sua melhor roupa porque iam ter a visita do Senhor Engenheiro.
Saiu de manhã com o secretário. Deu uma volta, foi beber um café no largo da igreja. Cumprimentos de quase toda a gente. Não era todos os dias que uma figura de destaque ia lá beber um café. Só mesmo um café. O almoço também por ali perto, mas logo se escolhia quem tinha a ementa que melhor lhe convinha ou que gostasse mais.
Estava livre naquele dia. Podia ir onde muito bem entendesse e ele estava nas nuvens. Era um homem livre, mesmo só naquele dia. O trabalho podia esperar.
A escola! Era a sua primeira etapa depois de saborear o café.
Entrou. A professora esperava-o. Bem penteada, pois com uma visita daquelas até foi pentear-se na cabeleireira. Os alunos impecavelmente vestidos. O que ele não reparou é que havia duas mesas sem ocupantes. Nem sabia que a sala era onde estudava o Joãozinho, herói de todas as anedotas que se contam por aí.
Nisto, no meio da conversa com os alunos, entra o Joãozinho com um amigo. Eram os que ainda faltavam. Toda a gente sabe que ele é bem malandro.
A professora perguntou-lhe porque se atrasou. Ele olhou para o amigo que disse:
– Professora, adormeci e estava a sonhar que um avião caiu aqui perto.
– E tu? Eu, bem, estive a ver se havia sobreviventes.
– Está bem. Mas ainda não disseste porque chegaram atrasados.
O Joãozinho logo se adiantou e disse:
– Fomos atacados por um ‘pitbull’ no caminho.
– Está bem. E mordeu-vos?
– Morder não mordeu, mas comeu todos os trabalhos de casa.
O Engenheiro e o secretário não disseram nada, mas foram embora.
Logo ali perto havia um hospital.
Seria a próxima visita. Entrou e logo ali estava um médico que se pôs à disposição. A visita fez-se sem problemas até que chegaram à enfermaria com vários doentes e várias doenças sem ter uma em específico.
Então quis saber do que padeciam.
O primeiro disse que tinha uma doença grave na garganta.
E tratam-te com quê?
Tratam muito bem. É com aquele pincelito.
Olhou para a borda da janela e dentro de um copo lá estava o pincel. Só mesmo um.
Foi falar com outro doente.
– Tratam-te bem?
– Muito bem. Tenho hemorroidas. Tratam-me com aquele pincelito.
Ainda foi ter com outro doente.
– Tratam-te bem?
– Pois tratam. Tenho o nariz entupido. É com aquele pincelito que desentopem.
O engenheiro pensou que talvez fosse melhor ficar no gabinete.
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