Há cores e cheiros que nunca nos esquecemos deles. Assim é com as fatias douradas. Fatias douradas… Não é mais que pão molhado em leite, vinho ou mesmo água. Passa-se por ovo, frita-se e passa-se por açúcar amarelo.
O pão tem que ser velho, isto é: tem que ter já alguns dias dentro da saca do pão.
Diz-se que numa aldeia bem remota uma senhora muito pobre não tinha mais que umas fatias de pão rijo. Como não tinha dentes para poder comer aquele pão assim, resolveu transformar. Molhou em leite, ovo e fritou. É assim mesmo.
Em casa da minha avó só havia o fogão de lenha e o azeite que guardava em potes de lata na despensa. Fritava-se tudo em azeite. A minha tia Laura fazia aquelas fatias de pão que já ninguém comia e amassado em grandes gamelas com farinha que o moleiro trazia nos foles. Eu gostava de ver as mulheres a amassar o pão com a massa agarrada às mãos. O forno era enorme. Seria mesmo? Aos olhos de duas crianças como eu e meu irmão era muito grande mesmo. A boca do forno sempre pronta a engolir a pá que levava o pão em massa para o transformar em pão cozido e estaladiço. Este fazia lembrar ao inferno com a lenha a arder. Ficavam as brasas que iam, algumas, para a braseira que nos aqueciam os pés e as mãos e ainda as vizinhas e aproveitavam para se aquecer também. O forno a arder tinha o cheiro da lenha utilizada.
Depois a minha avó tendia com a malga que não servia para mais nada, a broa ou o pão de trigo que se comia durante a semana. Havia um dia certo para acender o forno e cozer o pão. Por vezes uma vizinha ia pedir o “crescente”. Ela ia cozer e não tinha o dito crescente. A minha avó facultava-o.
Quando devolviam era na mesma feito com o restinho da massa tal como tinha levado.
Mas as fatias douradas fritas no azeite que vinha do lagar, o fogão de lenha e o açúcar amarelo…
O cheirinho que aquilo tinha. O leite onde se molhava o pão velho era da cabrita e os ovos das galinhas do galinheiro lá de casa. Seria a cor do azeite? As mãos juntamente com o amor que ela punha em tudo. Nunca mais me saiu do nariz.
Há quem lhes chame fatias paridas. Mas o nome não é este, mas sim, fatias de parida. Porquê? Ora bem! Antigamente quando as mulheres pariam, perdiam muito sangue. Não havia os cuidados médicos que hoje temos. Era uma senhora curiosa e arrojada, também, que “aparava” os bebés.
Na minha aldeia, era a comadre Soledade. Era comadre de muitas mulheres, aliás, de todas a quem ajudou nos trabalhos de parto. Os partos não seriam coisa fácil. Então para repor as forças comiam canjas de galinha e fatias com leite e ovo. É por isso que se chamam fatias de parida. Fatias levadas à mulher que paria para poder repor as forças e poder tratar os meninos e ter bom leite.
Levam açúcar e canela, mas são fritas em óleo o que não é o mesmo. Até já vi feitas com pão de forma. Chamam-lhes rabanadas.
Se não sabe como se faz, aqui vai a receita:
Rabanadas
Pão de cacete ou de forma
500 ml de leite
1 pau de canela
1 casca de limão
6 ovos
Óleo para fritar
Calda de vinho do porto
250 ml de água
100 gr de açúcar
200 ml de vinho do porto
1 colher de sopa de mel
2 paus de canela
Junta o leite com a casca do limão e o pau de canela num tacho a ferver.
Corta o pão em fatias com cerca de 2 a 3 cm de espessura
Retira o leite e deixa arrefecer. Bate os ovos. Passa as fatias pelo leite e pelos ovos. Escorre. Frita e passa pela canela e o açúcar.
Com a calda feita rega as rabanadas.
As comidas e mesmo outras coisas modernizam-se. As fatias de parida já não se usam. Usam-se como doce de natal. As mulheres já não parem em casa e as comadres aparadeiras desapareceram.
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