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Bruno Duro: O ‘Chef’ que nunca baixou os braços

10 de Fevereiro 2025

Crescer no interior de Portugal é, para muitos, sinónimo de resiliência. Para este jovem de 33 anos, natural de Albarrol, uma pequena aldeia da freguesia de Pousaflores (Ansião), a vontade de ultrapassar as adversidades está-lhe literalmente no sobrenome: falamos de Bruno Duro, o ansianense que desde cedo soube que o caminho para o sucesso passava pelo esforço e pelo sacrifício. Entre a música, a engenharia e a cozinha, a história de Bruno Duro é um testemunho de persistência, garra e paixão.

A infância de Bruno Duro não foi como a dos outros meninos: “Enquanto os meus amigos e colegas brincavam ou iam para a praia no Verão, eu trabalhava no duro”. Começou cedo, muito cedo. Aos 12 anos já ajudava ‘Manuel Bixanas’, uma figura icónica em Ansião, nas montagens eléctricas das festas populares. Aos 14 ficava responsável pela gestão de eventos festivos. O trabalho era árduo, feito de sol a sol, com fins-de-semana e feriados incluídos. “Era duríssimo”, recorda. Mas, longe de o desencorajar, este ritmo de vida apenas reforçou a vontade de estudar para “poder ter um futuro diferente”.

Com poucas condições financeiras para seguir o ensino regular, encontrou uma oportunidade na Escola Tecnológica e Profissional de Sicó (ETP Sicó), onde estudou Electrónica, Automação e Comando, que “já era uma área que me interessava”. O ensino prático cativou-o, e a determinação levou-o a pensar mais além: porque não tentar a universidade?

 

A dureza da vida universitária

Bruno Duro “nunca tinha tido Física e de Matemática apenas sabia o básico dos básicos”. O que não o impediu de se preparar para os exames nacionais. Com esforço, dedicação, “e ajuda de alguns professores da ETP Sicó”, conseguiu uma nota impressionante: “19,7 no exame de Matemática, a melhor do distrito de Leiria naquele ano”. Com esse feito, garantiu a entrada directa na Universidade de Coimbra, no curso de Engenharia Electrotécnica e de Computadores.

Se entrar foi uma vitória, adaptar-se foi uma luta. O choque foi imenso. “Sentia-me excluído pelos meus colegas, que me viam como um labrego. Tinha poucos amigos. Acabei por me aproximar de alunos mais velhos, também eles trabalhadores”.

Além disso, “não tinha bases nenhumas”, confessa. Mas desistir nunca foi uma opção. Para pagar os estudos, continuou a trabalhar. Durante as férias rumava a França, onde fez de tudo: trabalhou na vindima para um dos vinhos mais caros do mundo – o Romanée-Conti –, reparou paletes numa fábrica. Foi um autodidacta na cozinha. “Todos os dias cozinhava, porque era uma necessidade”, conta.

Foi também na universidade que encontrou um mentor fundamental: o professor José Carlos Petronilho. Em tom de brincadeira, e com o humor que lhe é característico, Bruno Duro recorda uma das primeiras aulas: “o professor entrou na sala, apresentou-se e disse ‘Limites e Derivadas consideram-se dados, passemos ao capítulo seguinte’”.

Havia um problema: “nunca tinha ouvido falar em limites e muito menos em derivadas”. No final da aula pediu ajuda ao professor, que “gentilmente me emprestou um livro como nunca tinha visto na vida, devia ter umas 2.000 páginas e disse-me para voltar se tivesse dúvidas”.

No dia seguinte, lá estava Bruno à porta do gabinete, a dizer que não percebia nada. O que se seguiu foram horas intermináveis de estudo e apoio do professor, que viu em Bruno um aluno especial. “Se chumbares a esta cadeira, tens noção do prejuízo que dás ao Estado pelo tempo que estou a investir em ti?”, disse-lhe várias vezes. Não reprovou. Nunca. “Não tinha dinheiro para andar em explicações, e por isso tive que pedir ajuda aos próprios professores: uns ajudava mais que outros, mas sempre fui bem tratado”. Recorda também “todo o apoio do professor doutor Humberto Jorge que foi o meu orientador de tese de mestrado, com quem ainda hoje, volvidos 10 anos, mantenho o contacto regular”, destaca.

 

‘Chef Duro’ e o restaurante comunitário

Foi em Coimbra que nasceu a alcunha ‘Chef Duro’. Numa altura em que os amigos empreiteiros, pedreiros, serventes e carpinteiros, “entre outros” com quem convivia perderam o espaço onde costumavam almoçar, Bruno Duro tomou a iniciativa: abriu as portas da sua casa e começou a cozinhar diariamente para um grupo de trabalhadores. O conceito era simples: ele fazia a comida e, no final, “cada um deixava o que podia”. Chegou a servir 56 refeições por dia. “Foi assim que consegui juntar dinheiro para ajudar pagar as contas dos estudos”, explica. “Saía de manhã e ia às aulas. Perto da hora de almoço fazia umas compras e ia para casa fazer o comer para aquela gente toda. Lavava a louça, arrumava tudo e voltava às aulas”. Era assim todos os dias. Todos os dias, durante dois anos. “Mas não o fiz apenas pelo dinheiro, fiz amigos”. Aliás, “os amigos que trouxe de Coimbra foram mesmo esses”, e que mais tarde se vieram a revelar de grande importância. Já lá vamos.

A alcunha surgiu no seio da Filarmónica Ansianense de Santa Cecília, instituição que “foi (é) um dos grandes pilares da minha vida”. Entre ensaios e concertos, os amigos, “nomeadamente a actual presidente e vice-presidente da instituição, Sandra Carvalho e Cândida Cancelinha, começaram a chamar-me de ‘Chef Duro’”. A brincadeira que acabou por pegar.

 

Das obras à ferrovia

Assim que concluiu a licenciatura em Engenharia Electrotécnica e de Computadores e o mestrado em Energia, pela Universidade de Coimbra, “fui 15 dias para o Brasil a trabalho, convidado por um desses empreiteiros que alimentava diariamente: uma parte foi de trabalho, outra parte de lazer”, brinca. Regressou a Portugal, e como “não arranjei logo trabalho na minha área, fui trabalhar para as obras, como servente de pedreiro”.

Já como engenheiro, iniciou a carreira profissional na Martos Pellets, em Leiria, “onde estive dois anos”, mas foi na Fergrupo – Construções Técnicas, SA que consolidou a carreira. Entrou como estagiário e rapidamente se destacou. Chegou a director de obra, e actualmente lidera equipas de mais de 120 pessoas em grandes projectos ferroviários, como a electrificação da Linha do Minho, a renovação da Linha da Beira Alta e a renovação da electrificação da Linha de Cascais, “uma das obras mais complexas do país no que diz respeito à catenária”. No meio disto tudo, ainda encontrou tempo para criar a sua própria empresa de projectos eléctricos.

 

A música & ‘Seus Adversários’

Para além da resiliência, outra das coisas que está sempre presente na sua vida é a música. Desde os sete anos que toca acordeão, “comecei a aprender na escola do meu primo Fernando”, mas aconteceu o pior: “o acordeão estragou-se e não havia dinheiro para comprar outro”. Mais tarde, na Filarmónica, que começou a frequentar aos 10 anos, consolidou a essa paixão. “Comecei pelo trompete, depois passei para o saxofone, que sempre foi o meu instrumento: foi, porque infelizmente já não o consigo tocar como tocava devido à minha doença”. Em 2010, comprou uma concertina. Que aprendeu a manusear sozinho. Os amigos incentivaram, e “ajudavam à festa”.

Em 2014 desafiou dois amigos, André Lopes e Ricardo Grunho, a formar um grupo de baile tradicional, com um toque moderno. A ‘brincadeira’ tomou uma proporção maior, e após uma actuação no Inatel de Foz do Arelho nasceu o projecto ‘Chef Duro & Seus Adversários’.

De três, passaram a cinco, com Bruno Duro a cantar e na concertina, “o André Lopes estava no teclado, Ricardo Grunho no baixo, o Jorge Cancelinha na guitarra e o Simão Castela revelou a sua aptidão para a precursão”.

O grupo ganhou notoriedade, lançou dois álbuns e percorreu o país. Em 2021, surpreenderam ao chegar à final do televisivo ‘Got Talent Portugal’, tornando-se a primeira banda de música popular a atingir tal feito.

“Quando fui abordado para participar no ‘Got Talent’ fiquei um pouco assustado. Marquei uma reunião de emergência com os restantes elementos do grupo e decidimos avançar”, o resto já todos sabem: “entramos com a imagem dos labregos que vêm da aldeia montados num tractor todo ferrugento, e damos-lhe um bailinho: a ideia foi do meu grande amigo Jorge Cancelinha”. Aposta ganha!

O projecto tornou-se um sucesso, sempre com “o lema de manter a autenticidade e a tradição da música portuguesa”, que é como quem diz: “sem artimanhas nem artefactos”. Os ‘Adversários’ continuam a actuar por todo o país, onde promovem os valores culturais da música ao vivo e das sonoridades genuínas. Entre desgarradas, concertinas e muita animação, o grupo conquistou o público com a sua irreverência.

 

O desafio de uma vida

No auge da sua carreira musical, a vida pregou-lhe uma rasteira. No dia seguinte ao seu 30.º aniversário, foi diagnosticado com um cancro agressivo em estado avançado. “Foi a pior coisa que já passei na vida”, admite. O tratamento foi brutal: “28 sessões de quimioterapia em três meses”. Mas nem mesmo isso o parou. “Apenas três semanas após a cirurgia, e dias depois de ter começado a fazer quimioterapia”, subiu a palco para um espectáculo. “Podia ser o último, por isso tinha mesmo de o fazer”, diz.

Felizmente venceu a batalha. O apoio do médico Rui Bernardino e do amigo Nuno Vieira foram fundamentais. “O Rui dizia-me: ‘Isto vai ser muito duro, mas tu és mais duro que isto tudo”. Já Nuno Vieira, um dos amigos do tempo da universidade, empreiteiro que ia comer a casa do ‘Chef’, inverteu os papéis. Agora era ele que “me ia fazer o comer todos os dias: o meu tratamento começava às 8h00, acabava por volta as 18h00. Na hora de almoço esperava até eu estar despachado para almoçar comigo”. Todos os dias. Todos. “É assim que se vêem as pessoas”.

 

O futuro com olhos no presente

Recuperado, Bruno Duro continua a dividir-se entre a engenharia, a música e a Tasca Inça, espaço que criou em 2017 para reunir amigos e ensaiar com a banda, ou melhor “onde tudo acontece”. Sempre fiel às suas raízes, quer continuar a levar a cultura popular portuguesa mais longe. Em breve, promete um novo álbum e novos desafios. Já para o final deste mês está prometido um novo tema, “que se chama ‘Queimas as Fitas’, dedicado à vida académica, porque nós somos todos académicos, e acho que a vida académica merece ser retratada numa cantiga que seja a visão daquilo que é a vida estudantil”. Mais para “o final do ano, ou no início de 2026, vamos ter álbum novo”, avança.

“A vida ensinou-me que nada cai do céu. Tudo o que conquistei foi fruto do meu trabalho, dedicação” e da luta constante. Ainda há um sonho por realizar, o de ser pai, mas como ele próprio gosta de dizer: “A vindima só termina com o lavar dos cestos”.

ANA LAURA DUARTE

[NOTÍCIA DA EDIÇÃO IMPRESSA]


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