Um dia, há muitos anos, a minha tia Laura bebia, numa enorme chávena, um líquido preto a que chamava café. Regalava-se com o seu cafezinho à tarde, ao lanche. Eu também acreditava que aquilo era mesmo café. Se calhar ela também acreditava.
Vendia-se na loja do Zé Matias. Ali também se vendiam pregos, petróleo, sal, panos a metro, lenços “cachené” e café. Este era pesado numa balança manhosa contrabalançada com pesos mais ou menos certos, num cartucho de papel pardo.
Ah! Os cachenés pendurados do tecto de madeira, vestidos numa rodela de cartão. Isso fazia-me uma tremenda confusão. Como é que eles ficavam ali? Mistério para a minha cabeça de criança. Só mais tarde descobri que o círculo de cartão pendurado do tecto era preso com um fio bem fininho que aguentava com o círculo e o lenço. Mistério resolvido! Mas na minha cabeça rolavam mais mistérios. Um resolveram-se outros não.
A minha tia Laura, sorvia o seu café com goles pequenos a saborear. Não sei se ela sabia que de café não tinha nada. A minha aldeia perdida na serra de um Portugal profundo não sabia, ainda, o que era um café. Bebia-se uma “mistela” preta feita de cevada, grão-de-bico moído e torrado.
Com a minha mãe, quando ia à vila, sede de concelho, ia sempre beber um café. Comigo, pequena, não chegando ao balcão dava para eu espreitar por baixo de uma placa de alumínio e ver a máquina de petróleo, a cafeteira a ferver e o empregado a deitar isto tudo num coador em forma de funil. Era assim o café dessa época.
Tudo evolui e começou a fazer-se lá em casa num balão de vido e um filtro no meio. Vieram, mais tarde a cafeteira de pressão. Hoje usam-se cápsulas e máquina que as transforma em café. O que virá a seguir?
Agora fiquei curiosa de onde vem o café. Pois bem, o café vem de uma planta, o cafeeiro, que produz grãos que depois de torrados e moídos se chama café. É uma bebida estimulante porque tem a cafeina.
O café é a segunda mercadoria mais comercializada no mundo. Em Portugal não se planta porque não tem clima para tal. Há muitos tipos de café. Da forma como é torrado e ainda como é misturado com cevada e tremoço torrado. Nunca se bebe café puro pois é muito forte. É por isso que se faz a mistura.
Segundo uma lenda, um pastor observou os seus carneiros. Estes ficavam saltitantes e corriam longas distâncias ao comer folhas e grãos do cafeeiro, que na época era arbusto não cultivado, mas que nascia nas encostas da montanha. Um monge da região, informado sobre o facto começou a utilizar uma infusão destas bagas, moídas para resistir ao sono enquanto orava.
Quando vou ao café, o empregado serve-me um peniquinho cheio a que chamam BICA. Brincando dizemos que a sigla é Beba Isto Com Açúcar.
O café é bebido tanto pelo rico como pelos menos ricos. Já não passamos sem ele. Dá energia e conserva-nos a genica de que precisamos.
Voltando à minha tia Laura e o seu café, que de café não tinha nada. Em frente à sua chávena, sentada na mesa redonda, com a braseira a dar conforto, contou-me que o céu se junta ao mar lá bem no fundo. Funde-se com ele. Assim, os pescadores levam linhas e agulhas grandes para coserem o que romperam ao passar. Ela só imaginava um mar que nunca viu. Contou-me, ainda, que o mar é povoado de baleias que engolem os pescadores e estes, não morrem, mas lá dentro da barriga fazem uma vida igual como cá fora. Comem na mesa posta no meio da barriga da baleia.
Dormem nas costelas fazendo aí as suas camas. Iluminavam-se com o candeeiro de petróleo colocada em cima da mesa.
Inverosímil? Pois é mesmo. Mas na minha cabeça de criança que nunca tinha visto o mar e muito menos o que é uma baleia.
Esta e outras histórias contadas pela minha tia Laura, em frente à sua chávena de café, que de café tinha bem pouco, dançam na minha cabeça e só saem quando eu morrer. É a isto que chamamos de memórias.
Ainda hoje é a bebida do pequeno-almoço acompanhado de um pãozinho torrado com manteiga.
É que ainda se faz café na “chocolateira” de manhã a reconfortar o estômago e o coração. Só depois se bebe a bica para a dinâmica do dia.
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