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João Morgado: do voluntariado em Angola ao trabalho no Sri Lanka, à boleia do Banco Mundial

7 de Outubro 2024

Desde pequeno que se interessa por economia, política e políticas públicas. Talvez por isso, “sempre foi muito claro que era nesse tipo de áreas que queria trabalhar”, ainda assim, pode ter sido uma experiência de voluntariado, em Angola, que lhe despertou o interesse pelo sector do desenvolvimento económico. João Morgado, natural de Meirinhas, freguesia do concelho de Pombal, é, aos 33 anos, economista na Unidade de Macroeconomia, Comércio Internacional e Investimento para a Ásia do Sul do World Bank (Banco Mundial). Actualmente vive no Sri Lanka, mas fomos ‘encontrá-lo’ em Washington, a capital dos Estados Unidos da América.

Foi em Meirinhas que cresceu, onde aprendeu a ler e a escrever, onde completou o ensino básico e onde se continua em sentir em casa sempre que visita a família. Os pais escolheram-lhe a idade de Leiria para concluir o ensino secundário e quando chegou à altura de escolher um percurso universitário, ainda indeciso entre os cursos de Direito ou de Ciências Políticas, foi a… economia que acabou por falar mais alto. Estudou na Universidade Nova de Lisboa.

Durante o primeiro ano da licenciatura, foi incentivado pela irmã, na altura estudante de Medicina, a participar de uma missão de voluntariado em Angola, experiência que se revelou marcante. Tinha 18 ou 19 anos. “Gostei muito de estar em África, gostei muito do tipo de trabalho,” recorda. Juntos, passaram “um mês na província de Moxico”, onde montaram uma biblioteca, catalogaram livros, ensinaram o uso de computadores e realizaram algumas formações. Experiência que o “marcou profundamente e despertou o meu interesse pelo desenvolvimento económico em África”. “A partir daí comecei a orientar muito o resto da minha formação e escolha de cadeiras opcionais nesse sentido”, conta ao TERRAS DE SICÓ a partir da América.

 

Investigação em Moçambique

Terminada a licenciatura, João Morgado resolveu aventurar-se num mestrado em Economia também na Universidade Nova de Lisboa. Durante esse período, participou em projectos desenvolvidos pelo Centro Novafrica, criado pela Faculdade de Economia daquela universidade, cujo objectivo passa pela “produção e difusão de conhecimento que promova o desenvolvimento económico e empresarial em África”, com foco na África de língua portuguesa, nomeadamente Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Aí, teve a oportunidade de se envolver em “projectos de investigação em Moçambique”, onde trabalhou num estudo sobre o “impacto da introdução de carteiras móveis em zonas rurais: foi uma experiência muito interessante,” lembra o jovem enquanto destaca como isso fortaleceu a sua ligação com África e com a área do desenvolvimento económico.

Decidido a expandir conhecimentos, voou para a Bélgica, onde concluiu um segundo mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia da União Europeia, no Colégio da Europa. Ainda durante essa etapa, candidatou-se ao programa de jovens economistas do Overseas Development Institute. Com este programa, foi enviado a Moçambique, onde trabalhou durante dois anos no Ministério das Finanças. “Foi a minha primeira experiência profissional a sério”, recorda, reflectindo sobre seu papel no Departamento de Estudos daquele ministério. “Fiz uma série de coisas diferentes, alguma investigação, ajudei na altura com alguns outros tipos de outputs”, revive.

 

Três anos no Uganda

Depois dessa experiência, João quis continuar como consultor do Banco Mundial em Moçambique, durante mais um ano, onde trabalhou em projectos de financiamento nas áreas de saúde e educação. Essa colaboração acabou por consolidar a sua ligação com o Banco Mundial e abriu novas oportunidades. Pelo caminho passou por Oxford, onde viveu cerca de um ano, mas… “Oxford era aborrecido e sentia que precisava de outros estímulos”. Nesse período viajou, em trabalho pela Serra Leoa, Nepal e Paquistão.

Em 2019, mudou-se para o Uganda, integrando uma equipa de trabalho que desenvolvia um projecto de descentralização fiscal e financiamento de serviços públicos. Para o jovem, que esteve durante três anos naqueles país, “foi uma experiência muito interessante”.

Até porque essa ‘aventura’ fica marcada pelo contexto da pandemia de covid-19 e pelo repatriamento temporário para Portugal, “durante seis meses”. Acabou por voltar ao Uganda, onde permaneceu até 2022. “Houve restrições, naturalmente,” recorda. “O Uganda vivia, na altura, um recolher obrigatório às nove da noite”, no entanto, “morava numa zona de colina, numa casa muito pequena, mas acolhedora, e onde tinha como vizinhos pessoas que estavam um pouco na mesma situação, estrangeiras e que trabalhavam em organizações”. Fez muitos amigos, aliás, é pessoa que estima as amizades e o convívio. Talvez por isso considere “tão difícil” a vida “quase nómada” que escolheu. “Sabemos que os bons amigos ficam para a vida, e que nos podemos encontrar noutras partes do mundo, mas é altamente improvável juntar todo um grupo de amigos naquele mesmo local, que foi nossa casa e nossa família durante um determinado período de tempo”.

Por falar em amigos. Foi durante um período de férias na Sérvia, em 2021, que resolveu concluir uma candidatura ao prestigiado programa ‘Young Professionals’ do Banco Mundial. “Nesse dia tinha combinado com um grupo de amigos de visitarmos um museu em Belgrado, mas acabei por não fazer a visita e terminar uma candidatura. Achava que seria altamente improvável conseguir a vaga, mas resolvi arriscar na mesma”.

 

Dos Estados Unidos ao Sir Lanka

Depois de alguns meses e várias entrevistas, mudou-se para Washington, estávamos em Setembro de 2022. “Foi uma oportunidade de conseguir alguma estabilidade, mantendo-me a trabalhar nesta área,” explica. Durante o primeiro ano em Washington, trabalhou na unidade de governança para a África Ocidental, onde prestava apoio aos ministérios das finanças e outras agências governamentais em países como Guiné-Bissau e Gâmbia.

Em 2023, foi transferido para o Sri Lanka, “um país em crise económica devido a um acumulado de dívida pública e à pandemia” e onde tem “estado a trabalhar no design e negociações de um empréstimo ao governo do Sri Lanka”, revela o economista, dando conta de que também já trabalhou na análise da massa salarial dos funcionários públicos e os impactos da inflação, que chegou a 60% em 2022. Visita os Estados Unidos da América com alguma frequência, onde se encontra actualmente, “mas apenas temporariamente”.

Sabe, desde já, que no início do próximo ano regressa a Washington, onde vai “continuar a trabalhar na mesma unidade”, no entanto, “vou começar a trabalhar primordialmente com assuntos ligados ao Paquistão e também no Nepal e nas Maldivas”, para onde planeia “viajar com frequência”.

Para João Morgado, a satisfação no trabalho vai além da prática económica, e envolve um interesse contínuo por culturas e experiências diversas. Admite, porém, que a vida “quase nómada” tem os seus desafios, especialmente no âmbito pessoal. “Os nossos amigos tornam-se a nossa família, e a cada mudança é quase como um heartbreak [partir de coração],” desabafa. Sobre um possível regresso ao país de origem, o meirinhense é realista: “na área em que trabalho, infelizmente, não há nada substancial em Portugal”, lamenta.

 

Orgulho e sofrimento

Quanto aos pais, “olham para o meu percurso, e para o da minha irmã, que é cirurgiã pediátrica na Austrália, com muito orgulho e com sofrimento, também”, no entanto, “tanto eu como a minha irmã Mariana, incentivamos os nossos pais a viajar ao nosso encontro, não só para reunir a família, mas também para lhes dar a conhecer a nossa realidade e mostrar novas culturas”. Aliás, “sempre viveram em Meirinhas e poucas vezes tinham saído dali, começaram a viajar para nos visitar”, confidencia.

Quanto a um possível doutoramento, João Morgado não se mostra inclinado a seguir esse caminho. “Para já, muito honestamente, não penso no doutoramento”, até porque “sempre achei que seria uma experiência muito solitária”, confessa, enquanto admite que gosta “mais de ser consumidor de investigação do que produtor de investigação”, brinca.

João Morgado reconhece que o seu trabalho pode ter “um impacto positivo, mesmo que pequeno”, nos países onde actua. E fala sobre a “satisfação” que sente ao contribuir para a criação, ou aprovação, de projectos de financiamento de sectores como educação e saúde ou a justiça: “o meu papel é mais recolhido, porque não estou em contacto directo com o beneficiário final, mas sim, é gratificante saber que podemos trabalhar em projectos que fazem a diferença junto das comunidades”.

Sabe que o caminho é árduo e que “muitas das intervenções podem falhar devido a diversas circunstâncias, como mudanças de governo ou crises internacionais”. No entanto, continua motivado pelo potencial de impacto positivo, e “isso é uma grande parte da motivação, não é?”. Claro que é.

ANA LAURA DUARTE

[NOTÍCIA DA EDIÇÃO IMPRESSA]


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