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Aldeias de Calcário: um bastião de vida rural e autenticidade

25 de Outubro 2024

Na edição que assinala os 10 anos do TERRAS DE SICÓ, partimos de Condeixa para uma viagem que se espera de descobertas singulares. Nesta jornada contamos visitar também os concelhos de Penela e Ansião. Continuamos em direcção a Alvaiázere, segue-se Pombal e terminamos em Soure. Lançados ao desafio, afastamo-nos dos centros urbanos com a ideia de que nos vamos aproximar da genuinidade do território.

Falamos de um itinerário que percorre as 18 aldeias integrantes da Rede de Aldeias de Calcário (RAC), Ariques, Marzugueira e Marques (Alvaiázere), Granja, Aljazede e Constantina (Ansião), Casmilo, Poço, Serra de Janeanes (Condeixa-a-Nova), Chanca, Ferrarias e Cabeça Redonda (Penela), Poios, Aldeia do Vale e Pousadas Vedras (Pombal), e Pombalinho, Mocifas de Santo Amaro e Casal Cimeiro (Soure), onde não falta histórias, património natural e cultural, gastronomia e vinhos, muitos vinhos. Uma ode às origens. Às pessoas. Ao natural.

A poucos quilómetros da vila de Condeixa, e rodeada por montes, descobrimos a aldeia de Poço: o caminho de acesso à aldeia é descensional, progressivamente afunilado, até que, por fim, esta surge ao fundo, num vale verdejante, onde corre o rio dos Mouros, o mesmo que corre na antiga cidade romana de Conimbriga. O nome deve-se a um antigo poço, que ainda ali existe.

Mais parece que estamos a entrar dentro de quadro bucólico, onde predominam os tons de verde, de castanho e de azul. Hoje, o número de habitantes conta-se pelos dedos das mãos. A disposição e antiguidade das casas em pedra confere-lhe uma moldura rústica de beleza ímpar. A abundância de água favorece as actividades mais tradicionais como a agricultura e a pastorícia, sem esquecer os desportos de natureza.

Seguimos com vontade de ficar. O caminho é estreito, o trânsito não existe. Perdemo-nos nas paisagens. Passamos pela Serra de Janeanes, onde somos surpreendidos pelo moinho de vento, pela pequena capela, consagrada à Senhora da Expectação e pela uvala onde se mantem um lençol de água durante todo o ano.

O chilrear dos pássaros sobrepõe-se ao som do motor do carro. Que viagem. Chegamos à aldeia de Casmilo, onde as buracas são o ponto de paragem obrigatória. O passeio da aldeia até ao vale é tão simples quanto magnífico.

Dali à aldeia da Chanca, no vizinho concelho de Penela, o percurso faz-se em pouco mais de 10 minutos. Onde, há cerca de 11 anos, se fixou André Louro e a família, vindos da cosmopolita Lisboa. Para o fundador da Companhia da Chanca, “o turismo deve ser pensado de forma cuidadosa, e deve ter em consideração o impacto nas comunidades locais”, afirma. “O turista vem para a aldeia para ver uma aldeia a funcionar, não para ver turistas”, comenta, referindo-se à necessidade de preservar as dinâmicas naturais das aldeias e evitar a descaracterização causada por um turismo descontextualizado.

 

Aldeias com vida própria

Um dos desafios apontados pelo artista é a falta de comunicação e colaboração entre os agentes públicos e as comunidades locais: “ninguém perguntou à aldeia se queríamos o mausoléu”, afirma, criticando a imposição de projectos que “não trazem benefícios directos para os residentes”. Segundo ele, muitos desses projectos acabam por ser direccionados para visitantes externos, sem considerar as necessidades reais da população local.

Para André Louro, “o desenvolvimento de uma rede sustentável depende de um diálogo aberto com os moradores e da criação de espaços que fomente a convivência e a cultura” local. “As aldeias têm que ter vida própria. Se o turista chega e não encontra uma aldeia em movimento, qual o sentido de sua visita” questiona, enquanto explica que acredita que “a verdadeira força das aldeias está nas suas interacções sociais e na capacidade de auto-organização da comunidade, algo que a Companhia da Chanca procura promover”.

Nesse sentido, ressalta a importância de iniciativas culturais que ajudem a fortalecer os laços entre os moradores e atrair visitantes de forma harmoniosa. “O festival que organizamos foi uma razão para as pessoas se encontrarem, para criarem laços e manterem a aldeia viva”, diz, enfatizando o papel da cultura como motor de transformação social, “sem comprometer a identidade dessas pequenas comunidades”.

Ferraria é outra das aldeias, do concelho de Penela, incluídas na RAC. Passamos por Aljazede, na freguesia de Algorve, e por Granja, em Santiago da Guarda, no concelho de Ansião, para regressar a Penela, rumo a Cabeça Redonda, uma aldeia com cerca de 200 habitantes, talvez a mais povoada de todas as aldeias que integram o projecto.

De acordo com Pedro Alves, presidente da Junta de Freguesia de Cumieira, “a crescente procura por parte de jovens casais, que têm escolhido a Cabeça Redonda como local para se estabelecer, tem contribuído para a revitalização da aldeia”. Este regresso às origens é visto como um reflexo da procura por “uma melhor qualidade de vida, num local onde a natureza, a proximidade de serviços e a localização estratégica desempenham um papel importante”, admite. O turismo também é uma área em expansão, com “cada vez mais pessoas a procurar estas paisagens intocadas para caminhadas e outras actividades ao ar livre, que nos traz novas oportunidades para o desenvolvimento sustentável da região”, garante.

No entanto, o autarca alerta para a necessidade de “financiamento e apoio das entidades competentes para continuar a preservar a identidade destas aldeias, não apenas em termos de novas construções, mas também requalificando o que já existe, para que o património não se perca”. Para o presidente da Junta, “o futuro destas aldeias depende de um esforço conjunto para garantir que as suas características únicas perduram ao longo do tempo”, como é o caso dos muros de pedra seca, um legado que “nos foi deixado pelos nossos antepassados, e que não podemos desvalorizar ou permitir que se percam”.

De regresso ao concelho de Ansião, passamos pela icónica aldeia da Constantina, onde está edificada a capela de Nossa Senhora da Paz, erguida em 1623, e classificada como monumento de interesse público desde 2013.

 

Ariques, Marzugueira e Marques

Já no concelho de Alvaiázere, as aldeias de Ariques, Marzugueira e Marques são os edificados que merecem destaque na RAC. David Carmo, presidente da Junta de Freguesia de Almoster, à qual pertence Ariques, descreve a aldeia como “muito bonita, com muita história, muita pedra, muitos muros, e muita natureza.” Contudo, também sublinha o abandono que tem afectado a região: “o maior desafio enfrentamos é a desertificação”, afirmou enquanto explica que aquela aldeia conta com “apenas meia dúzia de habitantes”.

No entanto, há esperança na recuperação. O projecto das Aldeias de Calcário, que visa a preservação do património local, é visto como “uma oportunidade para revitalizar a zona: vejo com bons olhos este projecto”, comenta o autarca, que acredita que pode atrair visitantes e novos residentes ao interior.

Nos últimos tempos, “tem havido um aumento do interesse estrangeiro, com ingleses e holandeses a investirem na região: um exemplo recente foi a venda de uma propriedade por meio milhão de euros a um casal residente na Suíça, o que demonstra o crescente apelo destas aldeias para quem procura natureza e descanso”, revela.

Além do turismo, a Junta de Freguesia de Almoster tem desenvolvido iniciativas para incentivar os jovens a manterem laços com a sua terra, promovendo espaços de lazer para famílias e crianças, como parques e actividades culturais. “Estamos a tentar fazer com que os nossos jovens voltem cá, não por obrigação, mas porque se sentem bem aqui”, sustenta o autarca, reforçando que o objectivo é oferecer “muita qualidade de vida a quem nos visita e a quem cá vive”.

 

Aldeia do Vale, Pousadas Vedras e Poios

O roteiro continua pelo concelho de Pombal. A cada quilómetro que passa descobre-se mais um ponto de interesse, mais uma razão para voltar. Passamos pela Aldeia do Vale, Pousadas Vedras e Poios.

No que diz respeito à Aldeia do Vale, que ao longo de décadas, perdeu moradores para a emigração. Sopram agora bons ventos, que aos poucos recupera as suas gentes, as suas casas e as suas tradições locais. E se é a natureza em estado puro que procuramos, acabamos por encontra-la no Canhão do Vale do Poio, um sítio que “contado ninguém acredita”, diz José Matias, residente na aldeia.

“É muito engraçado que se fale em turismo e em turistas, quando as nossas gentes, os nossos vizinhos, por vezes não sabem, ou não se interessam pelo que têm ao virar da esquina”, lamenta, enquanto observa o rebanho de ovelhas a pastar. Admite que “ao fim de semana se vê muita gente, que vem para aqui caminhar ou andar de bicicleta, mas é preciso que venham com boas intenções e que deixem os sítios como os encontraram”, adverte, referindo-se “à falta de maneiras de quem deixa garrafas e lixo jogados ao chão”.

Por último, mas não menos importante, chegamos ao concelho de Soure, onde somos surpreendidos pela simplicidade e genuinidade das casas e das gentes que por ali fazem questão de permanecer.

 

Mocifas, Pombalinho e Casal Cimeiro

No alto da serra, passamos por Mocifas de Santo Amaro, numa subida que nos colocou à descoberta a ermida erguida em honra de Nossa Senhora da Estrela. Seguimos em direcção à aldeia de Pombalino, e descemos à mais antiga aldeia do concelho, o Casal Cimeiro.

“É preciso que se pense no ordenamento do território e na forma como se constroem novas habitações ou se destrói a estética de uma aldeia inteira”, afirma Maria Dias, habitante de Pombalinho, enquanto dá conta da importância de se “manter a estética das aldeias e preservar a identidade de um local”.

Já no Casal Cimeiro, o pequeno parque de estacionamento, “não há fim-de-semana que não se encha de carros: vemos muitos jovens a parar aqui e a seguir a pé”. No fundo, “trazem vida e alegria à aldeia” que não tem mais de 20 moradores fixos, conta Durval Ferreira. “Não sei até que ponto o projecto da Rede de Aldeias de Calcário tem algum interesse para quem aqui mora”, afinal, “não temos qualquer tipo de comércio, não há um minimercado ou um café, por isso os ‘turistas’ acabam por não contribuir em nada para o desenvolvimento do território”, ainda assim “é bom ver este movimento e sentir que há quem aprecia este pedaço de céu”, remata.

 

ANA LAURA DUARTE

[NOTÍCIA DA EDIÇÃO IMPRESSA]


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