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NATÉRCIA MARTINS

Saltos altos

17 de Maio 2024

O meu pai entrou em casa com uma caixa novinha em folha, debaixo do braço. Colocou-a em cima de uma cadeira e foi embora. Eu, curiosa, e pequena ainda, muito devagarinho e sem ninguém dar por isso, levantei a tampa. Que maravilha! Uns sapatos de salto alto. Amarelos e com um brilho que achei lindo. Luziam ainda mais quando tirei a tampa e olhei maravilhada. Eram de verniz. Como eu gostaria de crescer depressa para poder usar uns sapatos daqueles. Já me via empoleirada no cimo daqueles saltos enormes. Mas ainda iria faltar muito tempo. Apenas poderia sonhar e admirar aquela pequena maravilha. A minha mãe entrou em casa vinda do trabalho e viu a caixa. Nem ligou muito. Não mostrou curiosidade. Eu fiquei quietinha à espera que quando abrisse a caixa soltasse uma exclamação de alegria. Algum tempo passou e eu curiosa. E ela que não mostrava o mínimo interesse. Ao jantar a caixa ainda lá estava por abrir. Que coisa! Parecia que o tempo não passava. O meu pai também não disse nada. E a caixa fechada em cima da cadeira. Já tarde a minha mãe notou a presença de um objecto em cima da cadeira. Olhou para o meu pai e perguntou.

– Foste tu que compraste?

– Sim, fui eu. Espero que gostes.

A minha mãe levantou devagarinho a tampa. Olhou uma, duas vezes. Aguçou a vista, franziu o nariz. Olhou mais uma vez. E quando eu pensava que iria sair uma explosão de alegria, ficou vermelha, olhou para o meu pai e gritou: – Amarelos? Vou parecer que tenho pés de canário. Nunca, na minha vida, vou usar uns sapatos amarelos. Quem pensas que sou? Uma qualquer que usa esta “coisa”? E os sapatos lá ficaram tristes dentro da caixa. Nunca ninguém os calçou. A minha mãe não gostava do amarelo. E eu, ainda hoje, olho para a caixa dos sapatos amarelos e dou um sorriso. Uns sapatos tão lindos, com um salto fininho que fazia inveja a umas pernas bem-feitas. Eram lindos os sapatos! O tempo passou. Cresci, mas nunca fui capaz de os calçar. Quando mudei de casa trouxe comigo a caixa e os sapatos. Herdei-os como outros móveis que tenho e também vieram juntamente com pequenas lembranças. Saltos altos nunca me fascinaram muito. Quando, passados uns anos e cheguei à idade de poder usar, já não me pareciam assim tão bonitos.  Fui a bailes e festas. Levava saltos altos, claro, mas nunca amarelos.

Mas penso: que ideia a do meu pai em comprar uns sapatos amarelos para dar de prenda à mulher. E de salto alto!  Será que ele não sabia que ela não gostava do amarelo?


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