25 de Abril de 1974. Se reflectirmos, passaram 50 anos sobre a data em que formalmente a ditadura caiu, ainda que os tempos seguintes tenham ainda sido instáveis e conturbados. O tempo que já passou leva-nos muito facilmente a concluir que um jovem com menos de 30 anos dá (obviamente) como adquiridos todos os valores de Abril, nomeadamente a liberdade, o debate democrático, o papel de quem tem poder e de quem é opositor, todos com o objectivo de construir soluções de boa governação local e nacional.
Na realidade, a geração que ainda viveu de forma consciente o período de ditadura tem, hoje, mais de 70 anos, ou seja os filhos destes ainda que nascidos, não perceberam de forma conscienciosa o que eram aqueles tempos. Ando a ler um livro escrito por um investigador de políticas sociais que se chama “As causas do atraso Português” que aconselho vivamente a todos os que se interessam por política, história e até economia. Nesse livro, Nuno Palma rebate vários “mitos” da nossa história e remete para o período de 1950-2000, o tempo em que Portugal mais cresceu sob o ponto de vista económico e social. Vale a pena ler porque sendo um livro que é escrito com base em análise de informação e dados, não tem conotação política, o que nestes tempos de dicotomia entre “os da esquerda e os da direita” é saudável.
Voltando ao que nos trouxe o 25 de Abril, destacaria para além da construção de um novo regime político, a autonomia democrática das autarquias locais e o seu papel de desenvolvimento das nossas terras e cidades, e a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, em 1986. Estas linhas de desenvolvimento estratégico – novo regime político, autonomia do poder local e entrada na CEE – permitiram de forma gradual que Portugal se desenvolvesse sob o ponto de vista social e económico, desde a saúde pública, acesso à educação, políticas de suporte social e infra-estruturas físicas de vários tipos.
Até à entrada de Portugal na Zona Euro – passo seguinte da integração – diria que Portugal fez um caminho de crescimento económico e de fundamentação do regime, certamente com erros que a perspectiva temporal permite identificar, mas poder-se-á dizer que tivemos sucesso. Partindo de uma base económica estatal, essa caminhada de finais dos anos 80 até ao ano 2000/2001, trouxe-nos até à matriz actual das empresas nacionais, com o aparecimento de novos empreendedores que foram ganhando espaço na competitividade nacional e global.
Os indicadores sociais em toda a linha também melhoraram e assim iniciamos o século XXI, enfrentando o desafio da entrada do Euro que nos impedia de utilizar o mecanismo da desvalorização do Escudo e, ao mesmo tempo, nos impunha um conjunto de condições económicas e financeiras. Foi nessa altura que começou a entrar no nosso léxico corrente, o défice das contas públicas. Entrámos assim, meio aos tropeções, e não aguentámos a crise das dívidas soberanas no final da primeira década, levando Portugal a um pedido externo para evitar a falência do Estado, facto que condicionou inevitavelmente a década seguinte. Passámos cerca de cinco anos a corrigir políticas e fomos obrigados pela União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, a sacrifícios sociais que nem sequer tínhamos consciência social e política, de que poderiam eventualmente acontecer.
A democracia trouxe-nos a “Europa”, mas a maioria dos portugueses não conhecia a “Ordem” do funcionamento. A “Europa” era coisa de alguns políticos no activo e havia um sentimento de que “aquilo” não tinha a ver com a nossa vida. A democracia dá-nos a liberdade de falar e de agir, mas também nos remete para um sentido de responsabilidade cívica individual e colectiva. E foi algures por aqui que Portugal e, em larga medida a sociedade ocidental, começou a ter problemas com a saúde da sua democracia. Por várias razões, desde estruturas do Estado desmotivadas e envelhecidas ou, pelo menos, com o orgulho ferido, até ao advento de diversas redes sociais que se tornaram o meio de comunicação “mais fácil” para a maioria dos cidadãos e sobretudo para os mais jovens, o “sistema” começou a derrapar, assistindo-se na última década, a um afastamento dos cidadãos do que deveria ser a sua responsabilidade cívica, leia-se a prática social e política local, regional ou nacional. Entrámos num tempo em que o cidadão, de um modo geral, começou a “bater” facilmente nos políticos, de tal modo que isso associado a um escrutínio severo da Comunicação Social e até, nalguns casos, a uma actuação da Justiça que mereceria ser debatida com o mesmo espírito democrático e crítico, como tantos outros sectores do Estado, fez com que a política tenda para deixar de ser vista como uma causa nobre.
Neste ponto, nos 50 anos da democracia, o grande debate da sociedade deveria ser sobre o que deveria ser feito para corrigir este caminho de degradação das instituições, com coragem e determinação. Sugeriria mesmo que, no meio de tanta comemoração, galardões e festas, o Senhor Presidente da República liderasse um processo de envolvimento de todos os que têm responsabilidade na Sociedade Portuguesa e nas Instituições Públicas, para construir um livro branco sobre o “Futuro da Democracia – O que é preciso fazer?” com diagnóstico (poucas páginas porque está feito) e com sugestões objectivas para melhorar a democracia e o sistema político em Portugal. Não são precisos mais “papers” e debates teóricos, todavia é preciso o maior consenso nacional possível sobre o que é necessário fazer para que os cidadãos participem mais e para que as Instituições sejam renovadas e novamente respeitadas. Julgo que seria um bom legado do PR, aproveitando a passagem dos 50 anos de democracia.
Claro que os partidos políticos também devem fazer esta reflexão, embora com menos sucesso de boa discussão pública sem ruído e sem debate inquinado por ideologia e oportunismo político. No que concerne aos partidos políticos já farão muito se qualificarem as suas estruturas locais e regionais, abrindo a participação e a discussão sobre estas e outras matérias de interesse público. Ouvimos análises superficiais na opinião escrita e falada, mas há muito pouca gente com coragem de colocar estes temas de forma consistente no debate público.
A democracia é talvez o melhor sistema de governo, mas é contra a natureza básica dos Homens. Se não for cuidada, degrada-se e pode até entrar em falência. São as gerações dos que não vivenciaram nada do antigo regime que deverão evitar o colapso dos regimes democráticos. Se, a partir da Europa, não percebemos o que (já) aconteceu com vários Países do Mundo em que as alternativas que se apresentam são desqualificadas, incultas e perigosas, estaremos a deixar morrer, por comodismo e por insuficiência de cidadania, o que todos desejam que continue a existir. A democracia.
Site optimizado para as versões do Internet Explorer iguais ou superiores a 9, Google Chrome e Firefox
Powered by DIGITAL RM