É pela pena de José Magalhães Castela que Condeixa tem visto, nos últimos anos com invulgar regularidade, a sua história e as suas estórias dadas à estampa e perpetuadas nas páginas de livros, documentos únicos que hoje e amanhã permitem conhecer e lembrar o ontem.
Condeixense de gema, alma e coração, foi aqui que José Alberto Rasteiro Magalhães Castela nasceu no Verão de 1948. “Faço parte da última geração que nasceu em Condeixa, porque o Serviço Nacional de Saúde, felizmente, levou os nossos filhos e netos a nascerem, com todas as condições, nas maternidades em Coimbra”, assinala o agora escritor, de 75 anos, que fez vida profissional como dirigente da Administração Pública.
Filho de bem-sucedidos comerciantes da vila, é em Condeixa que nos idos da década de 1950 faz a instrução primária e, depois, os primeiros cinco anos do ensino liceal no Externato Infante D. Pedro, cujos méritos dos professores Luís Vale e Maria Teresa Vale o vão marcar para a vida e despertar no então jovem o gosto pela História e pelo Português.
“Tive uns pais maravilhosos que me deram o melhor caminho da vida: a sua experiência e os seus conselhos, o valor do trabalho e a possibilidade de obter uma excelente formação académica”, realça ao TERRAS DE SICÓ.
José Castela conclui o liceu em Coimbra e, pouco agradado com o ambiente estudantil da cidade, decide rumar a Lisboa para prosseguir a carreira académica no ensino superior. É no privado Instituto Superior de Línguas de Administração que se forma em Administração Económico-Financeira. Não satisfeito, opta por avançar para outra licenciatura: Ciências Sociais e Políticas. Dois cursos de uma assentada.
Terminados os estudos e de “canudos” na mão, a tropa não pode mais ser adiada e não tarda a chegar a convocatória para se apresentar, em Janeiro de 1974, na Escola Prática de Infantaria em Mafra, onde faz a recruta. Daí ruma à Escola Prática de Administração Militar, em Lisboa, onde a Revolução dos Cravos o ‘apanha’. “Na noite de 24 para 25 de Abril, eu e mais meia dúzia de camaradas regressávamos ao quartel e, mal entramos a porta, somos de pronto chamados ao gabinete do oficial de dia que nos explica o movimento [dos capitães] das Forças Armadas em curso com o objectivo de acabar com a guerra [no Ultramar] e implantar a democracia em Portugal”. É dos que decide “alinhar” e poucas horas depois já ocupa com outros militares as instalações da Radiotelevisão Portuguesa na Alameda das Linhas de Torres, e, mais tarde, ajuda a proteger o Emissor de Monsanto, alvo então de alguma resistência.
“Fui um ‘grão de areia’ no Movimento das Forças Armadas, mas foi conscientemente que aderi. É o melhor legado que posso deixar aos meus netos. Foi o dia mais feliz da minha vida”, recorda com evidente satisfação.
Carreira na Administração Pública
Cumprido o serviço militar obrigatório, com o curso de testador-seleccionador de especialidades e com passagens por várias unidades do Continente e Açores, entretanto já casado, opta por regressar à vida civil.
Ainda concorre à carreira de professor (de História, pois claro!), é colocado em Ansião, mas não chega a exercer. “O ano lectivo de 1975/76 foi uma balbúrdia e uma desorganização muito grande nas colocações e não podia estar à espera”, conta.
Consegue um primeiro emprego em Coimbra numa clínica de saúde, mas um ano depois entra no estatal Fundo de Fomento de Habitação, tutelado pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O bom trabalho realizado como técnico superior em programas de habitação leva-o, “um simples técnico de 2.ª classe”, a assessor do secretário de Estado da Habitação do V Governo Constitucional chefiado por Maria de Lourdes Pintasilgo. Corria 1979. A legislatura dura menos de meio ano, mas José Castela tem o mérito de conseguir transitar para a assessoria da mesma secretaria de Estado no governo seguinte, da Aliança Democrática (AD), liderado por Francisco Sá Carneiro.
Já pai e muito ausente em Lisboa prefere, no decorrer de 1980, regressar a Coimbra e aceitar o convite para funções dirigentes nos então Serviços Sociais do Ministério das Obras Públicas e Comunicações, cumprindo comissões de serviço como chefe de divisão, director de serviços e sub-director geral, trabalhando não apenas na cidade conimbricense mas também em Lisboa e no Porto. É o início de um percurso como dirigente da Administração Pública que o acompanhará até ao fim da vida profissional. Sempre nas áreas financeira, patrimonial e de recursos humanos, esteve na direcção do porto da Figueira da Foz, na Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral e na Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais, culminando no topo da carreira, como assessor principal, na Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, onde se aposentou em 2008, à entrada dos 60 anos, por ser chegada “a altura de fazer outras coisas na vida”.
E eis os livros…
O gosto pela leitura e pela escrita vêm-lhe desde novo. Com 20 anos já publicava crónicas no Jornal de Caça e Pesca e na revista Diana. A caça sempre foi também uma das suas paixões, incutida pelo pai António Magalhães Castela. Chega a apresentar o programa ‘Caça e Caçadores’ (e um outro sobre o cooperativismo habitacional) na antiga RDP Centro. “Os textos que ia escrevendo para os dois programas de rádio, de algum modo, agilizaram a minha capacidade de trabalhar a palavra escrita”, afirma.
É na solidão de um quarto alugado aquando das suas tarefas profissionais na capital Lisboa que, ainda numa máquina de escrever, encarreira o que viria a ser o seu primeiro livro: ‘Fonte dos Amores’. Estávamos no início da década de 1990, mas a obra só conheceria a luz do dia anos mais tarde, quando em 2000 decide fazer uma edição de autor. E com assinalável sucesso. Com parte da receita da venda a reverter para a Santa Casa da Misericórdia de Condeixa, a primeira edição “esgota rapidamente” e obriga a nova edição. Era o primeiro de muitos outros. Seguiram-se livros sobre caça, poesia e ficção, como o ‘Rio do Cais’ ou ‘Palácio dos Figueiredos’, “sempre com Condeixa como base”, até chegar o ciclismo. Sim, o ciclismo. Mais um “vício” promovido pelo pai, que lhe ofereceu uma bicicleta mal José terminou a tropa. Ambos chegaram a ser os então chamados ‘corredores populares’ e a participar em provas amadoras.
Em 2005 publica uma bibliografia de Alves Barbosa, o figueirense vencedor de três Voltas a Portugal em Bicicleta. ‘Alves Barbosa – 700.000 km a pedalar’ torna-se um êxito. “A partir daí comecei a ser muito solicitado para escrever livros sobre ciclismo e foram os mais fáceis de escrever, uma vez que sempre foi a actividade desportiva que acompanhei de perto e com muito interesse. Sempre conheci muito bem o meio velocipédico, não só em Portugal, onde me relacionei com muitos corredores, mas também em França onde assisti a muitas etapas do ‘Tour de France’ ou na ‘Vuelta a España’”, revela, sublinhando que “nos meus livros tive sempre um grande apoio do meu querido e saudoso amigo Alves Barbosa. Com ele, assisti ‘por dentro’ a várias provas de ciclismo”, enfatiza.
É também este conhecimento velocipédico que o leva a ser convidado para palestras ou mesmo para comentários sobre a modalidade em canais televisivos como a Eurosport, ESPN ou Sporttv.
Com o livro sobre Ribeiro da Silva, “o grande adversário de Alves Barbosa”, encerrou, por enquanto, o ciclo de quase uma dúzia de obras sobre ciclismo e passou a focar-se na Condeixa de que “nunca me cansei de gostar”.
Viagens bonitas ao passado
“Quando me aposentei e tive naturalmente mais tempo livre, passei a dedicar-me à história e às estórias de Condeixa. Sempre adorei a Condeixa que me viu nascer e os livros que vou escrevendo, que mais não são do que ‘viagens’ bonitas que faço ao passado, enchem-me de enorme satisfação. Cada livro é como se fosse um ‘serviço cívico’ que presto à minha comunidade”, sustenta com orgulho.
Já vai em 12 livros, desde as ‘Lendas e mistérios de Condeixa” ao mais recente ‘Maria Elsa Franco Sotto Mayor, a mãe dos pobres de Condeixa’. Pelo meio, há vários outros, como ‘Histórias de Condeixa’, ‘Dias de Abril em Condeixa, do 5 de Outubro ao 25 de Abril’, ‘O Senhor dos Passos em Condeixa’ ou ‘Condeixa desconhecida’.
“Escrever não custa. A tarefa mais difícil é sempre a pesquisa de dados. É encontrar as fontes de informação, que ou não existem ou andam dispersas um pouco por todo o lado. E quando se encontra um ou outro dado novo é uma autêntica vitória. É mais uma dificuldade que foi ultrapassada”, salienta.
O próximo livro será sobre a história do Grémio da Lavoura de Condeixa, antecessor da Cooperativa Agrícola. Outros, por certo, se seguirão, mas “um dia de cada vez”. “Não faço projectos a longo prazo e cada dia que vivo é uma verdadeira bênção de Deus. Por isso, faço os possíveis por o aproveitar o melhor que posso”. E faz muito bem.
LUÍS CARLOS MELO
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