Não sei muito bem como, mas dei por mim longe dos meus irmãos. Tentei gritar e chamar, mas o lugar onde me encontrava era tão quentinho e macio, que adormeci.
Quanto tempo ali estive, não sei. Acordei com o barulho de um portão a abrir e o ladrar de um cão.
– Mau! Um cão!
Ouvi uma voz grossa de homem dizer:
– Quietinho, Fiel! Tem cuidado porque hoje trago uma prenda aqui dentro do bolso. Vai ser a alegria dos meninos. Mais uma porta se abriu e o barulho de vozes fez-se ouvir: – Avô, avô trazes uma prenda? Sim. Não sei se vão gostar.
Uma mão grande agarrou-me com cuidado e tirou-me do bolso. Era uma bolinha preta, pequenina com dois olhitos assustados, assim na palma da mão.
Todos gritaram de alegria:
– Um gatinho! Pois era! Um gatinho muito pequenino, preto, de olhitos castanhos e orelhas tão pequeninas que nem se viam. Afinal era eu a prenda que o avô trazia. Foi uma algazarra. Todos queriam dar – me um nome. Surgiram sugestões: Óscar, Bolinha, Pantufa, Tareco…. Todos os gatos se chamam tareco. Era um nome muito corriqueiro.
Não havia consenso… Foi, então que a avó, sentada num velho cadeirão decidiu: Não se vai chamar nada disso! Vai ser Tobias. E fiquei Tobias.
Brincava no colo dos meninos e dormia em almofadas. Quando podia dar uma escapadela era na cama do Joãozito. Macia, quentinha, com almofadas de cores garridas. O colo do avô era uma delícia. Aconchegava-me nas suas pernas e as mãos grandes que me trouxeram para casa faziam-me festas. E eu gostava tanto!
As manhãs eram calmas, naquela casa. As tardes passava-as na brincadeira com os meninos. E eles corriam atrás de mim A correr, sempre a correr escondia-me debaixo dos móveis. E eles chamavam:
– Tobias… Tobias…
E eu a brincar, também corria a esconder-me noutro lado até que depois de tanta brincadeira adormecia e sonhava que aquela era uma boa vida.
Nos dias quentes de Verão a janela era o meu lugar preferido. O sol fazia desenhos na parede. Pareciam passaritos a voar. E eu aos saltos tentava agarrá-los. Fui crescendo e os meninos também cresceram. Já não brincavam tanto comigo e eu também já não tinha tanta vontade de correr. Fiz-me um gato grande, luzidio, com uma vida de rei. Afinal eu passei a ser o rei daquela casa. Comia bem e dormia nos melhores lugares. Quando o Fiel espreitava lá para dentro de casa querendo entrar logo lhe diziam: – Aqui não há lugar para cães. E eu olhava-o a gozar com ele.
Um dia, estavam todos reunidos, sentados à mesa e ouvi dizer: para a semana vamos de férias.
Férias? Nunca tinha ouvido falar em férias. Não fazia a menor ideia do que seriam férias.
Os dias foram passando e não via mudanças na casa. Afinal as férias, não poderiam ser nada de anormal. Isso era o que eu pensava…
No tal dia de início das férias, carregaram o carro com malas, malinhas e sacos eu também fui ao colo. Já não cabia no bolso do avô. Só que o avô não ia lá. Sem que eu desse por isso, o avô falecera e a avó também. Como as coisas mudaram!
Lá longe abriram a porta do carro e deixaram-me ali, no chão. Eu que nunca tinha andado na rua Era mimado como um rei, comia boa comidinha, dormia nas almofadas ou nas camas!
Fiquei quietinho, triste, a ver o automóvel a distanciar-se cada vez mais. Perdi-o de vista.
– E agora? Pensei.
Não conhecia nada nem ninguém. Quis entrar por uma porta aberta, mas enxotaram-me como faziam ao Fiel, lá em casa. Cheio de fome e frio dormi na terra fria de um vaso, com uma flor a servir de tecto.
Alguém caridoso deu-me de comer. Ao menos alguém teve pena de mim e fez-me festas, mas também se foi embora. O dia chegou ao fim. Fui andando e descobri um barracão. Ali não chovia e o frio era menos intenso. Já aconchegado num monte de palha, ouvi barulho perto. As orelhas ficaram alerta. Um rato passou e viu-me. Olhou com medo de que eu lhe saltasse para cima e o matasse. Mas eu nunca fizera isso. Chamei-o.
– Eu sou o Tobias e tenho medo, fome e frio. – Olha, Amigo. Aqui cada um por si. Tens que ir à vida. Procura!
Então pensei que todo o tempo que passei dentro de casa tinha sido inútil. Afinal era um prisioneiro daquela gente, sem vontade, molengão, mimado.
Agora, sim. Tenho toda a liberdade de fazer o que muito bem me apetece. Posso correr atrás dos pássaros, das rãs, molhar os pés nos charcos. Como onde posso, chamam-me“ bicho ”subo às árvores e até faço medo aos ratos. Um dia um cão vadio correu atrás de mim Levantei a cauda e o dorso a fazer-me grande
Sem querer troquei toda a vida de luxo pela minha liberdade!
Site optimizado para as versões do Internet Explorer iguais ou superiores a 9, Google Chrome e Firefox
Powered by DIGITAL RM