“Toda a região de Sicó tem património de valor internacional”, afirma João Paulo Forte, geógrafo e responsável pela descoberta das pegadas de dinossauro encontradas em Alvaiázere e recentemente identificadas como as mais antigas da Península Ibérica, enquanto adianta que “os próximos anos podem ser muito frutíferos” para Sicó, no que toca à divulgação de achados de interesse geológico. No entanto, lamenta a “falta de interesse e de investimento” na área, relembrando as autarquias locais da “importância deste tipo de descobertas para o desenvolvimento territorial como polo de atractividade”.
Apesar de só recentemente terem sido revelados, estes achados paleontológicos que colocam Alvaiázere na mira de paleontólogos, a descoberta remonta a 2006, como explica o responsável. “Na altura detectei quatro pegadas, mas sem estudos e sem apoios o projecto ficou a marinar dentro de uma gaveta”, no entanto, “tive sempre a intenção de fazer alguma coisa por este património”, garante.
Ainda conseguiu que “uma paleontóloga do Museu de História Natural, em Lisboa, visitasse o local com o intuito de classificar a nível municipal as pegadas de forma a proteger” aquele achado, mas só passados cerca de 14 anos, é que “em conversa com um amigo paleontólogo, surgiu a oportunidade de fazer mais alguma coisa”. O amigo, Silvério Figueiredo, professor do Politécnico de Tomar e presidente e investigador do Centro Português de Geo-História e Pré-História (CPGP), visitou o local, percebeu-lhe a riqueza e reuniu uma equipa de investigadores capazes não só de perceber a dimensão do achado, como classificá-lo e estudá-lo devidamente.
Cereja no topo do bolo
E se inicialmente falávamos em quatro pegadas que sobressaiam na laje calcária, o artigo recentemente publicado na revista internacional Historical Biology dá conta, e “de forma detalhada”, de 17 pegadas de dinossauros e de crocodilo, identificadas durante os trabalhos de campo realizados em Julho de 2022. “O processo foi moroso e envolveu uma equipa multidisciplinar de investigadores”. Por estarem localizadas “num terreno privado, onde não tínhamos autorização para escavar, também atrasou o processo”. Felizmente que “o proprietário aceitou colaborar e permitiu a realização da investigação”, que resultou num “achado de valor incalculável”. Para João Paulo Forte, “nada fazia prever este resultado”, por isso, “perceber que se tratam das mais antigas pegadas de dinossauro da Península Ibérica foi a cereja no topo do bolo”, onde o único lamento se prende com o “tempo que levou”, uma vez que “a descoberta poderia ter sido antecipada”, caso “existisse mais apoio à investigação e maior motivação por parte das autarquias locais”.
Por falar em bolo, o geógrafo aproveita a metáfora para descrever a realidade que observa em Sicó: “são as migalhas que fazem o bolo”, e por migalhas entendam-se pequenos achados, descobertas que podem parecer insignificantes, e que no final poderiam “revelar coisas incríveis”, escondidas entre lajes calcárias, grutas pouco exploradas ou territórios esquecidos, e que “efectivamente poderiam criar um pólo de atractividade diferenciador”.
Sem querer levantar a ponta do véu, João Paulo Forte garante que “existem outros achados de elevado interesse geológico em Sicó”, que aguardam apoios para ver a luz do dia. “O Estado gasta fortunas para formar investigadores, mas depois não lhes dá apoio para continuar a trilhar um caminho dentro da área em que se especializaram”, lamenta o geógrafo, que vê na “atribuição de bolsas de investigação a profissionais da região uma forma de dar continuidade a este trabalho”, uma solução capaz de inverter a “falta de atenção para estes aspectos” e potenciar “a riqueza que existe nestes territórios”.
No que respeita à descoberta feita em Alvaiázere, os estudos permitiram identificar uma nova espécie de pegadas de dinossauro, denominada ‘Moyenisauropus lusitanicus’, e possibilitou “ampliar conhecimento acerca da diversidade de dinossauros e outros vertebrados, conhecida no registo fóssil do Jurássico Inferior europeu e mundial”.
Até esta descoberta, pegadas de Saurópodes na Pedreira do Galinha, classificado como Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra de Aire, com cerca de 170 milhões de anos, era o mais antigo registo de pegadas da Península Ibérica. Este estudo, que atribui à ocorrência de Alvaiázere cerca de 195 milhões de anos, torna este registo a mais antiga ocorrência de dinossauros nesta península.
“O registo fóssil do Jurássico Inferior na Península Ibérica é escasso, constituindo-se assim este trabalho como um importante contributo para o conhecimento sobre os dinossauros do Jurássico Inferior a nível internacional e para a reconstituição paleogeográfica e paleobiológica do Sinemuriano de Portugal”, adianta João Forte, enquanto dá nota de que as pegadas se encontram numa “camada de rochas carbonatadas (calcários dolomíticos) da Formação de Coimbra, datada do Jurássico Inferior” e foram deixadas “numa vasta planície costeira, que existia naquela altura, onde actualmente se encontra o concelho de Alvaiázere”.
“Andamos aos soluços”
E se o geógrafo natural do concelho de Ansião considera que “Sicó é um território muito especial”, lamenta que “a região poderia estar muito mais à frente, mas andamos aos soluços”, poderia ser mais aproveitada com base nas “características diferenciadoras” que apresenta, mas “mal geridas, por pessoas, dentro de gabinetes, que não solicitam apoio a quem sabe e conhece o território”. “O projecto para a criação de uma paisagem protegida não deveria ir para a frente, nos moldes iniciais, porque não foi concebido por quadros especializados, conhecedores deste território”, afirma João Forte. E se Sicó poderá, no futuro, ser reconhecido como geoparque, o explorador também tem “grandes dúvidas, ainda que acredite que é fundamental que se crie um modelo socioeconómico que tire partido de um modelo de gestão semelhante ao de um geoparque, mas sem o peso dessa denominação”, esclarece.
ANA LAURA DUARTE
[NOTÍCIA DA EDIÇÃO IMPRESSA]
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