“Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm austeridade, nem concepção, nem instinto político, nem a experiência que faz o Estadista. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente…”
Esta frase pertence a Eça de Queiroz e data de 1867, portanto tem mais de 150 anos. Trouxe-a aqui porque esta continua a ser a “práxis” política dominante. A pequena política avessa a reformas que possam ser impopulares ou que possam prejudicar alguma teia de interesses instalada. Isto a propósito deste “entendimento” político apadrinhado pelo Governo, entre PS e PSD, para criar condições de reverter a reforma administrativa realizada em 2012. Os argumentos e os enquadramentos são os mesmos de sempre: a história, a dimensão, a rivalidade, a tradição, como se durante esta década que passou, alguma dessas perspectivas tivesse sido perdida. Obviamente que se admite que pudesse haver casos pontuais que precisam ser emendados, assim como, em sentido contrário, casos pontuais que precisam de ter a agregação onde não se chegou a fazer. Esta reforma administrativa de 2012/2013 foi acompanhada de outras leis reformadoras, como a redução do sector empresarial local (empresas municipais) que foi reduzido a menos de metade, assim como outras leis de definição territorial, de competências dos vários níveis autárquicos, desde a junta de freguesia até às áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais, lei de finanças locais e lei dos compromissos. A reforma da Administração local permitiu poupar ao tempo, contas de 2015, mais de 3,5 mil milhões de euros ao Sector Autárquico nacional, portanto cumpriu um dos seus propósitos que era a estabilização financeira do sector e a sua consequente credibilização perante a sociedade. Foi, apesar do cepticismo daqueles que diziam que se poderia ter ido além do que foi feito, uma das reformas sectoriais do Estado mais bem conseguidas, sempre muito participada e, reconhecidamente, muito contestada por actores políticos. Dez anos depois, o propósito de alguns é reverter a reforma administrativa, permitindo abrir uma caixa de pandora sem interesse para os cidadãos.
Não temos emenda. Em vez de discutirmos onde é que se poderá melhorar e reformar o actual sistema, aproveitando, desde logo, a experiência de uma primeira reforma realizada em democracia e os seus resultados consolidados, discutimos o modo de retroceder, sem nenhuma preocupação pelos sinais errados que deixamos à sociedade de um modo geral e às novas gerações em particular. À falta de coragem para não reformar mais, junta-se o populismo político sistemático e típico de partidos “velhos”. Quando, em 2011, percorremos Portugal a explicar esta reforma e, mais tarde, quando esta se fez lei, sempre pensámos e até apostávamos que a próxima reforma autárquica seria feita muitas décadas depois, tal como a última tinha sido feita ainda no século XIX. Errámos porque nunca julgámos que nesse caminho, haveria retrocessos. Sim, porque realmente se trata de um retrocesso, uma vez que o enquadramento é voltar a desagregar e jamais agregar como se não existissem casos desses. É a política do acaso realizada como se não existissem alternativas. Os actores políticos locais e as autarquias ficarão mais fracos, apesar de poderem ter outra percepção e até alguma alegria momentânea. Este permanente e continuado caminho de distanciamento entre políticos e cidadãos, com maus exemplos destes, não será revertido. Dito de outra forma, continuamos a ser um País de interesses de determinados grupos cuja visão que têm é simplesmente o presente e a sua circunstância de poder.
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