Com o mandato a meio – e um festival gastronómico a prometer animar Alvaiázere nos próximos dias –, o presidente da Câmara Municipal, João Paulo Guerreiro, em entrevista ao TERRAS DE SICÓ, aborda o caminho percorrido, salpicado de algumas dificuldades, perspectiva projectos a implementar e critica fortemente a descentralização (ou a “desresponsabilização”) de competências do poder central para o local.
TERRAS DE SICÓ (TS) – Em que medida a crise energética que atravessamos e uma inflação arreliadora travaram a dinâmica que perspectivava para este mandato que está a meio?
JOÃO PAULO GUERREIRO (JPG) – Esta crise energética, após uma crise sanitária de mais de dois anos de Covid em que as pessoas ficaram em casa, juntando-se à insegurança da guerra que temos dentro da Europa, gerou um conjunto de factores que provocou também uma crise inflacionista. Temos visto diariamente os impactos na nossa vida, no custo de aquisição de bens essenciais, no custo dos créditos e, sobretudo, do crédito à habitação para aqueles que o tem. Isto afecta não só as famílias mas também as empresas, empresas essas que têm, por natureza, obrigações com entidades públicas, neste caso, com a Câmara Municipal de Alvaiázere. Quando iniciámos o mandato, com uma equipa totalmente renovada, vínhamos com a expectativa de chegar e começar implementar o que era o nosso manifesto, o nosso projecto eleitoral. Todavia, rapidamente fomos percebendo que não podia ser bem assim. Os projectos são para fazer, mas existem várias situações que estavam a decorrer e que tinham de ser concluídas, até porque tínhamos o compromisso de concluir os projectos que estavam em curso. Acontece que os dois anos anteriores tinham sido anos de pandemia, provocando algumas dificuldades no início de várias obras, de vários projectos que tinham sido iniciados pelo executivo anterior e deparamo-nos com quatro grandes obras em execução, nomeadamente, a requalificação do Mercado, o parque botânico da Mata do Carrascal, a requalificação das piscinas cobertas e a área empresarial [de Rego da Murta]. Todos estes projectos numa fase inicial de obra, numa fase pós-pandemia, com todas as contingências conhecidas, a nossa relação com os empreiteiros também era algo de novo, e tudo fez com houvesse algum atraso. Felizmente estão quase todas concluídas, num prazo mais alargado do que estávamos à espera, mas chegámos a esta fase, de meio do mandato, faltando apenas os pormenores finais. Para além disto, não estivemos parados, estivemos muito activos a desenvolver os nossos projectos e na captação de fundos comunitários. Tivemos um sucesso muito grande nessa matéria, conseguindo, por exemplo, na candidatura dos Bairros Comerciais Digitais aprovar a nossa candidatura com a melhor pontuação a nível nacional, conseguimos financiamento para recuperação da Casa da Cultura, levar a avante uma candidatura em conjunto com a Câmara de Ansião no Turismo de Portugal para o Sicó Outdoor Center, que pretende potenciar o que de melhor temos, que é a natureza. Lembro que era um dos compromissos que temos desde o início de mandato é o projecto ‘Alvaiázere Natura’, que no fundo pretende valorizar a prática de desportos de natureza, a envolvência das pessoas com a natureza, e com este projecto vamos conseguir uma grande parte desse nosso compromisso.
TS – Um dos propósitos do seu executivo é conseguir fazer baixar a alta taxa de despovoamento. Face à realidade que se vê país fora, que caminhos podem contornar a realidade?
JPG – É uma luta ingrata que não depende só de nós, mas temos de fazer a nossa parte e acho que estamos a fazê-la bem. Temos nesta fase algumas notícias animadoras, porque embora o Censos de 2021 tenha vindo mostrar que houve um decréscimo em 10 anos de 14% da população, vemos nos dados da Pordata que nos anos de 2020 e 2021 já houve um aumento, ainda que ligeiro, do número de habitantes no concelho de Alvaiázere. Cerca de 30 novos habitantes, não é muito mas é um sinal importante porque travou a queda. Esperamos que os números de 2022, que ainda não são conhecidos, nos tragam ainda mais um bocadinho. Temos de ter a noção que este fenómeno demográfico já não é reversível através de políticas de natalidade, porque essas políticas por melhores que sejam só terão efeitos daqui a 20 ou 30 anos. Portanto, têm de ser combatidas com fluxos migratórios e também é isso que se tem verificado. Neste momento cerca de 9% da população de alvaiazerense já é estrangeira, são migrações de estrangeiros, essencialmente do norte da Europa, são pessoas que escolhem o nosso país e estes territórios do interior para viverem e por cá vão ficando e vão tendo os seus filhos. Quase todas as turmas das escolas de Alvaiázere têm alunos estrangeiros, o que é muito bom. Uma das coisas que é muito importante fazermos é fixa-los cá, dar-lhes condições de se integrarem na sociedade alvaiazerense de uma forma positiva, porque temos muito também a aprender com eles. Vamos reforçar o nosso Gabinete de Apoio ao Emigrante, que dentro em breve vai passar a chamar-se Gabinete de Apoio ao Migrante, porque temos de preocupar-nos não só com aqueles que saem mas também, e cada vez mais, com aquele que entram. E depois temos de tornar o nosso território atractivo. Temo-lo feito. Para além dos eventos, temos um investimento muito forte na educação, porque é a base de qualquer sociedade, temo-lo feito com o apoio muito grande às associações, porque elas são a génese de uma sociedade e é muito importante que o tecido associativo seja forte para criar laços, para criar identidade. Demos um apoio recorde às associações de mais de um milhão de euros nestes dois anos, também o fizemos nas juntas de freguesias, onde aumentámos em mais de 50% o apoio, e tivemos também um investimento muito grande nas políticas de proximidade, ou seja, resolver os pequenos problemas que também afectam a qualidade de vida diária das pessoas. Não temos capacidade para estabelecer as políticas migratórias a nível nacionais, mas algumas já deviam estar implementadas há muito, como um regime fiscal muito mais diferenciado para que as pessoas pudessem vir para o interior, temos a A13 que deve a ser a auto-estrada do país com as portagens mais caras por quilómetro quadrado e já devíamos ter essas portagens muito mais reduzidas, e devíamos ter a requalificação do IC8 já concluída para ter um ligação muito mais rápida ao litoral e à nossa sede de distrito. Essas políticas teriam um impacto muito positivo, mas não nos competem nem temos capacidade para as fazer. Fazemos, isso sim, um constante alerta político às entidades responsáveis, mas que infelizmente não tem dado frutos.
TS – Quanto médicos conta atrair a Alvaiázere com o regime de incentivos que a Câmara aprovou recentemente?
JPG – O quadro da Unidade de Saúde de Cuidados Primários de Alvaiázere contempla cinco médicos e gostaria de ter pelo menos quatro, mas se possível os cinco. Actualmente temos dois, mas um deles está a meses de completar 70 anos e terá obrigatoriamente de deixar de exercer. Gostava que com estes incentivos conseguíssemos captar três novos médicos pelo menos, para garantir um quadro de estabilidade a curto/médio prazo a uma população tão carente nessa área como é a de Alvaiázere. Fico com alguma mágoa de sentir que o Estado está a falhar naquilo que é a prestação de um direito fundamental aos seus cidadãos, porque os alvaiazerenses também são portugueses e o Estado português tem o dever de lhe prestar esses cuidados constitucionais. É inaceitável que 35% dos alvaiazerenses, um em cada três, não tenha médico de família.
TS – A transferência de competências na área da saúde que benefícios vai trazer a Alvaiázere?
JPG – Sou muito crítico da transferência de competências nos moldes em que está a ser feita. Acho que deve haver descentralização, agora não se deve confundir descentralização com desresponsabilização, e estas transferências de competências que temos vindo a assistir nas várias matérias, acabam por não ser mais do que uma desresponsabilização do Estado central; uma desresponsabilização orçamental, porque o envelope financeiro nunca é suficiente para aquilo que são os encargos que temos; uma desresponsabilização operacional, porque a gestão destas competências que nos são transferidas obrigam sempre à aplicação de recursos humanos, de tempo, dos funcionários do Município que não são compensadas de modo algum; e uma desresponsabilização politica porque no cerne das competências que são transferidas os municípios acabam por não ter nenhuma capacidade de decisão. Recebemos as competências na área da Educação, mas não temos nenhuma influência sobre o que são as políticas de educação no concelho de Alvaiázere. Na Acção Social também recebemos mas temos muito pouco influência, embora aí ainda haja alguma coisinha, mas temos muito pouca capacidade de intervenção nas políticas de acção social do nosso concelho. Na Saúde vai ser pior ainda, porque a saúde está no panorama que todos conhecemos, em que os municípios já se vêem obrigados a andar a competir entre si por quem é que consegue captar os poucos médicos que há, porque os médicos não se sentem atraídos para o sistema nacional de saúde, e não temos nenhuma capacidade de intervenção nas políticas de saúde no nosso concelho. Não temos nenhuma influência no cerne das politicas em questão, por isso, é exagerado chamar transferência de competências àquilo que não é nada mais do que a gestão operacional, do que o pagamento de facturas. Não consigo ver algum benefício nesta forma de descentralização que em meu entender é mais desresponsabilização do que outra coisa. Assumimos essa transferência porque estamos sempre na linha da frente da defesa das nossas populações, mas não concordo.
TS – O protocolo recentemente celebrado entre a autarquia e Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IRHU) vai permitir requalificar 12 fogos, beneficiando 22 pessoas. Alvaiázere precisa de mais?
JPG – Precisa de muito mais. Meio milhão de euros de investimento já é bom para apoiar estes este 12 agregados, mas temos bem mais alvaiazerenses, infelizmente, a viver em condições habitacionais indignas. O IRHU tem esta política própria de avançar para aqueles que não têm habitação própria e permanente e foi esta primeira fase que protocolámos. Os que têm habitação própria que está em condições indignas, que também são bastantes, o IRHU remete para uma negociação directa. O município não é intermediário, mas por vezes estas famílias não têm o saber necessário para avançar directamente para este tipo de soluções. Estamos disponíveis para a possibilidade das Câmaras servirem de intermediárias, pelo menos para dar apoio técnico na instrução dos processos.
TS – Que Cabaços vamos ter depois de implementado o projecto do Bairro Comercial Digital?
JPG – Cabaços sempre foi um pólo dinamizador, economicamente, no concelho de Alvaiázere e não foi por acaso que lançámos para lá esta candidatura. Espero que o projecto nos traga uma área comercial capaz de ser a locomotiva que vai transpor para o resto do comércio do concelho para o que será o comércio do futuro, com um panóplia de ofertas, uma imensidão de potenciais clientes e com as ferramentas, com os mecanismos necessários, para os comerciantes lá chegarem, para os clientes terem acesso a produtos de maior proximidade. É isso que contamos e estamos com muita expectativa de como vai suceder esta implementação. O projecto tem uma pequena percentagem de requalificação urbana, tem também alguma estrutura tecnológica, mas o grosso é formação, é capacitação digital dos comerciantes, é criação de novas formas de comunicar com os clientes.
TS – Alvaiázere tem em elaboração a Agenda Estratégica 2035, um plano estratégico de médio/longo prazo. Nas sessões dinamizadas têm surgido propostas que o tem surpreendido?
JPG – A surpresa não é muito grande, somos um território relativamente pequeno em que todos já nos conhecemos, todos já sabemos quais são as alternativas, mas têm surgido pequenas coisas que são interessantes. Porém, acima de tudo queria vincar a participação da população. Fizemos acções em todas as freguesias com uma participação imensa, com muitos contributos, temos centenas de contributos de inquéritos online e fizemos quase uma dezena de focus group pelas várias áreas temáticas. Ainda este mês vamos ter também uma assembleia municipal dedicada ao tema, que nos levará depois à conclusão de um processo que nunca é fechado porque sempre que surjam ideias válidas podem e devem enquadrar-se neste documento. Conseguimos, felizmente, mobilizar os alvaiazerenses que participaram, que deram muitas ideias, todas elas válidas, temos matéria muito interessante para fazer um documento que nos oriente, um documento estruturante, como sendo a opinião dos alvaiazerenses para o futuro do seu concelho.
TS – Depois da vitória nas eleições de 26 de Setembro de 2021 e do assumir do novo cargo, em que medida é que o João Paulo Guerreiro mudou nestes dois anos?
JPG – Não mudou muito. Um das coisas que prometi a mim mesmo e à minha família é que não ia mudar nestas funções. Mudou o tempo que tenho disponível, mudou alguma forma de pensar, porque estive muitos anos a trabalhar em empresas no sector privado, com o foco muito grande na instituição e no lucro, na satisfação dos interesses privados e com o enquadramento legal dessa função. Agora, na Câmara, o meu lucro é a qualidade de vida dos alvaiazerenses, são os alvaiazerenses e Alvaiázere. O meu foco mudou para aí, tive de me ajustar a trabalhar com o enquadramento legal do que é estar em funções públicas, o que é gerir dinheiros públicos, que respeito e giro se calhar com mais cuidado do que o meu próprio dinheiro, mas na sua génese o João não mudou, continua a ser uma pessoa de muita proximidade, tento ser muito humano, estar muito próximo das pessoas, tratando todos de igual para igual, e tentando sempre congregar equipas, esforços, para atingir um objectivo, que é tornar Alvaiázere um concelho atractivo, dinâmico e sustentável. Continuaremos assim até ao fim.
LUÍS CARLOS MELO
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