Talvez eu perceba pouco de macroeconomia, uma vez que a vida foi sempre à volta da economia das empresas, mas alguma coisa está a falhar quando tento compreender a quase obstinação do Banco Central Europeu em subir as taxas de juro. Nem sequer irei desenvolver a tentativa de compreensão sobre a falta de acção deste mesmo BCE, “governado” pela mesma Sr.ª Lagarde, quando a inflação já estava a subir de forma vertiginosa, durante quase 12 meses, e a Euribor se mantinha em valor negativo. Ou seja, quando as causas da inflação estavam realmente presentes, desde os problemas de logística global, o aumento de consumo na fase “pós-covid” acompanhado pela falta de oferta que, naqueles anos, se ajustou para tentar sobreviver, até ao aumento do preço dos combustíveis fósseis e a invasão da Rússia à Ucrânia, o BCE não reagiu e deixou o tempo passar, enquanto outros bancos centrais já corrigiam a trajectória da taxa de juros. A inércia deu lugar agora ao castigo. Quando agora, as cadeias de logística se restabeleceram e os preços da energia diminuíram para níveis antes da guerra da Ucrânia, o BCE ameaça com mais aumentos de taxas de juro porque a inflação ainda não está na meta definida de cerca de 2%.
O problema do macro é não ligar a detalhes. É crítico perceber o que é que ainda mantém a inflação em 4-5% em lugar de insistir em espalhar o pânico nas famílias e empresas. A Sr.ª Lagarde e outros que a acompanharão têm muita dificuldade em perceber a vida real da grande maioria dos europeus, do alto dos seus salários de dezenas de milhares de euros mensais, mas os governos eleitos pelo povo têm a obrigação de o perceber, estudar em detalhe a sua realidade nacional e apresentar evidências para os “ajudar” a decidir melhor. Isso seria muito mais eficaz do que umas “bocas” para os órgãos de comunicação social.
Deverá haver desde logo distinção entre o crédito ao consumo e o crédito de habitação própria permanente que, por sua vez, é diferente de um crédito de habitação secundária. Com essa distinção, seria possível analisarem medidas que vão além daquelas que este Governo “adora” e que basicamente são a pequena distribuição de umas “migalhas”. Depois, em Portugal, a banca nacional impeliu os créditos de habitação das famílias portuguesas para taxa de juros variável, o que nos deixa muito mais vulneráveis do que a grande maioria das famílias europeias que quando acederam ao crédito para compra de casa, o fizeram com taxa fixa. Dito de outra forma, a prestação dos portugueses está a aumentar exponencialmente ao contrário da maioria dos europeus. Se juntarmos a esta variável, o esforço imenso de carga fiscal a que o Governo nos tem convocado para poder ter as contas nacionais controladas, vivemos tempos especialmente difíceis.
As instituições europeias não deveriam precisar de fazer asneira da grossa para depois corrigir o tiro. É preciso perceber os detalhes. E aqui, em Portugal, a Banca nacional e a pouca folga orçamental das famílias, foram as razões importantes para que se tenha escolhido maioritariamente o empréstimo com taxa variável. Simplesmente porque isso implicava poupar, em média, 100 ou 200€ por mês na prestação da casa. Simplesmente porque ninguém, nem a Sr.ª Lagarde, algum dia avisou que em meia dúzia de meses, se pudesse passar de uma taxa Euribor negativa para um valor superior a 4% por ano.
É preciso controlar a inflação? Seria bom estudar com profundidade onde estamos e se há realmente necessidade de continuar neste caminho que, mais uma vez, vai trazer mais problemas aos países do sul da Europa. Recorde-se que há muito poucos anos, as empresas portuguesas (mesmo as que tinham boas contas) pagavam taxas de juro mais elevadas do que as suas congéneres europeias por causa do risco da dívida soberana portuguesa. Há alguns anos, as instituições europeias infligiram programas de austeridade aos países cujas taxas de juro sobre a dívida pública eram já insuportáveis. Foram precisos cerca de dois anos para que o BCE (já nas mãos de Mário Draghi, um italiano que conhecia bem a realidade económica dos países do sul da Europa) tomasse medidas que levaram à compra de dívida pública, protegendo os Estados do risco de mercado. Esta medida permitiu que as taxas de juro acalmassem e que os Estados pudessem fazer as suas correcções sem mais tumultos dos que eram estritamente necessários.
Diz-se que as instituições europeias são pesadas, burocráticas e que actuam com elevada inércia. Tudo isso está a custar muito aos Europeus. Não seria preciso que algum dos nossos responsáveis políticos repetisse a “graçola” de Pedro Nuno Santos há cerca de 10 anos que “se não pagarmos, até as pernas dos banqueiros alemães tremem”, mas valeria a pena estudar mais e fazer propostas concretas para evitar mais desastres.
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