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ENTREVISTA Aniceta Pena: “Acredito que meus alunos foram, e são, os meus melhores professores”

4 de Junho 2023

Recentemente nomeada finalista para a distinção da edição 2023 do Global Teacher Prize Portugal, também conhecido como “Nobel da Educação”, Aniceta Pena, professora na Escola Tecnológica, Artística e Profissional de Pombal, exerce a coordenação pedagógica de um Centro Qualifica, é docente de Português, Área de Integração, Oficina do Conhecimento e Tutora do curso profissional Técnico Auxiliar de Farmácia, no qual liderou a construção do plano curricular e o sistema de tutorias, revela-se “apaixonada” pela profissão e destaca alguns dos desafios no que diz respeito ao sistema educativo.

TERRAS DE SICÓ (TS) – Como recebeu a notícia de que era uma das 10 finalistas do Global Teacher Prize Portugal?

ANICETA PENA (AP) – Ser finalista do Global Teacher Prize Portugal deixou-me feliz. Diariamente, sinto o reconhecimento expresso pelos alunos e pelos encarregados de educação, no entanto ver o meu trabalho valorizado por um júri externo, é um reconhecimento significativo na área da educação, uma vez que destaca os meus contributos a nível de práticas pedagógicas e inovadoras para a educação, assim como o impacto positivo de um professor na vida dos alunos e na comunidade escolar.

TS – Que ensinamentos retira desta experiência?

AP – A experiência de ser finalista do Global Teacher Prize proporciona reconhecimento, visibilidade, crescimento pessoal e profissional, uma vez que a partilha de práticas entre os finalistas é extremamente enriquecedora e permite a possibilidade de colaboração e aprendizagem mútua, no futuro. Além disso, senti que o que me levou a este reconhecimento foi a dedicação e o compromisso que sempre tive com a educação. Este sentimento leva-nos a continuar a procurar a excelência na prática pedagógica e, consequentemente, contribuir para o aperfeiçoamento da educação em geral, assim como, inspirar e influenciar outros professores.

TS – Porque decidiu dedicar a sua carreira à Educação?

AP – A minha história iniciou-se no ensino secundário. Tive o privilégio de ter uma professora de Latim que me inspirou como pessoa e todo o meu percurso profissional, que iniciou com a licenciatura em Línguas e Literaturas Clássicas e Portuguesa. A minha admiração por esta professora passou pela forma como ela partilhava os seus conhecimentos, valorizava os seus alunos e o humor e alegria que incutia nas suas aulas. Inspirou-me de tal forma que abracei uma profissão que me permite fazer a diferença na vida dos alunos, inspirando-lhes a mente e os corações, levando-os a pensar criticamente e tornarem-se cidadãos responsáveis e bons seres humanos.

TS – Ao longo destes anos, continua “apaixonada” pela profissão? Do que mais gosta no ensino?

AP – O processo de aprendizagem é um desafio todos os dias e isso alimenta a minha paixão pela profissão. Quando escolhi seguir o caminho da docência sabia que estava a assumir uma responsabilidade imensa. Ao longo dos anos, a vida presenteou-me com tantos alunos maravilhosos, cada um com suas características, sonhos e desafios individuais. Cada dia com eles foi, e é, uma oportunidade de aprendizagem mútua. Acredito sinceramente que meus alunos foram e são os meus melhores professores, pois com eles aprendo a ser flexível, a procurar diferentes abordagens pedagógicas e a vivenciar um ambiente de respeito, empatia e apoio mútuo. Lembro-me de momentos de superação, quando alunos que lutam para conseguir algo, no final brilham com um sorriso de conquista. Mas não posso negar que houve momentos desafiadores ao longo do caminho. A educação enfrenta obstáculos diários, mas é exactamente nesses momentos que descobrimos nossa resiliência e determinação. Continuarei a defender apaixonadamente a educação, sabendo que os alunos são a prova viva de que vale a pena qualquer desafio. Acredito firmemente que a educação é a chave para um futuro brilhante e estou orgulhosa de fazer parte desse processo, onde temos a oportunidade de ser agentes de mudança, de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, equitativa e inclusiva.

TS – E o que mais a entristece?

AP – Neste momento, no Ensino Profissional, o maior desafio é trabalhar com um público de diferentes níveis de interesses e expectativas, oriundo, muitas vezes, de ambientes familiares pouco estruturadas e fragilizados, com posturas de desinteresse perante a aprendizagem, com comportamentos desadequados, com um elevado absentismo, desmotivados e sem objectivos de vida bem definidos. Neste contexto, não só enquanto professora, mas sobretudo como Tutora, sinto muitas vezes um sentimento de impotência quando me deparo com situações, cuja solução não depende de mim, mas de todo um contexto que nos envolve.

TS – Quais são as oportunidades, e os desafios, de uma educação cada vez mais mediada pela tecnologia?

AP – A tecnologia permite um acesso ampliado ao conhecimento, a outros recursos inovadores, que torna a aprendizagem mais envolvente e interactiva. Ferramentas digitais, simulações, jogos pedagógicos e recursos multimídia podem ser utilizados para diversificar as actividades de aprendizagem e atender às diferentes necessidades e estilos de aprendizagem dos alunos. Tudo isto incentiva os alunos a uma participação mais activa, envolvendo-os na própria aprendizagem. No entanto, dos vários desafios, destaco a info-exclusão e a dependência excessiva da tecnologia. Esta leva à distracção, ao isolamento social e à diminuição de actividades físicas ao ar livre que os torna menos comunicativos e com dificuldades de relacionamento interpessoal e coloca questões de privacidade e segurança. É importante equilibrar o uso da tecnologia com outras formas de aprendizagem e experiências no mundo real e garantir que a tecnologia seja utilizada de forma ética e responsável que sirva uma educação inclusiva, acessível e de qualidade para todos.

TS – Quando a aprendizagem, e a educação, é tratada como uma pista de obstáculos, ao invés de despertar nos alunos o sentimento de pertença e protagonismo, o processo de ensino e aprendizagem acaba por trazer mais frustrações do que estímulos. No seu ponto de vista, como se pode virar esse ‘jogo’?

AP – Um dos caminhos passa pelo envolvimento do aluno na própria aprendizagem, desenvolvendo competências pessoais, socio-emocionais e profissionais num ambiente de aprendizagem colaborativo e inclusivo, que respeite a sua especificidade e diversidade. A sua participação activa, com comportamentos adequados, evidencia o seu envolvimento na própria aprendizagem, estando sempre atentos ao feedback contínuo dos colegas e professores, no sentido de melhoria, evidenciando uma evolução a nível de responsabilidade e autonomia, que resulta do aumento da auto-estima e confiança, preparando-os para desafios futuros, capazes de perseguir os seus sonhos, assim como aplicar o que aprenderam em situações da vida real, tornando-se cidadãos responsáveis e de sucesso.

TS – Desmotivação é a palavra que anda na boca de todos: professores, alunos, auxiliares e até os próprios encarregados de educação. Mas sem alunos, não há escola. Quem e como se deve motivar os alunos?

AP – A motivação está dentro dos alunos, é um processo contínuo e individual. Portanto, é necessário adoptar uma abordagem personalizada, considerando as necessidades, interesses e capacidades de cada um deles. De entre todos os intervenientes, precisam que os professores mostrem envolvimento, expressem interesse por eles, fazendo-os sentir que têm uma estrutura, com regras claras, mas dando-lhes autonomia para fazer as suas próprias escolhas e mostrar conexões entre o trabalho da escola e os seus interesses. É importante ajudar os alunos a entenderem a importância do que estão a aprender e como isso se relaciona com seu futuro. Estabelecer metas claras e mostrar aos alunos, com feedback construtivo, como seus esforços podem levar a conquistas pessoais e profissionais pode aumentar sua motivação intrínseca. Eles são capazes de superar desafios, alcançar grandes realizações e tornar os seus sonhos realidade, serem líderes e os agentes de mudança que o mundo precisa.

TS – No seu ponto de vista, que qualidades procuram os alunos num professor?

AP – Na minha opinião, os alunos procuram professores com competências técnicas, que sejam rigorosos e exigentes, mas empáticos, capazes de criar uma relação de proximidade e confiança de forma a orientá-los para alcançar seu potencial máximo.

TS – Quais são os maiores desafios que os alunos enfrentam actualmente?

AP – Actualmente, os alunos em Portugal enfrentam vários desafios, entre eles, o acesso a uma à educação de qualidade, pois em zonas mais desfavorecidas podem enfrentar falta de recursos, infra-estruturas e professores preparados. O abandono escolar precoce, muitas vezes por falta de motivação. Apesar dos esforços que têm sido feitos, este é um desafio significativo, que dificulta a inserção no mercado de trabalho com um emprego estável e a conquista de boas oportunidades no futuro.

TS – E os pais / encarregados de educação, sente que são um elemento activo do sistema educativo?

AP – O envolvimento activo dos Encarregados de Educação é de extrema importância para potenciar uma abordagem mais abrangente e integrada da educação: beneficia alunos, famílias e escola. É necessário criar uma cultura de colaboração entre escola e família, promovendo uma comunicação efectiva, oferecendo oportunidades de capacitação e envolvendo os pais nas decisões educacionais. Na minha escola, além dos Representantes dos Pais, existe uma Escola de Pais que os capacita para um envolvimento activo no percurso dos filhos e, ainda, a figura do Tutor, papel que também desempenho, que permite uma comunicação efectiva entre os pais e a escola, o que é essencial para que se sintam integrados e informados sobre o progresso e o bem-estar dos seus filhos.

ANA LAURA DUARTE


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