21 de Janeiro de 2025 | Quinzenário Regional | Diário Online
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PAULO JÚLIO

Um rasgo, precisa-se!

6 de Abril 2023

O exercício de um cargo político é (ou deveria ser) dos actos mais nobres que se pode experimentar. Jamais deveria ser causa de lamentações ou expressão de sacrifício. Este artigo pretende ser um acto de expressão política. Por isso, inclui críticas e apresenta soluções para onde manifestamente não se vislumbra nenhum rasgo. Recentemente a Câmara de Penela lançou um “boletim” de informação dando conta das suas principais acções sintetizando mais de um ano de mandato. Em Penela, as pessoas escolheram mudar porque não se sentiam satisfeitas com o último exercício camarário de 2017-2021, depois, é bom recordar, de terem dado uma das maiores maiorias políticas ao então presidente Luís Matias, eleito pelo PSD. Seja por descuido, seja por falta de acção ou falta de atenção aos pormenores e às pessoas, o povo é quem mais ordena, e decidiu mudar, o que é legítimo e deve ser encarado com naturalidade por todos os que estiveram envolvidos. Mudar, na maioria das vezes, traz dinâmicas novas e Penela também precisava disso, desde logo porque as pessoas tinham referenciais altos que provavam ser possível melhorar o desempenho. E houve mudança. Passado mais de um ano e meio de mandato, o executivo liderado pelo actual Presidente da Câmara tem desiludido a maioria dos que nele confiaram. O próprio presidente tem disso noção refugiando-se em vacuidades e desculpas assentes nos argumentos do costume: “há menos dinheiro do que o que pensávamos encontrar”. No tal boletim municipal, o Presidente da Câmara saltou “para fora de pé” e escreveu, passo a citar: “encontrámos um conjunto de obrigações previamente assumidas, algumas de grande monta que não eram do domínio público que condicionam fortemente o nosso orçamento municipal (…)”. Mais não especifica, limitando-se a levantar um véu de suspeições, como se se tratasse de uma conversa de café.

Sobre este assunto, exige-se, repito exige-se que o Presidente da Câmara informe os Penelenses quais foram esses compromissos e os montantes envolvidos para que possa ser levado a sério. Esta conversa “de boca pequena” pode resultar em momentos de campanha, mas se realmente isto é verdade, é sua obrigação informar do que se trata. Se não o fizer, não é sério e revelará um traço de acção política altamente censurável. Sobre compromissos assumidos, mal fora que os não encontrasse. O executivo anterior, mal ou bem, tomava decisões e todos os que tomam posse de novo, encontram compromissos. Se não eram públicos, é grave.

O Senhor Presidente da Câmara enquanto candidato deveria, se não o fez, perceber a estrutura de custos da Câmara a que se estava a candidatar, perceber a sua autonomia financeira e entender o que poderia ou não poderia prometer. E, isto, para quem domina algumas variáveis e tem conhecimento do que é uma câmara pequena como a de Penela, foi claro desde a campanha de 2021. Este então candidato ou não tinha noção do que prometia ou tinha e deliberadamente mentiu aos Penelenses. Basta irmos ver a secção de investimentos em estradas municipais e fazermos duas contas, para concluir que seriam precisos mais de cinco milhões de euros para as executar todas. Sem auxílios europeus, essas promessas eleitorais, demorarão mais de oito anos a concretizar (!) ou, como será o mais certo, nunca chegarão a ver a luz do dia. Entre outras, falo da estrada municipal IC3/Espinheiro – Rabaçal, Ordem – Chanca, Casais do Cabra – Carvalhais – Viavai. Continuando com a análise ao boletim feito público, o Senhor Presidente também se queixa das “surpresas”, nomeadamente do “parque informático obsoleto” e do “n.º reduzido de trabalhadores” da Câmara Municipal. Tive de ler e reler para ter a certeza sobre o que estava escrito.

Quando um Presidente de uma Câmara elege para o editorial de uma publicação que pretende resumir um ano e meio de mandato, e se queixa dos computadores da sua Câmara Municipal, estamos (quase) falados sobre o seu estilo e a sua competência. Se estão obsoletos, troque-os porque foi para isso que foi eleito. Organizar o que não está bem.  Aliás, se estivesse tudo bem, os Penelenses teriam optado por continuar com quem estava. Sobre o número reduzido de trabalhadores, enquanto cidadão também não consigo entender. Talvez a redução de 40 para 35 horas de trabalho da função pública decidida pelo governo do PS/gerigonça esteja a perturbar os serviços da Câmara, mas também aí, há que ser mais rigoroso. Sei por experiência própria que o princípio da governação da Câmara, começa com a “reunião” da equipa de todos os seus funcionários à volta de objectivos bem definidos e que a motivação é crítica para o seu bom desempenho. Quem não consegue liderar lá dentro, jamais será um bom líder cá fora. Ainda assim, conheço os recursos humanos da Câmara de Penela e arrisco-me a sugerir ao Senhor Presidente que olhe melhor para alguns que estão encostados à prateleira por razões partidárias e lhes dê a confiança e a motivação necessárias para que contribuam mais com o seu conhecimento. Quem governa a olhar por cima do ombro, perde tempo e oportunidades. Quem governa tem de olhar para a frente, descentralizar competências e responsabilidades, definir metas e monitorizar. Seja uma Câmara ou uma empresa.

Continuando a análise ao trabalho feito e ao editorial do tal boletim, também não resisto a denunciar as contradições entre a prosa e os factos. A prosa do “rejeitamos a aceitar o status quo e a ficar de braços cruzados” a propósito da candidatura ao prémio de Região Empreendedora Europeia 2023 que obviamente assentou em decisões políticas completamente ignoradas pelo actual Presidente da Câmara. O HIESE, a ligação ao Instituto Pedro Nunes, a estratégia de base territorial baseada no nosso ambiente rural, começou em 2007 e foi, no meu entendimento, a política mais coerente e diferenciadora dos vários executivos desde 2005 até 2021. Fica mal ao Senhor Presidente da Câmara ignorar propositadamente estes factos, simplesmente por razões político-partidárias. Continuando com factos, o seu programa eleitoral não tinha UMA única menção ao HIESE. Vir agora fazer disso porta-estandarte político sem menção ao passado contém o mesmo traço de desonestidade intelectual quando escreve que herdou “umas obrigações que não eram do domínio público” e não explicita de forma transparente o que é que isso significa, tentando justificar a falta de acção com a falta de dinheiro. Sobre a visão política que (não) existe é que é realmente preocupante. No tal editorial escreveu “outro exemplo, é a nova visão que empreendemos na organização das Festas de São Miguel, que ilustra a capa deste boletim (…)”. Na capa está uma foto do concerto do famoso cantor Tony Carreira. Sobre “esta visão” discordo veementemente, mas respeito quem julga que a estratégia para a promoção de um território deve assentar e trazer uns cantores e artistas de renome nacional. Ainda antes de desenvolver este ponto, também é importante dizer que não há dinheiro (?) para recuperar a iluminação do campo de futebol de São Jorge, para pegar no projecto que existe na Câmara de Penela para os novos balneários, ginásio, wc’s e demais infra-estrutura, para apoiar melhor as associações do concelho , nomeadamente as que trabalham com crianças e jovens na sua formação cultural e desportiva, ou para deixar de vetar ao desmazelo o Castelo do Germanelo, entre outros factos que este espaço limitado de escrita não permite descrever, mas há dezenas de milhares de euros para realizar um concerto de duas horas que traz milhares de pessoas que, na sua grande maioria, não gastam um euro na economia local. Prioridades. Embora reconheça que cada um tem as suas e são os Penelenses quem têm de tomar as suas opções para o seu futuro e o futuro das suas aldeias e vilas. Sobre estratégia territorial, deixo de forma respeitosa o meu contributo. A palavra-chave é diferenciação. Se não for diferenciador, estaremos a fazer mais do mesmo. Diferenciador é apostar nos recursos locais, sejam recursos patrimoniais, sejam recursos naturais. A identidade Penelense não se recupera com um concerto musical, recupera-se cuidando o Castelo de Penela, o Castelo do Germanelo, a Pedra da Ferida, a Praia da Louçainha, a Ferraria de São João, os vinhos, o mel, o queijo Rabaçal, as villas romanas, o calcário do Monte de Vez e o Xisto da Serra da Lousã, dando a esta diversidade uma coerência de acção e comunicação, trabalhando em redes com os vários parceiros e municípios vizinhos. Mas, sobre isto, quase nada é feito e dito. Aliás, basta irem ao Germanelo para perceber que não há absolutamente nenhum foco no património. Mas, também basta perceber como o desígnio do Centro de Estudos Salvador Dias Arnaut se perdeu porque não existe nenhum político na Câmara que perceba para o que pode servir. Deixo a propósito uma ideia que será fácil de financiar: Transformem o Centro Salvador Dias Arnaut num local de interpretação do nosso património medieval, ligando-o aos dois castelos – Germanelo e Penela. Envolvendo a Universidade de Coimbra, recriando a história, recordando Dom Sesnando e Dom Pedro, utilizando tecnologias de interpretação, e terão mais um factor diferenciador que atrairá famílias e visitas de estudo de escolas.

E já que estamos a falar de factores diferenciadores não transformem a casa da legião em mais um “centro turístico e cultural” igual a centenas que existem por esse país fora. Penela não precisa de um espaço de turismo com mais espaço para fazerem mais umas exposições de uns quadros ou para apresentar mais uns livros. Penela precisa de um espaço de exposição permanente que atraia pessoas, durante todo o ano, como tanto gosta de escrever o actual Presidente da Câmara. O projecto chamava-se Casa da Noz porque se pretendia fazer (mais uma vez) um espaço diferenciador ligado a um produto que nos caracteriza: a Noz. O projecto tinha um espaço lúdico de actividades para crianças e desenvolvia-se à volta da nogueira, da ligação à terra e ao mundo rural que é a identidade das nossas gentes. Se não for Casa da Noz, que seja a Casa do espaço rural, do calcário e do xisto (Penela tem essa característica diferenciadora porque o seu território é dividido entre o calcário de Sicó e o Xisto da Serra do Espinhal e da Lousã) ou outra ideia à volta da qual se diferencie e se atrai gente para nos visitar.

O Senhor Presidente também fala muito de atrair pessoas, mas em concreto não se lhe conhece uma ideia ou uma acção objectiva que possa ir nesse sentido. Esquece-se de dizer que o eixo central de Penela-Espinhal está a 15 minutos de Coimbra, servido desde 2013 por uma auto-estrada, coisa que compara com qualquer concelho do distrito de Coimbra. Deixou cair ou nunca se deu ao trabalho de perceber o projecto de ligação de Penela ao Rio Dueça, “ligando” Penela e Espinhal como um centro urbano com alguma escala que possa atrair e criar sinergias. Esse projecto de expansão urbanística, plasmado no Plano Director Municipal, permitirá novos loteamentos, nova capacidade de construção e, por consequência, fixação de pessoas. Falando de habitação e atracção de pessoas, também não há uma palavra no dito boletim sobre algum investimento no Centro histórico, em que a Câmara pudesse servir de exemplo. Existe um programa do Estado para áreas de reabilitação urbana, mas as Câmaras são livres de terem iniciativas que visem estimular o investimento nos seus centros históricos. Sobre isso, nada também. Seja em Penela, seja no Espinhal ou nas aldeias. Por falar em aldeias, é notório que a força e a prioridade política que a Câmara dá ao projecto das aldeias do calcário são inexistentes. Os Presidentes de Câmara têm, se quiserem e se tiverem liderança política, a força da sua palavra. Talvez, em lugar de ao final de mais de um ano de mandato, se queixar do passado, seja bom “rasgar” o futuro, se é que sabe ou tem essa pretensão. Eu, enquanto cidadão e Penelense, quero e exigirei sempre aos Presidentes da Câmara da minha terra, esse rasgo. Sobre educação, não se conhece novo desígnio para o pólo de Penela da Escola Profissional de Sicó, a biblioteca municipal transformou-se num mero depósito de livros e não tem uma programação cultural consistente, e tudo o que se vai fazendo tem mais de dez anos desde a sua criação. O próprio Penela Presépio tem sido de forma dissimulada, colocado como um evento de segundo plano, quando é claramente o momento mais diferenciador e identitário que temos, há mais de 15 anos. O que precisa é de ser renovado. E esse é o principal problema de Penela. Está quase tudo, como agora se diz, requentado e precisa de nova criatividade (!)

Poderia continuar com outros projectos diferenciadores, como o centro de interpretação da Serra do Espinhal e da sua natureza, no Espinhal, tudo projectos que poderiam ser financiados porque são diferenciadores e exequíveis, dando consistência a um território pobre em recursos naturais, mas com um património histórico, arqueológico e natural que pode por si só ser atraente e potenciador de criação de riqueza. Para isso, precisamos de rasgo. Precisamos de uma Câmara Municipal mais focada e realizadora e precisamos também de mais oposição. Qualquer regime é melhor se exigirem mais dele. Em Penela, o PSD tem muita gente competente e com massa crítica que poderá ajudar a Câmara do PS a fazer melhor. A julgar pelo famoso boletim municipal, a actual Câmara precisa mesmo de ajuda. Se é ou não é capaz de fazer, todos terão, ponderadas as eventuais alternativas, de julgar em 2025. Mas, em qualquer caso, é obrigação de todos nós exigirmos e apontarmos as nossas sugestões. Penela não será melhor porque alguém fala ou deseja isso. Será melhor, se houver competência, capacidade de trabalho, coordenação de equipa, liderança e visão territorial, para além de cá trazer o Sr. Tony Carreira, por quem tenho o mais profundo respeito pessoal e profissional. Mas, é curto, muito curto. Por isso resolvi escrever o que me vai atravessado há muitos meses. Escrevi numa perspectiva construtiva, modéstia à parte, com conhecimento da causa, e admitindo que possam discordar do meu pensamento. Mal seria se todos pensássemos da mesma forma!


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