Tem a Biblioteca umas horas que disponibiliza ao grupo das” Lérias”.
Ora, lérias são mesmo lérias. Foi, mais uma vez, o que aconteceu hoje na Casa dos Arcos.
Um grupo com cerca de dez pessoas. Falou-se de tradições uma vez que somos todos de regiões diferentes e a maioria do interior do país.
Veio à baila a matança do porco, e como a maioria do grupo é constituído por mulheres falou-se no aproveitamento e de tudo o que se pode ou podia aproveitar e como.
A lavagem das tripas no ribeiro. Quando não havia que chegasse, ia-se comprar secas, mas de vaca que eram vendidas num molho. Precisavam ser lavadas com sal e limão. Muita água. No grupo havia gente que não sabia como isso era feito. Do porco tudo se aproveitava. Nisso fomos unânimes. Aproveitar tudo, tudinho. Até aos ossos. Falámos das morcelas e risota geral, quando contei que a minha mãe, ia com uma faquita muito afiada “roubar” bocadinhos de febras ao porco pendurado a escorrer, no chambaril.
Os aproveitamentos das miudezas não foram consensuais. Ou eram cozidos na sopa, fazendo uma boa cachola, ou cozinhados de forma diferente. Os miolos na minha casa eram feitos num refogado de cebola, alho, pão esfarelado, e sumo de limão, não esquecendo a hortelã e os ovos batidos que lá para os meus lados se usa muito.
Não conheciam a “assadura” (que já caiu em desuso). Era um bocado de lombo de porco, um rim e uma morcela levada com pompa e circunstância ao professor e ao médico. Isto nos anos sessenta e setenta.
Falámos do “borralho” com os chouriços pendurados numa vara a secar ao fumo.
É que, na Beira Baixa, nesses tempos, os chouriços eram diferenciados conforme a carne.
Os chouriços de sangue são as morcelas que na minha terra levam canela e cominhos.
A minha mãe também fazia os mouros com sangue e vinho tinto e carnes pouco utilizadas nos outros chouriços. Os paios feitos com lombo ou mesmo a língua. Toda a carne mais nobre.
As farinheiras! Ai as farinheiras que na minha casa tinha três metades. Sempre cozidas na sopa. Metade era para a minha mãe. A outra metade cortada ao meio era para mim e para a criada. Hoje os comportamentos das pessoas mudaram e muito.
As lérias são mesmo lérias, como já disse e descambámos para a feitura da marmelada. Dizia-se que o marmelo roubado na beira da estrada fazia a marmelada melhor. Isso não sei. Fazia- se na caldeira de cobre e passados na peneira fina.
A lareira era fonte de aquecimento ou onde fazia a comida: sopa nos potes de três pés. Dei aulas em Alcains. Eramos muita gente a comer e tinha uma dessas caldeiras pendurada na chaminé. Por mais que me esmere nunca mais comi sopa igual. Tinha, provavelmente o sabor do fumo.
Afinal ao que íamos? Não costuma ser na Casa dos Arcos. Não se ia para falar do porco nem da marmelada. Mas lérias são lérias.
Na Casa dos Arcos agora recuperada e pólo da Biblioteca ou da Câmara de Condeixa, tem lá uma exposição de dois artistas.
Guilherme Leitão Castanheira é fotógrafo e filósofo. Tem na sua fotografia de rua um quotidiano visto pela lente de artista, que nós, comuns não vemos. E é aí que a fotografia se destaca. Gosto sempre da fotografia a preto e branco e que nos dá a ver coisas comuns que não vemos e nem damos importância.
Depois o António Pedro Martins que nos mostra a importância da pele, sendo esta, o invólucro que nos protege.
É uma exposição de escultura onde um cão logo à entrada nos acolhe. A figura humana é na maioria o mote a esta exposição, embora haja outros motivos.
A responsável pelas lérias levou-nos lá, mas também sabia que este grupo é assim. É por isso mesmo que se chama de Lérias. Nem podia ter outro nome. Mistura farinheiras, chouriços, marmelada, fotografia e escultura.
Íamos com o intuito da exposição e lá fomos ao andar de cima.
Todas gostámos. Ficou a promessa do António Pedro ir a uma dessas reuniões falar das suas esculturas e da forma de como se fazem. Não é só soldar o ferro. Há muito mais trabalho por detrás disso que nós não vimos.
É que o entrançado das peças dá a sensação de croché.
É assim que são estas e outras esculturas do António Pedro. Mãos de artista.
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