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Carlos Silva: “Sicó tem um potencial muito grande a todos os níveis”

5 de Fevereiro 2023

O geógrafo e professor universitário, Carlos Silva, lançou mais um livro da colecção de roteiros do património cultural e natural, este dedicado às “Construções Rurais de Pedra ‘Seca’ no Maciço de Sicó”. Natural dos lados de Viseu, é ainda criança que toma o primeiro contacto com este território, numa visita de estudo às Ruínas de Conímbriga, com que fica “fascinado”. Tinha 11 anos. Pouco tempo depois, pela mão de seu pai, descobre o encanto do Vale do Rabaçal, onde o progenitor viera em busca do famoso queijo. A paixão por Sicó nasceu e foi crescendo com ele. Desenvolveu-se ao longo de décadas e faz de Carlos Silva, aos 69 anos, um dos mais profundos estudiosos e conhecedores do património cultural e natural local. Mestre em Geografia, na variante de Geografia Física, e doutorado em Turismo, Lazer e Cultura, ramo de Património e Cultura, pela Universidade de Coimbra, é autor de uma tese de doutoramento intitulada “Sicó: a dimensão cultural das paisagens – um estudo de Turismo nas suas vertentes Cultural e Natureza”. Em entrevista ao TERRAS DE SICÓ, assegura que este território “tem futuro”, mas a sua divulgação e valorização são fundamentais.

TERRAS DE SICÓ (TS) – O tema das construções de pedra seca para este novo livro, com edição da Associação de Desenvolvimento Terras de Sicó, está relacionado com a pretensão daquela associação de candidatar os muros de pedra seca a Património Mundial da UNESCO?

CARLOS SILVA (CS) – Não. Esta era uma ideia que já tinha há muito tempo. Aliás, quando soube há meia dúzia de anos que alguns dos países da Bacia do Mediterrâneo tinham os seus muros e construções de pedra seca classificados como Património da Humanidade foi um choque para mim. Então esqueceram-se de Sicó?, interroguei-me. Tenho de fazer um livro de divulgação sobre isto. Entretanto, a Associação Terras de Sicó informa-me que estão a preparar uma equipa para avançar com a candidatura das construções de pedra seca a Património da Humanidade. Assim, com este livro damos um pouco mais de impacto e força a esta iniciativa. Não é um livro de textos, porque sei que as pessoas não lêem, é mais um álbum de fotografia documentado, numa linguagem muito simples, há semelhança dos meus livros anteriores.

TS – A pretensão da referida candidatura tem pernas para andar?

CS – Tem pernas para andar. Temo muito é que as burocracias de enquadramento do território possam vir a demorar um pouco. Gostava que partíssemos do essencial, sendo pragmáticos. Sei que há pessoas muito competentes à frente da comissão de candidatura, quase todos da área da arquitectura e, portanto, acho que vai correr bem.

TS – Não esconde que pretende que seus livros sirvam para que este território de Sicó desperte para a sua valorização. Não tem sido valorizado ao longo dos tempos?

CS – Durante muitos, muitos anos, Sicó era uma área de desertificação e mesmo quando se falava dos montanheiros, falava-se com algum desdém. Eu, meio a brincar, dizia que se Condeixa, Pombal e Soure, os três concelhos a ocidente do maciço, pudessem, deixavam a serra e constituam um concelho diferente só da serra, porque ali há poucos eleitores, as obras são muito caras, o produto que de lá se tira é muito pouco, a agricultura é muito pobre e abandonada, não há recursos, tirando as pedreiras, que são um bem e um mal ao mesmo tempo. O grande problema de Sicó é o desconhecimento que as pessoas têm dele. Vou dar-lhe um exemplo: há sete anos no Porto fui convidado para falar num grande colóquio sobre turismo e ambiente, onde estavam mais de 1.000 pessoas. Falei sobre Sicó e até me doeu o coração quando perguntei se alguém sabia o que era e ninguém sabia. Hoje, a realidade está a mudar-se completamente. Por exemplo, vou ao Canhão Cársico do Vale do Poio e só vejo jovens. É a realidade do geoturismo, do montanhismo, dos desportos radicais, mas também do turismo cultural. Qual é o território em Portugal que tem o domínio romano que Sicó tem. Conímbriga, Vale do Rabaçal, Santiago da Guarda e o que ainda está por escavar, que são muitas outras vilas, mas é preciso dinheiro. O Paleolítico e o Neolítico em Sicó têm tido um grande desenvolvimento nos últimos 10 anos, a escavação das antas, das cavidades, da Serra de Alvaiázere, por todo o lado são publicados livros científicos sobre toda esta realidade e, portanto, quer no domínio científico, quer no domínio do turismo em geral e do património está a haver uma procura imensa deste território.

TS – Os poderes públicos e políticos têm dado valor a este território?

CS – As autarquias, já desde há uns anos, despertaram para isso, sim.

TS – Que opinião tem sobre o projecto da Área de Paisagem Protegida Regional?

CS – É uma iniciativa fabulosa e como as áreas de paisagem protegida regional são coordenadas pelos municípios, e não a nível nacional, há a possibilidade de criar a ambivalência entre a conservação do património natural e cultural com o turismo. É muito importante o turismo estar associado à protecção da natureza. Esta mentalidade de que se há protecção da natureza não pode haver turismo é má, embora tenhamos de ter em conta os impactos. Agora, estou surpreendido com o tempo que está demorar. Criaram-se expectativas muito grandes, sobretudo nos jovens, e devíamos entrar rapidamente no processo de ver o contributos que foram dados, as propostas que foram feitas. Espera-se que saia alguma coisa boa para todos, porque é mais um elemento do marketing territorial.

TS – Se tivesse poder de decisão, que potencialidades é que desenvolvia neste território na área do património cultural e natural?

CS – É preciso envolver as populações rurais. Isto traz-lhes mais oportunidades, quer em termos de alojamento, e há casas de turismo rural já por todo o Sicó, e a maior parte delas tem muito poucos turistas, o conhecimento desta região que agora está a acontecer é que está a dar alguma rentabilidade ao investimento que fizeram. Os pequenos restaurantes, as pequenas lojas com produtos endógenos, tudo isso é muito importante. O vinho de Sicó é hoje muito bom, é preciso também valorizar, por exemplo, o queijo do Rabaçal, que é conhecido há séculos e é um ex-libris de Sicó, um dos melhores queijos que existe em termos do paladar. O azeite de Sicó é espectacular, temos o chícharo. É preciso que a iniciativa privada das pessoas seja apoiada para se conseguir envolver a própria população.

TS – Depois de vários livros já publicados sobre este território, o que lhe falta ainda estudar de Sicó?

CS – Tenho um projecto, em parceria com a minha companheira, Maria João Morais Oliveira, que tem raízes em Condeixa e sabe muito de gastronomia e de culinária, sobre a gastronomia tradicional de Sicó. Estamos a fazer um estudo profundo da gastronomia tradicional. É claro que não existe uma gastronomia tradicional que se possa dizer “é única em Sicó”, mas quando falamos, por exemplo, de sopa à lavrador, ela é diferente nos seis municípios. A base é a mesma, mas depois há pequenas variações. Até ao próximo Natal teremos pronto o livro, que será muito grande. A Associação de Desenvolvimento Terras de Sicó vai também apoiar-nos na sua edição e será um trabalho com uma linguagem muito acessível.

TS – Sicó tem futuro?

CS – Completamente. Porque Sicó não é só pobreza, Sicó tem um potencial muito grande a todos os níveis, até neste da gastronomia, porque aqui foram modificadas muitas receitas de nível nacional e deram-lhe um carácter próprio. Sicó precisa de ser valorizado e divulgado, a divulgação do território é fundamental, dos seus produtos endógenos e do seu património cultural e natural. O trabalho da Associação Terras de Sicó no sentido de valorizar os produtos endógenos, como o vinho, o azeite ou o queijo, é muito importante para valorizar a dinâmica económica de Sicó. Gostava que não houvesse pedreiras e as que houvesse fossem postas em sítios onde o impacto é pouco sobre a paisagem, infelizmente, estão quase todas feitas na escarpa de falha a ocidente, e são grandes buracos que parecem crateras de vulcão e têm um impacto devastador sobre a paisagem e a paisagem é também um património. São questões que têm de ser sempre equacionadas.

LUÍS CARLOS MELO

[ENTREVISTA PUBLICADA NA EDIÇÃO IMPRESSA]


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  • Director-Adjunto: Luís Carlos Melo

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