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Joaquim Moita, o pneumologista que nos trata do sono

20 de Novembro 2022

Joaquim Moita nasceu na Nazaré e “nazareno uma vez, nazareno para toda a vida”, mas foi na Condeixa familiar que viveu intensamente a vida, que já leva 66 anos.

Reputado médico, pneumologista, director do Centro de Responsabilidade Integrado de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e presidente da Associação Portuguesa do Sono, Joaquim Moita está há quatro décadas no serviço de saúde público, resistindo sempre à tentação e aos privilégios do sector privado, e afirma não estar arrependido com a opção que o acompanhará até ao fim, já próximo, da carreira profissional.

Nasceu em 1956 na Nazaré, onde viveu até aos 11 anos, altura em que acompanhou a família no regresso desta à Condeixa de origem. Foi aqui, no então Externato Infante D. Pedro que fez a escolaridade até ao (antigo) 5.º ano. Dali transitou para o Liceu D. Duarte, em Coimbra, para completar o ensino secundário.

“Tive excelentes professores em ambas as escolas, nomeadamente naquelas áreas para as quais estaria mais vocacionado, como a matemática, a física e a biologia”, afirma ao TERRAS DE SICÓ, admitindo também ter sido “um bom aluno”.

Joaquim Moita recorda “com alegria” todos aqueles anos. “Ainda hoje na minha cabeça o ano começa em Outubro e não em Janeiro. Outubro era o começo das aulas, era quando ia reencontrar os amigos e as amigas do liceu e até mesmo, depois, da universidade”, revela.

É apenas quando frequenta o Liceu D. Duarte que começa “a pensar em fazer o curso de Medicina”. “Seguramente, não ia para advogado, nem para engenharia. A medicina adequava-se àquilo que pensava da vida e de como me integrar na sociedade”, justifica.

E assim foi. Entrou na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, para vir a revelar-se o melhor aluno do curso, que naqueles anos iniciais acabaram por se cruzar com a Revolução do 25 de Abril e os seus efeitos.

“Não gostei do curso de Coimbra. Foi o período revolucionário e contra-revolucionário, encontrei a maioria dos professores desinteressados, muitos de má qualidade, com algumas excepções. Estudei e acho que era bom aluno, o melhor do curso, mas não foi uma experiência agradável”, confessa.

Costela de condeixense

Já voltamos à medicina e ao excelente ‘senhor doutor’ que se seguiu. Antes, as vivências de uma “juventude estupenda”.

“Apanhei o 25 de Abril com 18 anos, mas tinha amigos mais velhos que já se integravam nos movimentos, quer em Coimbra, quer em Condeixa. Amigos que estavam nas faculdades. E desde muito cedo comecei a envolver-me, a discutir política e questões culturais”.

Joaquim Moita lembra também este “tempo muito interessante”, onde foi dirigente do Clube Condeixa e esteve envolvido na reactivação dos Bombeiros Voluntários locais.

“No Clube Condeixa, tivemos muitas actividades culturais e desportivas, era um manancial de ideias sempre a fervilhar e que concretizávamos. É um período que recordo com muita simpatia. No Dia da Criança, a 1 de Junho de 1976, juntámos mais de 5.000 crianças do concelho em actividades culturais e costumo dizer, meio a brincar, que não perdemos nenhuma”, diz, com evidente saudade de “um movimento cultural de juventude muito activo”, onde pontuavam nomes como o do ex-presidente da Câmara, Jorge Teixeira Bento, já falecido.

O médico lembra ainda um curso nocturno para trabalhadores-estudantes que conseguiram colocar em prática e que “permitiu a dezenas e dezenas de pessoas que tinham apenas a escolaridade básica, a 4.ª classe, tirarem o ensino secundário”.

“Foi também por essa altura, em 1977, que se reactivaram os Bombeiros Voluntários de Condeixa, onde fui membro da comissão instaladora. Éramos 11 elementos e deu muito trabalho”, afirma, mantendo ainda na memória um histórico cortejo de oferendas a favor da corporação. “Corri todas as aldeias do concelho a motivar as pessoas para oferecerem alguma coisa”, recorda. Integrou igualmente a primeira escola de bombeiros da corporação.

Vindo da Nazaré ainda criança, a integração em Condeixa foi boa, reconhece. “Tenho a minha costela de condeixense”, enfatiza.

Sempre no serviço público

De volta à medicina. “A experiência do curso foi tão má, tão má, que quando o acabei, pensei: quero ver doentes, eu vim para Medicina! Não havia essa cultura de colocar os alunos a ver doentes, excepto numa ou noutra disciplina”, critica.

Então, sem grande preocupação na escolha, Joaquim Moita decidiu, juntamente com dois colegas também recém-formados, rumar a Castelo Branco, onde fez o, naquela época, chamado internato policlínico. “Queria ver doentes, mas depois não havia recursos, embora estivéssemos sempre prontos para arranjar soluções e melhorar, havia uma grande disponibilidade para trabalhar, num cenário de extrema miséria que fomos encontrar naquela região”.

Regressa a Coimbra, em 1985, para tirar a especialidade de Pneumologia. Faz o internato no Serviço de Pneumologia do Hospital dos Covões, “um serviço altamente prestigiado, excelente, vanguardista no que se fez no país nesta área”, elogia, recordando “o primeiro chefe, o doutor João Abreu Barreto, um homem fantástico, um visionário”.

Ainda esteve também durante um ano em Lisboa para completar aquela fase da formação, voltando a Coimbra em 1991 para começar a trabalhar como especialista no Hospital dos Covões. De onde não mais saiu…

“Sempre no [serviço] público, é a minha identidade, não sei trabalhar de outra maneira e não estou arrependido. Hoje faria o mesmo, mas é-se muito mal pago no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e sempre mal pago. O meu primeiro ordenado quando comecei [a trabalhar] em Castelo Branco foram 18 contos [90 euros] e andei assim durante vários anos, já com filhos”, nota.

Medicina do sono

É pela mão (e pela visão…) do já referido João Abreu Barreto que o pneumologista se começa a envolver na problemática do sono, das “doenças respiratórias do sono”, como a síndrome de apneia obstrutiva do sono, “doença com grande notoriedade na sociedade”.

“Fomos pioneiros no país naquilo a que chamamos o sono visto na perspectiva da multidisciplinaridade”, uma tarefa desenvolvida há mais de 30 anos e que deu origem ao que é hoje o Centro de Responsabilidade Integrado de Medicina do Sono, do qual Joaquim Moita é director e que agiliza o tratamento do doente entre diversas especialidades, registando cerca de 8.000 consultas anuais.

O médico, que preside também à Associação Portuguesa do Sono, enfatiza que “pelo menos 30% da população adulta tem a síndrome da apneia do sono. E foram esses doentes que começámos a observar e a tratar, aproveitando toda a evolução tecnológica, como os aparelhos de pressão positiva”.

Porém, iam sendo diagnosticados doentes com outras patologias relacionadas com o sono, e “na multidisciplinaridade de que já falei, chamámos colegas de outras especialidades para se juntarem à equipa, e nós próprios, pneumologistas, obtivemos mais formação, mais conhecimentos no âmbito da medicina do sono”, explica.

Joaquim Moita distingue as doenças do sono da importância do sono, “da importância de dormir bem”. “Para dormir bem há regras, a que chamamos a higiene do sono, das quais a mais importante é a regularidade, ou seja, levantar e deitar sempre à mesma hora. Desde há séculos que sabemos isso, mas agora a civilização trouxe-nos algumas coisas que pervertem isso. O exercício físico mesmo ligeiro, a alimentação saudável, evitar muito café, evitar o álcool à noite, não levar os problemas para a cama, procurar relaxar sem dispositivos electrónicos, como telemóveis ou computadores à frente”. Conselhos que o médico deixa, advertindo que os adultos devem dormir sete a nove horas diárias, sob o risco de começarem a ter “problemas de todo o tipo, desde cardíacos, metabólicos, risco de cancro até à diminuição da imunidade”.

Taxista… dos netos

Aos 66 anos, Joaquim Moita confessa que ainda não começou a pensar na reforma, coisa que o preocupa, mas, admite, estará próxima. “Quando sair do SNS é para abandonar a medicina”, assegura.

E depois? “Sou de uma família de taxistas e costumo dizer, a brincar, que quando acabar a medicina, vou para taxista dos meus netos. É um bom projecto”. Sem dúvida que sim…

LUÍS CARLOS MELO


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