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Cultura: Estamos melhor que há oito anos, é inegável

25 de Outubro 2022

Tentando dar resposta à pergunta lançada pelo “Terras de Sicó” ­ o qual felicito desde já pelo seu oitavo aniversário ­ o sector cultural na região viveu nestes últimos oito anos momentos de cardos e de rosas.

Estamos melhor que há oito anos, é inegável. O número de eventos culturais aumentou na nossa região, temos mais criadores com condições para desenvolverem o seu trabalho e uma consciencialização dos públicos para a importância que a cultura tem na vida de cada um de nós. Igualmente observámos uma maior sensibilidade da população para com as dificuldades que os criadores têm em (sobre)viver do seu trabalho, aspecto para o qual contribuiu em muito a situação pandémica dos últimos dois anos. Ao contrário do dito popular, ao ficar longe da vista, parece-me que os artistas ficaram mais perto do coração daqueles para quem trabalham todos os dias. Também a educação artística entrou cada vez mais nas nossas escolas, tentando sensibilizar os jovens para a necessidade de fruir e criar formas de expressão artísticas.

Contudo, este aumento de actividade cultural em número muitas vezes não é acompanhado pelo aumento qualitativo que todos desejam. Penso que demasiadas vezes encontramos a realização de eventos culturais “a metro”, para encher agendas culturais, não existindo um pensamento ou estratégia para o desenvolvimento cultural das populações. Talvez isto aconteça pela visão simplista de que sobre cultura todos percebem, o que faz com que os decisores políticos ou técnicos autárquicos, quando não são especializados em nenhuma outra pasta, vão parar à cultura. Enquanto não existir um investimento pessoal de quem decide e financia a programação cultural, sem que isso esteja ligado ao seu próprio sucesso profissional, não será possível uma alteração do actual estado cultural da nossa região por aqueles que em nada dependem dos resultados obtidos para a sua progressão na carreira. Enquanto o objectivo se resignar a conseguir fundos comunitários para estes eventos, não interessando o quê e para quê, continuaremos a assistir à realização de eventos inconsequentes sob a ilusão da criação de territórios artísticos.

Entendo existirem dois aspectos que poderão contribuir para alterarmos esta situação. Em primeiro lugar, será necessário promovermos uma profissionalização das artes. A prática das artes não consubstancia o facto de o objecto produzido ser arte ou o seu fazedor se considerar artista. São os seus pares ou o público que os legitimam. Sem dúvida que temos várias pessoas que se dedicam ao teatro, à música, à pintura ou à dança de forma afincada. Promovendo o contacto destes com criadores profissionais poderá conduzir a uma melhoria do seu trabalho e à sua própria profissionalização futura. Outro aspecto importante será a consciencialização das nossas comunidades de que a cultura não é apenas a manutenção das tradições existentes. Apenas poderemos criar algo novo se conhecermos e preservarmos aquilo que realmente faz parte da nossa tradição. No entanto, da mesma forma como cultura não é simplesmente entretenimento, ela também não é apenas a manutenção da tradição, em especial daquelas que são apenas uma cópia de outros lugares ou simples resquícios bafientos da construção de identidade cultural do período salazarista.

Para dar resposta a estes desafios, os profissionais do sector cultural continuarão o seu trabalho. Se a expressão “feito num 8” é normalmente usada para demonstrar cansaço ou quando sentimos dores no corpo, os criadores e criadoras irão continuar na mesma, pois a luta diária para o reconhecimento da importância do sector nunca deu descanso ou saúde. Aguardemos pelo impacto que terá na nossa região o fim das candidaturas a Capital Europeia da Cultura 2027 de Leiria e Coimbra ­ exemplos da falta de objectivos culturais claros e que demonstrou a visão sobredimensionada que muitos têm da nossa realidade cultural ­ bem como do tsunami económico que todos estamos já a viver. O pouco que se conseguiu será bem fácil de desfazer. Cabe a cada um de nós não esquecer, mesmo em tempos de crise, da falta que sentimos das artes quando não as tivemos.

Filipe Eusébio

Actor e Produtor Cultural

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