Flávio Silva não tinha mais de 10 anos quando começou a juntar ingredientes e a “inventar” algumas receitas na cozinha lá de casa: estava longe de imaginar que aos 36 anos seria a sua comida a alimentar os atletas de vários escalões das selecções nacionais de futebol.
A infância foi passada no concelho de Pombal, mais concretamente em Meirinhas, de onde é natural. O percurso académico levou-o a experimentar os meandros da Economia: assim que ingressou na universidade percebeu que “não era feito para aquilo, a experiência foi desagradável”, conta. Depressa decidiu que queria seguir as pisadas do pai, enquanto chef de cozinha. Ingressou na Escola de Hotelaria de Coimbra, “por volta de 2004”, e a partir dessa altura somam-se conquistas.
O gosto pela gastronomia está-lhe “nos genes”, brinca. O pai “faleceu cedo demais”, mas “era um grande chef, ou cozinheiro, como lhe queiram chamar”, garante. Das recordações de infância guarda os cheiros e alguns sabores, talvez por isso “esta foi a forma que encontrei de o homenagear”.
A paixão pelo chocolate
Após terminar a sua formação, lançou-se ao desafio e logo em 2006 viveu um dos primeiros grandes momentos da sua carreira ao alcançar o primeiro lugar no concurso ‘Pasteleiro Júnior’, com a criação do bombom de Licor Beirão, “tinha 17 ou 18 anos, e ainda ninguém acreditava em mim”, lamenta. Na altura, “não deram seguimento à minha ideia, mas posteriormente o bombom foi recriado de forma industrial”, conta.
Numa época em que “ainda não existia o conceito do chocolate artesanal”, Flávio Silva descobriu nessa iguaria “uma paixão”, e apesar de “não ter dinheiro para investir”, rapidamente fundou a sua própria marca, com um chocolate de excelência: a FS Bombons, no qual apresenta o “chocolate harmonizado com produtos regionais como o mel ou a flor de sal”. E recorde-se que, em Maio de 2019, no âmbito do Festival da Fava, que se realiza anualmente na freguesia de Meirinhas, o chef da ‘terra’ foi desafiado a criar um bombom onde incluía essa iguaria como ingrediente. “A ideia era agarrar na fava e valorizá-la”.
Actualmente, e ainda sem querer revelar muitos pormenores, o Chef Flávio Silva adianta que está a preparar “uma nova linha de bombons artesanais”, em que destaca vários produtos endógenos, e prepara-se para inaugurar um “Ateliê de Chocolate, onde os visitantes podem aprender a fazer verdadeiro chocolate, a cozinhá-lo e a criar algumas receitas” com este ingrediente. O espaço físico ficará situado na Lousã, local que escolheu para viver.
Prémios e distinções
No percurso do chef pombalense somam-se prémios e distinções: o concurso Revolta do Bacalhau deu-lhe uma medalha de ouro e outra de prata, no concurso Chocolatier Nacional no Festival de Chocolate de Óbidos arrecadou o 2.º lugar. Segue-se a distinção por parte da Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra com os “25 anos de escola, 25 alunos de sucesso”, onde arrecadou mais um prémio. Ficou em 3.º lugar a nível internacional no Festival de Óbidos, em 2015. Flávio Silva, que na última década tem dedicado o seu trabalho a “elevar a gastronomia da região Centro à alta cozinha”, participou em todas as edições do Chef Cozinheiro do Ano entre 2012 e 2020. É, ainda o chef embaixador das Aldeias do Xisto, representa o arroz Bom Sucesso, os talhos Dom Casel, e os ovos Matinados, e é chef criador de receitas para a revista da especialidade mais antiga de Portugal, a Teleculinária.
Pelo caminho trabalhou em restaurantes, hotéis de renome e em hotéis menos conhecidos, criou o seu próprio restaurante, em Coimbra, até que em 2012 se junta-se ao Villa Pampilhosa Hotel, onde acaba por liderar a cozinha do restaurante O Buke, lugar que ocupou até 2020”.
Durante os anos em que liderou aquela cozinha, o jovem chef aliou a criatividade às raízes e à tradição, tendo mesmo colocado o espaço no centro das atenções gastronómicas de toda a região.
Segredo para o sucesso
O segredo para o sucesso? “Muita tranquilidade”, confessa. Ao contrário da “imagem agressiva que gostam de passar dos chefs e da pressão que se vive” no local onde se criam pratos de alta cozinha, Flávio Silva aposta precisamente “na ideia contrária: normalmente até ouvimos música jazz enquanto cozinhamos e o ambiente é bastante tranquilo”. Afinal, “apesar da grande exigência que coloco na minha equipa, quero que as pessoas tenham prazer no que estão a fazer: gosto de ter uma equipa feliz ao meu lado”. Acredita que “é muito importante passar uma energia positiva para os pratos que estamos a criar”, segreda.
Flávio Silva conta com “inúmeras experiências, em diversos locais”, desde um “simples aprendiz” até atingir um nível de excelência que lhe permitiu rumar para outros níveis. O jovem adianta que tem feito um “grande trabalho de pesquisa e estudo de comportamentos de produtos” no sentido de promover os sabores mais tradicionais e endógenos. Assim, “com alguma criatividade podemos criar coisas diferentes, com produtos baratos e acessíveis e que a maioria das pessoas nem lhes liga”, mas que “têm um grande potencial de inovação”.
Para além de elevar os pratos que cria com sabores únicos, o jovem cozinheiro dedica-se, ainda a formar futuros cozinheiros na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra e na Escola Superior de Educação de Coimbra, na primeira licenciatura em Portugal de Gastronomia, sendo o responsável “pela cadeira de Cozinha da Europa”.
Selecção Nacional de Futebol
E é enquanto formador que surge uma oportunidade: “em 2018, a Federação Portuguesa de Futebol assinou um protocolo de colaboração com a Escola de Hotelaria de Coimbra”, que o levou “a acompanhar uma equipa de quatro estagiários na comitiva da selecção nacional de futebol ao Mundial, na Rússia”. A “experiência foi muito enriquecedora” e passado alguns meses integrou a comitiva da selecção nacional sub-21. Mais tarde foi ‘convocado’ para a selecção de futebol feminino, sendo o meirinhense um dos primeiros chefs daquela equipa, uma vez “que as equipas masculinas já têm chef há muitos anos e as meninas apenas começaram a ter recentemente”. Desta forma acaba por “valorizar o papel da mulher no desporto”.
Naquilo que diz ter sido um “processo de integração bastante natural”, Flávio Silva admite que o cargo de chef oficial das selecções nacionais de sub-21 e feminina lhe tem “proporcionado oportunidades únicas de explorar a gastronomia europeia, e até mesmo mundial”, apesar dos “desafios” que enfrenta a cada viagem.
Afinal, já passou por países como a Grécia, Turquia, Finlândia, Suécia, Arménia ou Eslovénia, onde lhe foi oferecido o “prato mais esquisito que alguma vez vi: um porquinho-da-índia assado no forno”. Actualmente encontra-se na Sérvia a acompanhar a selecção feminina que disputa esta sexta-feira (2) um jogo de apuramento para o Campeonato do Mundo de 2023.
“Não é fácil ir para um país distante, e totalmente diferente a nível gastronómico, e adaptar os nossos pratos aos ingredientes que nos disponibilizam”, explica. “Não faz sentido, por exemplo, pedir um robalo fresco num país como a Arménia, que não tem mar”.
Por isso, “é necessário olhar para o país que nos acolhe e perceber o caminho que devemos seguir”. No entanto, na bagagem do chef Flávio nunca falta “um bom arroz carolino, massa para canja, azeite, sal das salinas de Rio Maior e uma garrafinha de vinho do Porto, para oferecer ao chef de cozinha do hotel que nos vai acolher”, revela. “São ingredientes muito nacionais e que dificilmente encontramos na cozinha de outros países”. Depois é colocar a criatividade a trabalhar e criar “comida saborosa e saudável”, sempre com a ideia de que o corpo dos atletas é o seu “templo e um instrumento de trabalho”.
E por falar em comida gostosa, o chef revela que também os atletas têm direito a um ‘miminho’ gastronómico de vez em quando. Para lhes adoçar o palato, Flávio Silva também recria o “tradicional arroz doce”, com o auxílio de ingredientes mais ‘fit’, como é o caso das “bebidas vegetais, a stevia ou o açúcar amarelo”. O que também não pode faltar na mesa dos jogadores é “uma sopa portuguesa, onde a base é sempre a cebola, alho, azeite e sal”. Depois, “é uma questão de utilizar os legumes que temos à nossa disposição, de forma criativa”, garante.
Chef em casa
Sem esquecer que o país, e o mundo, sofreu grandes alterações depois de ser assolado por uma pandemia que deixou marcas um pouco por todo lado, também Flávio Silva sentiu a necessidade de se “reinventar profissionalmente”: o Villa Pampilhosa Hotel fechou, e nisto acabou por criar um novo projecto e lançar-se à aventura no seu atelier.
Através da agência Supper Stars aposta numa experiência gastronómica em cozinhas que não são dele, uma vez que o jovem vai a casa dos clientes cozinhar pratos saborosos e com os melhores ingredientes. O serviço conta com menus exemplificativos, mas é possível ter em casa “um serviço personalizado, onde a ementa é definida tendo por base os interesses do cliente”. E é isto que gosta realmente de fazer: “criar uma experiência gastronómica inesquecível, onde tenho a oportunidade de servir as pessoas e de lhes contar as minhas histórias”, no verdadeiro sentido de “ser português, que gosta de partilhar mesa e de apreciar boa comida”.
ANA LAURA DUARTE
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