Penela foi recentemente distinguida como Região Empreendedora Europeia 2023, num prémio atribuído pelo Comité das Regiões Europeu que não deixou de surpreender. Porque nas edições anteriores apenas Lisboa (2015) e Castelo Branco (2021/22) tinham almejado tal distinção para o país e, depois, porque Penela surgia ao lado de… Barcelona.
O European Entrepreneurial Region [em inglês] é um projecto que identifica e premeia anualmente até três territórios da União Europeia, que demonstrem uma estratégia de política empresarial “excepcional e inovadora, independentemente da sua dimensão, riqueza e competências”. Os territórios com o plano “mais credível, prospectivo e promissor” recebem o rótulo ‘Região Empreendedora Europeia’ para o ano seguinte.
O presidente da Câmara, Eduardo Santos, recebeu o prémio em Bruxelas, na Bélgica, a 30 de Junho, das mãos do português Vasco Cordeiro, presidente do Comité das Regiões.
Como foi possível a Penela estar lado a lado com a grande cidade espanhola nesta importante distinção europeia, que coroou ainda uma região polaca? Foi o que fomos procurar saber junto de protagonistas de uma ‘história’ que se revelou de sucesso.
As opiniões recolhidas pelo TERRAS DE SICÓ apontam no sentido de que o Programa Director de Inovação, Competitividade e Empreendedorismo (PD-ICE) desenhado em 2006 para Penela, que tem na incubadora HIESE – Habitat de Inovação Empresarial nos Sectores Estratégicos a sua face mais visível, bem como a parceria como o Instituto Pedro Nunes (IPN) contribuíram decisivamente para o trajecto meritório.
“Um prémio desta tipologia está associado a uma estratégia de desenvolvimento do território e, obviamente, que há um tempo longo, de cerca de 15 anos, de trabalho continuado. Só é possível chegar a 2022 e ter um reconhecimento europeu equiparado, por exemplo, a Barcelona, porque houve uma estratégia do território”, admite Paulo Júlio, presidente da autarquia penelense entre 2005 e 2011.
O gestor recorda a decisão de avançar para o PD-ICE num concelho que “tinha desde logo um problema que era a auto-estima, um território em que as pessoas, a maioria dos empresários, acreditavam pouco”.
A elaboração do PD-ICE do Município de Penela consistia em, “através de um processo partilhado, mobilizador e inspirado nas melhores práticas disponíveis (nacionais e internacionais), na identificação e envolvimento dos agentes locais na concepção de apostas estratégicas, indicadores de sucesso e carteiras de projectos estruturantes a desenvolver ao nível do território em análise, nas áreas da inovação, competitividade e empreendedorismo”, lê-se no documento.
O ex-autarca lembra que “temas que há uns anos a esta parte são correntes, são normais, há 15 anos não o eram, houve que vencer barreiras, até políticas, transpor obstáculos, porque era uma linguagem muito hermética, que não era percebida pela generalidade das pessoas”.
“Com o plano estratégico em mãos, o nosso mérito foi ao longo dos anos termos tido a capacidade de o implementar, foi sendo acarinhado pelos vários executivos camarários, que fizeram um trabalho de continuidade”, realça Paulo Júlio, salientando acções que vão, por exemplo, desde o HIESE, “a imagem de marca desta estratégia de território”, até à entrada para a rede europeia de Smart Rural Living Lab.
“Bússola orientadora”
Pedro Saraiva, professor catedrático da Universidade de Coimbra (UC), antigo presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e ex-deputado, liderou em 2006 a equipa da Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI) responsável pela elaboração do PD-ICE.
“É hoje muito gratificante ver que as coisas quando são plantadas, às vezes, fortificam e dão resultados que são reconhecidos ao mais alto nível dentro da Europa. São apostas que demoram o seu tempo até se consolidarem e fazerem o seu caminho, mas depois é muito gratificante quando olhamos para trás e dizemos que valeu a pena”, enfatiza Pedro Saraiva.
O antigo vice-reitor da UC elogia a visão de Paulo Júlio, “o autarca na altura, e depois os outros que se lhe seguiram, pois viram que este era o caminho”, considerando aquele plano estratégico como a “bússola orientadora de muitas coisas que agora são, e muito bem, reconhecidas a nível europeu”.
Para o sucesso do trajecto, Pedro Saraiva vinca a “identidade forte entre a liderança do município e o conceito de uma proposta de futuro centrada nos desafios da inovação, criatividade e empreendedorismo”, bem como o “trabalho muito participado e partilhado com as forças vivas do concelho, que são co-proprietárias dos resultados alcançados”.
“O mérito deste prémio é dos penelenses, porque são eles que constroem diariamente o presente e o futuro do concelho”, evidencia.
Fórmula resultou
Da carteira de 14 “projectos mobilizadores” definidos no PD-ICE, o HIESE foi aquele que assumiu maior protagonismo, sendo considerado um “elemento charneira enquanto espaço de acolhimento empresarial de inovação e empreendedorismo”, afirma Joaquim Macedo, director-executivo daquela incubadora.
“Sendo certo que o mérito é das empresas, temos [HIESE] tido também um contributo importante na criação de novas dinâmicas, para que se possa reconhecer o território como um sítio especial, onde vale a pena criar emprego ou lançar uma empresa. É aí que temos um papel a desempenhar”, salienta aquele responsável.
Joaquim Macedo destaca ainda a parceria com o IPN, “uma referência nacional e internacional” nas áreas da inovação e empreendedorismo. “Acho muito difícil que chegássemos a este ponto sem o know-how [saber-fazer] do IPN”, nota, enaltecendo o modelo de incubação utilizado no IPN e no HIESE, que passa por “uma avaliação da qualidade dos projectos e dos empreendedores”.
“Não deixa de ser surpreendente que um município como Penela tenha reconhecido a importância e criado uma especialização própria em torno dos sectores rurais”, elogia o director-executivo do HIESE.
Para Joaquim Macedo, a distinção agora alcançada “vai ajudar” no reforço da estratégia. “É um sinal de que estamos no caminho certo, e se estamos no caminho certo, o caminho a percorrer é o mesmo, com o mesmo modelo. Temos de continuar a apoiar as empresas, a ter os mesmos critérios e, agora que vamos duplicar a área do HIESE, isso faz ainda mais sentido. A fórmula resultou e vai continuar a resultar”, afirma.
Manter a dinâmica
O antigo presidente da Câmara, Paulo Júlio, não esconde a “enorme satisfação” de ver o município de Penela reconhecido a nível europeu, mas sustenta que é necessário “não perder a dinâmica, continuar a arriscar, saber continuar este trabalho”, mostrando-se convicto de que o actual executivo saberá “dar continuidade a esta estratégia de território”.
Por seu lado, Pedro Saraiva defende que a celebração do prémio deve ser “voltada para o futuro”, perspectivando “o que fazer nos próximos 15 anos”, e deixa uma “pista”: um dos ‘projectos mobilizadores’ sugeridos no plano de 2006 era a implementação de uma estratégia municipal para as energias renováveis, que não terá tido o desenvolvimento pretendido e que agora poderia ser de novo equacionado, sendo “um tema mais actual do que nunca”.
A Câmara de Penela tem em marcha a execução de um novo plano que norteará a estratégia municipal para os próximos anos
Eduardo Santos anuncia novo plano estratégico
Há 10 meses no cargo, o presidente da Câmara de Penela admite que o prémio que recebeu em Bruxelas “resulta de um trabalho que começou a ser feito há muitos anos e, de facto, houve uma estratégia assente num plano que foi efectuado e deu resultados”.
“A parceria com o IPN, a Universidade de Coimbra e com a professora Teresa Mendes, que sempre acreditou no HIESE mesmo quando muita gente à sua volta acreditava pouco neste projecto, foi muito importante e tem sido essencial para a atracção de novas empresas”, afirma o autarca.
Sublinhando que o documento de candidatura à distinção europeia estava “extremamente bem estruturado”, Eduardo Santos realça que “o prémio não é do autarca A ou B, é do município, e foi com muito gosto, honra e orgulho que o fui receber e que o iremos publicitar, porque ele é também dos munícipes e de todos os que trabalham neste território e que o defendem diariamente”.
“Já percorremos um longo caminho, mas temos a perfeita consciência de que muito ainda há por fazer. O ecossistema ainda não está completo, porque temos gente que vem de fora para trabalhar no HIESE e que depois vai dormir a outros sítios dado que não consegue ter habitação em Penela. Para termos um ecossistema total temos de ter uma oferta integrada”, afirma o autarca, salientando que o foco deve ser “nas pessoas, na satisfação das suas necessidades, estimulando o aparecimento de novas habitações e um conjunto de benefícios acessórios que permitam melhorar a sua qualidade de vida, fixar população e atrair novos povoadores”
De acordo com Eduardo Santos, a Câmara “contratou ainda em 2021 um novo plano estratégico, uma vez que o PD-ICE tinha um período previsto [de validade] até 2019, que vai reajustar as metas e os objectivos para o futuro”. Deverá estar no terreno no início do próximo ano, depois de um período de discussão pública, “porque entendemos que todos os parceiros do território deverão ter oportunidade de opinar sobre este plano estratégico”, defende o autarca.
Luís Carlos Melo
[NOTÍCIA DA EDIÇÃO IMPRESSA]
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