Professora, artista plástica, mulher, mãe, designer de jóias, escultora, avó: Lídia Carrola. Para os pombalenses o nome parece dispensar apresentações, os amantes de arte reconhecem-lhe o talento e quem não conhece fica desde já a saber que nasceu em Belmonte, em 1950, mas foi em Pombal que se fixou, fez carreira e construiu família.
“Fui para Coimbra estudar porque o meu pai é de Cantanhede, era ourives e trabalhava em África durante uma temporada, depois regressava a Portugal, em jornadas de seis meses, por exemplo”, nessa altura “fazíamos férias em Cantanhede, na Praia de Mira e começámos a habituar-nos a Coimbra”. Como acreditava que a cidade lhes “dava a oportunidade de seguir nos estudos acabámos por ficar por lá”. Foi para o “quinto ano de antigamente”, seguiu para o liceu, no entanto quando chegou a altura de fazer uma formação mais específica, “o meu pai achava que eu queria ir para Lisboa para ter mais liberdade e não me deixou ir sozinha para lá”, queria estudar artes, opção que não existia em Coimbra. Acabou por ficar, casou e fixou-se em Pombal, onde começou a dar aulas “de educação visual numa escola privada do Louriçal”.
O gosto pelas artes e pela experimentação já lhe estavam entranhadas. O pai incentivava-a: “ofereceu-me os meus primeiros livros de colorir e uma caixa de lápis de cor”, lembra-se de que “nenhuma das minhas colegas de escola tinha esses materiais, por isso usavam os meus”.
“Havia o problema dos modelos nus, e uma mulher em artes, na altura, era sempre vista como um bocadinho atrevida ou leviana”, contudo o pai “também gostava muito de artes e sentia que eu gostava, só não queria é que saísse: queria que eu desenvolvesse essa aptidão, mas em casa”, brinca. Os anos iam passando e acabou por “reprimir esta vontade”, só regressou aos estudos mais tarde e “depois de ter sido mãe”. De manhã dava aulas, à tarde rumava a Coimbra para ter aulas, porque “mesmo tendo habilitações para dar educação visual quis aperfeiçoar-me na Escola de Artes”, conta a artista plástica, enquanto explica que “o meu percurso acaba por ir sempre de encontro com as artes, apesar de não ter uma formação específica em artes”.
Motivação
Mulher de memórias e de afectos foi no ensino que fez grande parte do seu percurso profissional: “dei aulas às mais variadas faixas etárias, desde os mais pequeninos até aos alunos da Universidade Sénior”, passou pelo ensino secundário e até na Associação Comercial deu formação. “Senti sempre que os meus alunos gostavam de estar comigo, e eu com eles, porque havia uma ligação entre nós. Sentia que os motivava e eles gostavam”. E até mesmo aqueles que no iniciam diziam “que não gostavam de desenhar ou que não tinham jeito para ‘isso’, no final do ano apresentavam trabalhos interessantes”, isto porque Lídia Carrola acredita que “nós [professores], conseguindo apreciar o que um aluno faz, o que projecta e imagina de uma forma positiva faz com que se sinta motivado e à vontade”, ou seja “muitas vezes o aluno tem medo é de mostrar o traço, porque sente que aquilo não vale nada e se a pessoa lhe disser que ‘vai resultar’ ele abre e acaba por se deixar levar e até vai querer experimentar outras coisas”, afirma.
“Hoje em dia a profissão de professor é muito difícil, porque não é valorizada. Os alunos também são difíceis como seres humanos. Hoje ser professor é uma missão difícil: Ser professor não é ir à escola e receber o seu vencimento. Felizmente posso dizer que ainda conheço professores que são mesmo professores, apesar das dificuldades”, admite a septuagenária.
“Sou de afectos”
Lídia Carrola revela que “ainda hoje tenho pessoas que vêm ter comigo, e embora eu por vezes nem as reconheça, porque os anos passam e as caras mudam, e dizem-me ‘professora, gostei tanto de ser seu aluno: fui um privilegiado’”. Sente-se “muito comovida” e só tem “pena de não ter mais contacto com eles”. Recentemente “alguns dos meus antigos alunos juntaram-se e organizaram-me um jantar: foi uma noite giríssima”, afinal “um dizia ‘professora, lembra-se que eu quando estava triste ia para o seu colo?’, outro contava que lhe tinha arrancado dois dentinhos, outro agradecia as roupas que lhe tinha dado: ‘a minha família era muito pobre e a Lídia trazia-me roupas do seu filho’” e nem quando se tornou Presidente da Comissão Executiva Instaladora da Escola Básica Integrada de Gualdim Pais, no início do século, perdeu a ligação com os alunos e funcionários: “nunca fui só professora. Sou de afectos, e lá porque sou professora nunca deixei de ser de afectos. Já quando era presidente, cortei o cabelo a uma funcionária lá da escola”, acto que “não me diminuiu em nada”, pelo contrário, “foi motivo de risota” e o resultado final “ficou bem bonito”.
O gosto pela partilha
“Olho para trás e vejo que fiz muita coisa errada, mas deixo lembranças. E afinal de contas o que é que somos? Somos lembranças”. E é aqui que entra o gosto pela partilha “simples e natural”. “Gostava que mais pessoas fossem assim, que gostassem de partilhar: eu gosto muito e dá-me um verdadeiro prazer”.
“Fui comprar fracos, a menina da loja perguntou-me se ia fazer doces”, respondeu afirmativamente: “doce de tomate”, ao que jovem respondeu que nunca tinha provado, “tomate é para a salada”, brincou, no dia seguinte “levei-lhe um frasco, ela provou à minha frente e gostou muito. A felicidade dela fez o meu dia”. Num outro dia “deram-me mirtilos e partilhei com uma senhora, ela foi à minha exposição e levou-me uma rosa: esta partilha deixa-me feliz. Se eu fizer o outro feliz, eu fico verdadeiramente feliz. Claro que se receber a rosa da senhora receba-o com amor, mas não dou para me darem”, garante.
E se o gosto pela partilha é uma das suas maiores características, “a falta de paciência para pessoas mesquinhas é o meu maior defeito”. Antigamente era mais tolerante, “agora levanto-me e saiu. Não tenho paciência, afasto-me à bruta de pessoas mesquinhas”, segreda.
O medo de ficar dependente
Gosta de se arranjar, e sempre gostou de estar ocupada: “sempre fiz muita coisa ao meu tempo, porque sempre achei que parar era perder tempo”. Gosta de aprender e “daí que as jóias, por exemplo, eram feitas à noite, sentada no sofá”, actualmente “sinto-me mais cansada fisicamente, devido a problemas de saúde” pelo qual passou. Foi operada cinco vezes à mama: “foi muito doloroso e desgastante, sofri muito”, por isso “tenho medo de ter de voltar a passar pelo menos: tenho, acima de tudo, medo de ficar dependente de outras pessoas”.
Com obras de arte espalhadas pelos quatro cantos do mundo, nomeadamente Macau, Brasil, Espanha, França, Inglaterra, Açores, “na pintura aborrecia-me muito não ter tempo”. Por vezes tinha as ideias a fervelhar na cabeça e “não tinha tempo para as concretizar: causava-me muita ansiedade”. “Tinha como ambição quando me reformasse ter tempo para isso tudo”. E de certa forma foi isso que aconteceu: “não quer dizer que na altura em que estava a dar aulas não fizesse exposições, porque sempre fiz, mas gostava de me dedicar mais”. A paixão está nas telas, nos pinceis, nas tintas e nas espátulas, mas não nega o fascínio pelo design de jóias, pela serigrafia ou até pela intervenção escultórica. “Ainda há muitas coisas que quero experimentar, tenho muitos projectos que gostava de realizar e sinto que ainda tenho muito para dar”, assume.
“Rostos incógnitos”
Actualmente está a “arrumar a casa”, depois de um longo período de residência artística que culminou na exposição “Rostos incógnitos”, apresentada na Casa Varela, em Pombal. Inicialmente recusou o projecto, “apesar das facilidades que o Filipe Eusébio me apresentou, para mim era um compromisso, e gosto de levar as coisas a sério”, foi para casa, pensou, pensou, pensou e resolveu aceitar o desafio: “acabei por adoptar aquela casa como minha” e isso viu-se no resultado final: “superou as expectativas, estava muito bonito”. Os “elogios emocionaram-me”, reconhece.
Recebeu a Medalha de Mérito Cultural, em 2015, atribuída pelo Município de Pombal, foi agraciada com medalha de ouro na Exposição Internacional de Pintura e Escultura do Museu Etnográfico de Mira, é autora da pintura do certificado de garantia da colecção ‘Trajes Regionais de Portugal’ das Colecções Orbis, é sócia e membro da direcção da Associação de Artes Galego Portuguesas. Para Lídia Carrola, “a imaginação nunca se esgota, e se for estimulada é ainda mais produtiva”. Custa-lhe desfazer-se das suas obras, “mas custa-me muito mais tê-las paradas, escondidas, afinal, “faço-as para serem vistas”.
E como só consegue “descansar quando sei que tenho alguma coisa para fazer de seguida”, já sabe que a seguir quer materializar algumas ideias que tem para uns brincos, depois quer fazer uma “experiência com cerâmica” e ainda gostava de “experimentar fazer arte digital”, que embora “não goste do resultado final, por ser muito artificial”, a deixa curiosa. No alto dos seus 72 anos, “tenho uma enorme vontade de experimentar técnicas novas”, remata.
ANA LAURA DUARTE
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