Sei fazer muitas coisas. Mas há outras, e são muitas, que não sei. Ninguém sabe tudo.
Por exemplo: Quando era pequena não aprendi a andar de bicicleta porque me diziam: Aprende que logo te compramos uma. Resta saber que morávamos numa quinta, que não sendo murada em toda a volta, não saíamos lá de dentro sem autorização. E então a minha avó era um tanto severa nas nossas saídas. Ora, se não tinha bicicleta como podia aprender? Coisas de outros tempos e mentalidades também. Era uma vergonha uma rapariga andar de bicicleta. Ainda não havia, pelo menos na minha terra, as bicicletas de senhora. Com o quadro recortado. Aquele ferro do meio, e como só se usavam saias era uma dificuldade acrescida.
Nadar foi a mesma coisa. Vergonha, sempre a vergonha, uma menina vestir fato de banho. As raparigas se estudavam, o que era o caso, eram professoras ou então uma ocupação que não envolvesse muita gente, principalmente rapazes. Com as pernas à mostra nem pensar! E ainda o facto de ir à piscina com outras pessoas, principalmente rapazes. Era uma indecência, pensava-se lá em casa. Podia ter contrariado e fazer o mesmo que outras raparigas fizeram. Mas eu não gostava. Quando ouvia “Não!”, era mesmo um não. Era resiliente? Se calhar, não! Mas não gostava de contrariar. Mais uma vez digo que podia ter dado a volta a isto tudo. Podia! Tanta coisa me passou ao lado. Culpa minha? Talvez!
O tempo foi passando e quando tive oportunidade em aprender, o dinheiro não abundava. Eram os filhos que estavam primeiro. Que a eles não faltasse nada. E não faltou.
Também não sei música muito menos ler a pauta. Mas aí já é outra conversa. Não tenho ouvido nem aptidão para tal, embora lá em casa houvesse um piano. Enquanto estudava tive aulas de canto coral, mas eu não ligava muito. Era coisa de somenos importância. Quando podia
”escapava-me” e o professor também não se importava. Era menos uma! Gosto de ouvir música, mas em silêncio. Assim absorvo melhor as notas. Em tempos, o rádio foi a minha companhia.
Podia ter dado a volta à questão e aprender. Tudo se aprende quando há vontade. Esta apareceu numa época muito tardia.
As mentalidades e formas de viver mudaram muito. Ainda bem!
É preciso salientar que viver no interior do país, não era o mesmo que viver fora do meio das estevas e pinheiros. Cabeças ainda muito fechadas. As estradas tortuosas e longe da cidade com obstáculos pelo caminho. Como eram os camiões carregados de materiais de construção, na sua maioria. Teimavam em tornar tudo, cidades e outras localidades, mais longe.
Apesar de todas estas lacunas tive uma vida cheia. Não tenho saudades da vida passada, dos esqueletos enterrados que não podemos nem queremos ressuscitar. Sempre, ou quase sempre, fiz o que quis e se fui travada por alguma razão foi o destino que se encarregou disso. Sempre que caí, tive força para me levantar. E caí muitas vezes.
Não estou a culpabilizar nem a penalizar os meus antepassados. Era assim que se pensava.
Hoje, com a idade que tenho e prestes a encontrar-me com eles, tenho o sentimento que cada um mora nos meus pensamentos.
Se há vida além da que temos, não sei. Alguém sabe? Também não!
Fica a recordação e essa ninguém mata.
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