A pandemia desapareceu num ápice pelas piores razões. Já era ridículo a insistência contabilística dos números sobre a Covid pela comunicação social em abertura de telejornais, bem como os debates nauseantes com todos os especialistas e os que não o são, sobre uma questão de saúde que já tinha deixado de ser o mais importante no próprio sistema de saúde. Nenhum de nós pensaria que a causa do “desaparecimento” seria uma guerra na Ucrânia provocada pela Rússia. Mas, foi. Uma guerra, novamente uma guerra na Europa provocada pelas mesmas razões de sempre. Um regime pouco democrático, um líder nacionalista, fronteiras mal resolvidas e uma nação com recursos naturais e uma posição geográfica estratégica.
Na realidade, nem tudo é igual, desde logo porque existe uma União Europeia consolidada, sendo a própria NATO uma organização criada para defender, desde há muitas décadas, o Ocidente, de eventuais pressões provenientes de outros blocos, desde logo da Rússia. Julgo que a União Europeia e os Estados Unidos, enredados nos seus próprios problemas internos, menosprezaram a Rússia de Putin. Sim, porque a Rússia depende muito do seu líder, já que se trata de um regime autocrata e comunista. A queda do muro de Berlim tem mais de três décadas e nunca significou que todos a quisessem, dentro da própria ex-União Soviética. Uma coisa é a queda do muro, outra coisa é como os vários países foram resolvendo os seus regimes internos, com lutas entre os saudosistas da União Soviética e os que queriam uma mudança de paradigma social e económico.
Há muitos anos que percebemos que na política regional, Putin, o líder russo, tentou sempre influenciar a vida interna dos seus vizinhos, apoiando candidatos com um perfil político que lhe fosse mais próximo. A democracia não existe porque se realizam eleições. Nalguns destes países, as eleições são manipuladas e as oposições (quase) anuladas. Não há liberdade. Num documentário da Netflix, que aconselho a ver, “winter on fire”, percebemos que os ucranianos lutam à exaustão pela sua liberdade e pelo futuro dos seus mais jovens, há várias décadas, apesar da “queda do muro”. Vemos jovens que não se resignam a um futuro pobre e dependente de um Estado que apesar de ser muito rico em urânio, ferro, magnésio, gás de xisto, carvão, entre outros recursos naturais, um Estado que também é um dos maiores produtores do mundo de girassol, centeio, cevada, trigo ou batata, é um Estado que oprime e condiciona os seus. Nesse documentário, as lutas políticas e sociais de 2014 que resultaram na destituição de Viktor Yanukovich (um pró-russo que não cumpriu a vontade do povo ucraniano em aderir à UE) percebe-se bem que a Ucrânia lutava pela sua liberdade que lhe era retirada por regimes autocráticos e corruptos, apesar dos seus recursos naturais. A Rússia sempre “esteve por ali”. Por razões económicas e estratégicas (A Ucrânia é maior do que a Península Ibérica, tem cerca de 45 milhões de pessoas e faz fronteira com a Rússia) e sociais porque também é verdade que há regiões fronteiriças pró-russas que, há muitos anos, têm conflitos civis.
Sempre ouvi dizer que a pior forma de resolver um problema é ignorá-lo. Julgo que até há poucas semanas, nenhum líder ocidental acreditaria que a Rússia fosse capaz de iniciar uma “guerra de conquista” da Ucrânia. Os interesses estratégicos não foram bem medidos ou, pelo menos, não foram acauteladas todas as frentes. A melhor forma de lidar com uma potência como a Rússia é incluir, mas não deveria ser feita a qualquer preço e de forma casuística. Basta ver o que se passa com a dependência energética da Europa face à Rússia, para se perceber que a estratégia europeia não é propriamente um bom exemplo. A Europa assustou-se com a falta de meios industriais no epílogo da pandemia e, agora, assusta-se com a falta de alternativas energéticas instaladas.
Resumindo, a Europa terá de redefinir a sua estratégia enquanto bloco em vez de andar permanentemente a reagir. Como isso implicará mudanças de conceito, terá de haver capacidade para debater este novo mundo. Na realidade, a China e até mesmo alguns países do Médio Oriente pensam e agem a largo prazo, os Estados Unidos vão derivando, mas deram passos de fortalecimento interno, e a Europa, qual manta de retalhos (países), cada um com a sua língua, história e cultura, voltou à guerra pela mão de um autocrata cujo sonho é voltar à União Soviética.
Esta guerra tem tudo a ver connosco. A Europa onde se discute a semana dos quatro dias de trabalho, as alterações climáticas, entre outros avanços civilizacionais, também tem de ser a Europa da inovação e da indústria, num mundo que não deixará de ser global. Além disso, também deverá ser a Europa com liderança política forte para a qual, os outros grandes blocos olhem e respeitem, incluindo a Rússia. Isso não se faz em estado de guerra. E a paz, como a democracia e a liberdade não são valores adquiridos para sempre. Se pensávamos isso, a partir de agora já não pensamos. E essa ténue diferença de pensamento vai mudar o mundo como hoje o conhecemos.
O meu único desejo é que não morra ainda mais gente que só quer ser livre, trabalhar e poder escolher democraticamente quem os lidera. Os Ucraniamos merecem mesmo toda a nossa solidariedade e respeito.
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