Quem a vê cá de baixo, do fundo da estrada, parece pendurada no tecto do céu.
Tem casas, penhascos, pessoas e cães que ladram de noite.
É uma aldeia onde não há nada. Mas nada de nada mesmo! Não tem agricultura. Não há terra de cultivo. Compõem a paisagem pedras e penhascos. Apenas umas couves plantadas num bocadito de terra roubada ao pinhal. Mas tem vizinhos que gostam da conversa tanto quanto eu. A paisagem é uma delícia para os olhos onde impera o verde dos penhascos e se afiarmos a vista vemos o mar lá muito ao longe, nos dias limpos e sem nuvens. Parece impossível, mas não é. Por entre as serranias lá está uma nesga de paisagem que vai até onde a nossa vista alcança. Tudo verde por entre os montes e vales.
É onde eu moro e gosto.
Li num livro muito antigo, que teria sido abrigo de algum casal de romanos, fugidos das invasões bárbaras e ali ficaram.
Fica pertinho das nascentes de Alcabideque e aí se abasteciam de água. A serra era habitação de muita caça: coelhos, lebres e perdizes. Haveria por ali outras espécies, e aí a sua alimentação. Há, agora, também javalis, corças, doninhas que fugidas dos incêndios por aqui ficaram.
Numa tarde quente de domingo em que os cantos das cegarregas penduradas nas cascas dos pinheiros faziam poiso e o seu constante “cri cri” a entrar pelos ouvidos.
Tínhamos estado à conversa. Falou-se dos filhos, trocaram-se receitas de cozinha e muito mais, pois as conversas das mulheres nunca acabam.
O sol foi andando até que se fez noite, no entanto, a lua cheia brilhava lá em cima como a fazer inveja ao sol. Estava linda! Aliás a lua cheia no mês de Agosto é sempre linda.
Os pinheiros e carrascos que compõem a paisagem, à noite dão ideia de fantasmas dispostos a cair-nos em cima.
As estrelas cravadas na abóbada celeste fazem figuras como se fossem juntas por mão invisível: as constelações. Eu teimo que está lá a cassiopeia embora, quem entende do assunto me diga que não é ali que se situa. Todas as noites “namoro” com um satélite que vejo brilhante da minha porta.
Recolhemos as cadeiras onde estivemos sentados, fomos para casa. Não tardava o sono descansado e a cama que já chamava por nós. Apesar de não haver muito para fazer, o calor também cansa.
Mal tínhamos entrado em casa e a aldraba da minha porta a bater com força.
Ora esta! Tínhamos estado ali à conversa e nada se passou. Fui abrir e o vizinho meio descabelado, meio careca, aflito no rebate da porta.
Oh! Que aconteceu? Perguntei, já o meu marido estava perto de mim.
Querem assaltar-nos, disse ele aflito.
Quem pode ser? Aqui não temos luxos e as chaves da casa permanecem todo o dia na porta sem que ninguém nos incomode.
Muito aflito dizia: Ouvi mexer na porta. Estavam a querer entrar. Faziam uma “restolhada” como nunca ouvi por cá.
Lá fomos todos com uma lanterna na mão à procura dos ladrões. Como se isso fizesse alguma coisa! Se um tinha medo, os outros nem se falava!
Há umas casas velhas e em ruínas. Fomos lá. Não estava ninguém! Só podiam ter-se escondido no palheiro. Mas nada! Procurámos e já a noite ia alta quando ao fundo de uma casita velha e quase caída se escondiam, medrosos “os ladrões”.
Não mais que dois leitões filhos de javali que ao fugir da mata se enganaram no caminho e foram parar à única rua que há na aldeia.
O meu vizinho afugentou-os e eles lá foram outra vez para a mata. Mas lá que pregaram um susto, lá isso pregaram.
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