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NATÉRCIA MARTINS

A caixa de cartão

4 de Fevereiro 2022

Tenho uma caixa de papelão muito velha, atada com um cordel velho como a caixa, pousada numa prateleira. O nó do cordel, bem apertado, não se deixa desatar. Puído, mas seguro.

Nunca ninguém se atreveu a ver o que tem lá dentro.

Quando a minha avó ainda era viva, não deixava que eu ou o meu irmão lhe tocássemos. Dizia que tinha lá dentro um segredo. Pois! Um segredo!

Que raio teria a caixa lá dentro?

Um dia, numa tarde quente de Verão, a casa parecia sem ninguém. Vazia. Todos tinham ido à sua vida.

A criada, única pessoa, por perto, naquela tarde, fazia o seu trabalho, arrumando a roupa passada a ferro, lisinha e cheirosa, porque a água límpida do tanque fizera o seu papel e o estendal no corredor das roseiras, túlipas e buganvilias fizeram o resto, transmitindo o seu cheiro à roupa, mesmo sendo o ferro aceso com carvão que cheirava mal.

E a caixa na prateleira!

Uma dessas tardes, o meu irmão e eu decidimos que iríamos ver o que continha a caixa de tão precioso.

Um de nós subiu a uma cadeira, tirámos a caixa com muito cuidado, sentámo-nos no chão ainda hesitantes, mas decididos. Iríamos ver o que estava lá dentro. A caixa era muito leve. Poderíamos afirmar que não continha nada. Mas devia ter. Teria? Abrimos? Não abrimos? Porquê tanta preocupação com uma caixa velha? Tantas perguntas sem resposta.

Nisto e como por magia, apareceu a minha avó. Mesmo no momento certo. Passou-nos uma descompostura tal, tão violenta, aguçou-nos ainda mais a curiosidade, mas nunca mais tocámos na caixa, nem olhámos para a prateleira, tal o medo que nos pregou.

A avó, passados uns anos faleceu. E a caixa lá em cima.

Mudou tudo na casa, menos a tal caixa, muda, quieta, intocável, na velha prateleira, no mesmo sítio.

Agora era a minha mãe que não deixava que se abrisse.

Crescemos e o tempo foi passando.

As férias, os amigos, as aulas, os Verões, os Invernos, o frio, o calor, as noites de lua cheia, as noites escuras como bréu, os meus namorados, as namoradas do meu irmão, as mortes, os casamentos, os baptizados, tudo se foi sucedendo.

Passaram anos. A velha caixa também mudou de casa. Está ali, juntinho a um relógio de sala que veio com ela de casa dos meus pais.

Sem nunca ninguém ter tido a coragem de a abrir.

O que tem lá dentro? Não sei!

Talvez nunca ninguém venha a saber porque a caixa vai passando de geração em geração e como se de magia se tratasse, vai ficando com o nó feito de cordel, mas que ninguém se atreveu a desatar.

 


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