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PAULO JÚLIO

A estratégia da mercearia

3 de Setembro 2021

A estratégia de desenvolvimento de Portugal para os próximos anos passa pela aplicação da famosa “bazuca” e meia dúzia de medidas para que o PCP ou o BE viabilizem o Orçamento de Estado do ano seguinte. Discutimos e desejamos todos coisas óbvias: diminuir a pobreza, colocar a economia a crescer, de preferência mais do que a média da União Europeia, diminuir desigualdades sociais, aumentar salários, etc. A estratégia do Governo é formular um conjunto de desejos, juntar-lhe a “bazuca” e algum jeito para fazer umas negociações pontuais. Não sei se é estratégico ou não, mas ficámos a saber na semana passada que o número de funcionários públicos em Portugal já está acima do número que o Estado apresentava antes da Troika e quase ao nível do número recorde de 2005. Não há austeridade, diz-nos o Primeiro-Ministro e líder do Partido Socialista, apesar de termos a maior carga fiscal de sempre proveniente de impostos directos e indirectos!

O Estado nunca deveu tanto, contrata como nunca e dessa forma inevitavelmente tem de procurar o equilíbrio das contas nalgum lado. Do lado dos impostos. Isto tudo, depois de terem decidido que a função pública deveria voltar a trabalhar 35 horas por semana, em vez das 40 horas que trabalhava, medida que teve um impacto brutal na despesa com recursos humanos e na necessidade de mais horas extras e contratações. Em todo o caso, aparentemente, segundo quem governa, estamos no “bom caminho”, vem aí “um tempo de investimento e de recuperação” (a bazuca) e que tudo correrá bem. Não discuto os desejos porque comungo deles, mas creio que o modelo de criação de riqueza e desse crescimento que todos queremos, passará por um Estado que tenha capacidade de cumprir as suas funções, libertando-se de ineficiências e deixando mais riqueza criada nas empresas e nas famílias. Ter estratégia é fazer o diagnóstico sem biombos políticos, definir objectivos concretos e metas, e traçar um plano num horizonte temporal de 10 anos. Se a política fosse mais transparente, definir-se-ia um plano estratégico e os governos deveriam aplicar os seus modelos políticos em função da sua visão da sociedade, respondendo pelos indicadores de desenvolvimento, de inovação, de pobreza, de crescimento económico, porque, aí, todos queremos o mesmo. Em vez disso, a política em Portugal é cheia de retórica e de jogos palacianos cujos resultados são insuficientes e deixam o país, cada vez mais, para trás quando compara com os países europeus que também têm de fazer progressão social e económica. Portugal deveria ter um desígnio, mas não tem. Portugal deveria ter já aprendido com as vicissitudes de não ter um Estado equilibrado para evitar mais problemas como os que teve recentemente quando a escalada dos juros das dívidas soberanas obrigou ao pedido de ajuda externa. Continuamos demasiado expostos e, em minha opinião, sem criar bases para deixarmos de estar nessa posição vulnerável. O número crescente de funcionários públicos é um exemplo claro. Falta ambição e o discurso do “poucochinho” pega-se a cada um de nós, na lógica de “um dia de cada vez”!

Sobre transparência e sobre quotidiano político, não poderia deixar de abordar o veto do Presidente da República a uma lei que despenaliza meia dúzia de autarcas que não cumpriram os pressupostos de uma outra lei de 2012 feita no meu gabinete da Secretaria de Estado das Autarquias Locais. O PAEL (plano de apoio à economia local) foi uma lei que permitiu injectar cerca de 800 milhões de euros na economia local, por via de empréstimos às câmaras municipais que pretendessem saldar as suas dívidas a fornecedores, com mais de 90 dias. As câmaras municipais cujo nível de endividamento era maior acediam a esse fundo, mas, naturalmente, tinham de respeitar uma série de regras que impunham o equilíbrio das suas contas. Pelos vistos, soubemos agora que há vários autarcas com processos de investigação, porque não cumpriram a lei. Dentro desses autarcas estão membros do actual governo e autarcas populares e fortes candidatos à vitória nas próximas eleições. Como os processos estavam a incomodar, a solução do PS e PCP foi alterar a lei e desse modo, proceder ao “arquivamento político”. Não fora a atenção do Presidente da República e aqui tínhamos, mais uma vez, a política a servir mal os cidadãos. Enquanto tivermos políticos a pensar assim, fica claro que dificilmente haverá uma estratégia para um país que merece muito mais do que isto. Somos especializados em resolver “mercearia”, mas pouco preparados para definir um plano e ter uma linguagem política transparente quando se trata de variáveis essenciais ao desenvolvimento.


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