Atravessei ontem, mais uma vez, o campo, a caminho da Carapinheira.
Quando me sinto deprimida ou triste, dou uma volta pelo campo. Os campos do Mondego. Dá-me paz e melancolia ao mesmo tempo.
Cada época do tem uma paisagem diferente, dentro da mesma paisagem.
Incongruência? Não!
No Verão, quando o calor aperta e o Sol se mostra em todo o seu esplendor, o verde da seara, bordada, aqui e ali pelo castanho de algumas ervas secas.
No Outono, o campo começa a adormecer. Os lavradores levam para casa o grão que lhes vai garantir um bom rendimento, a palha, onde os animais irão dormir e garantir, também eles, o seu conforto.
Não param os homens. Não param as máquinas. É tempo de trabalho.
Depois é tempo do campo dormir, descansar, fertilizar.
O rio é fonte de riqueza, mas também pode ser morte e destruição. Dá por um lado, tira pelo outro…
Quando o Homem o provoca, o magoa ou atraiçoa, ele reage.
O rio é fonte de vida: peixe e plantas. Quando o Homem contraria o que a Natureza fez, o rio parece que aceita, corre, oferece as suas águas para diversão, deleita os nossos olhos na sua ligeireza mansa, mata a sede de pessoas, animais e plantas, mói o grão nos ronceiros moinhos onde os ratos espreitam manhosos e gulosos por entre as sacas cheias. Rega quando o Sol impiedoso suga a seiva e retorce as folhas verdes e as transforma em amarelo doirado.
Oferece o leito onde as águas correm devagarinho para um passeio de barco. Quem sabe se um passeio romântico onde se trocam apaixonados beijos. E quantos beijos nesses passeios…
E é por isto que se constroem barragens, açudes e diques.
Trava-se o que a Mãe Natureza fez. É assim o rio que passa perto da casa onde morei: O Mondego. Pachorrento e produtivo.
Há anos em que, o rio se enfurece e galga as margens. Inunda tudo. E tudo vai por água abaixo: casas, animais, plantas e pessoas.
Quando acalma e as águas descem deixam atrás de si morte e destruição.
Mas como um grande Senhor que é, o ciclo da vida cumpre-se a cada ano e as margens ontem alagadas, hoje dão lugar, à Primavera, a ondulantes searas verdes e no Outono ao grão amarelinho com caules carregados de vida.
As espigas vergam com tanto peso e as debulhadoras entram por ali dentro como monstros, pesados e vagarosos.
Ali dentro das marinhas tudo corre devagar, lento, como lentas e vagarosas são as máquinas. Sem pressas. Afinal o tempo nem sequer conta.
As maçarocas de milho semeado na Primavera, erguem-se cheias, gordas a abarrotar de grão, direitas ao céu como foguetes prontos a estoirar na festa ou romaria.
Como é complicado ser o rio. Nascer numa pequena gota, ir engrossando, alimentar plantas e animais, lavar a roupa, proporcionar horas de lazer tanto num relaxante banho como em braçadas despreocupadas, em qualquer margem ou praia fluvial onde pessoas com menos posses económicas podem desfrutar de uma tarde bem passada.
Uma tainha salta à procura de mosquitos. Mais. O rio tem enguias que os habilidosos pescam à “sartela” ruivacos que depois de fritinhos fazem uma boa “patuscada” acompanhados de um copo de vinho tinto. Lampreias que mãos calejadas e estômagos gulosos apreciam.
As cegonhas, aves migratórias fazem ninhos nos pontos mais altos e em voo rasante descobrem uma ou outra cobra, lagostim, rato ou “bicha-lameira” que rasteja despreocupada por entre caniços.
As rãs coaxam entre os ramos dos salgueiros numa música sempre igual, enfadonha
Tudo isto e muito mais, muito mais, se pode ver nos campos do nosso rio: o rio Mondego.
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