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Nuno Santos, o menino provocador que assumiu a provação de ser padre

20 de Junho 2021

Nasceu segundo filho de quatro irmãos, com um pai madeireiro e uma mãe doméstica que viviam numa aldeia “muito agrícola” pertencente à freguesia de Almagreira, no concelho de Pombal. O irmão mais velho, por ser tão inteligente, fazia com que se sentisse “atrapalhado” na escola: como não o conseguia superar “fazia de propósito para escrever mal para ver os professores a ralhar comigo”. Travesso.

O espírito provocador levou-o a assumir desde cedo o que queria, até porque quando andava “no segundo ou terceiro ano e me perguntaram o que queria ser quando fosse grande, respondi: padre. Lembro-me que fui muito gozado na altura e então aquilo pareceu-me uma excelente ideia”. Hoje é reitor do Seminário Maior de Coimbra e celebra este ano, 20 anos de sacerdócio.

Nuno Santos nasceu a 3 de Novembro de 1976 e recorda uma infância feliz com alguns momentos marcantes, como o nascimento do irmão mais novo do qual foi “cuidador, porque a minha mãe nessa altura já trabalhava numa fábrica”, e do Verão que dedicou inteiramente aos estudos.

“Tive uma escola primária muito interessante porque tínhamos ali muita gente, mas tive uma má primária em termos académicos. O meu primeiro ano foi bom, mas os restantes três foram sempre com a mesma professora que estava a passar por uma fase muito delicada da vida dela. Era uma pessoa muito querida humanamente, mas pouco competente a ensinar e isso fez com que, quando terminei o quarto ano, não estivesse muito preparado e a minha mãe achava que eu não devia ir para o ciclo. Então propôs à professora que ficasse mais um ano, mas a professora achava que não, que eu devia passar e então nesse Verão comprometi-me a estudar. Como tenho tias professoras, os meus irmãos e a minha família iam para a praia e eu ficava em casa todos os dias a fazer cópias, tabuadas, entre outras coisas”, contou ao TERRAS DE SICÓ.

O caminho da fé

Entrou no seminário muito novo, “ainda não tinha 12 anos feitos”, contra a vontade da mãe que na altura “se fartou de chorar porque achava que eu era ainda um miúdo e que não devia nada ir para o seminário com aquela idade”, mas o ter chegado à Escola Secundária de Pombal e ter-se deparado com um “grande andamento, onde já circulava muita droga” fez com que achasse que se ali continuasse “acabaria por me perder, até porque eu gostava de andar metido no meio da confusão”.

Na Figueira da Foz, onde frequentou o seminário durante três anos, encontrou cerca de 40 miúdos desconhecidos, mas entre eles estava o Martinho, “meu colega de liceu e que era também de Almagreira, que eu nem sabia que ia entrar”. Ali assume ter sido uma pessoa muito feliz e responsável, por “gostar de rezar e estudar”, mas que, ainda assim, foi convidado a sair no 9.º ano por causa de “umas coisitas sem jeito nenhum e eu estava envolvido, mas o reitor queria expulsar-nos a todos e como lhe disse que se fossemos todos embora o seminário ficaria vazio, ficámos todos”. Ainda que com os seus percalços, da Figueira guarda os filmes de “pancadaria e comédia” ao fim-de-semana e as peças de teatro encenadas pelos próprios seminaristas.

No final desse 9.º ano decide seguir para Aveiro, por três razões: “gostava de jogar a bola e aquele era um grupo que não falhava nisso; gostava de música e tinha ali uma oportunidade que não teria se estivesse na minha terra e, por último, a amizade, fiz ali dois grandes amigos que já tinham ido para Aveiro e queria ir ter com eles”.

Motivações à parte, em Aveiro sentiu “uma mudança muito drástica. Eu estava habituado a ter aulas fora do seminário e ali fiz parte do último grupo que teve aulas dentro do seminário, e isso foi um choque tremendo. Quando cheguei nem me tinha apercebido bem para onde é que ia porque era aulas no mesmo sítio onde vivíamos e depois só tínhamos rapazes, então telefonei para os meus pais a dizer que não ia aguentar porque era muita gente junta, eram sempre os mesmos e nós não tínhamos liberdade nenhuma, só íamos à cidade duas vezes por semana”.

De Aveiro reconhece os ganhos em termos académicos e culturais, mas assume que foram “anos muito difíceis”, particularmente o último, “período em que vivíamos completamente amargurados, porque era numa fase em que estávamos no auge da nossa energia”.

Chega então o momento de rumar a Coimbra. Na cidade dos estudantes continuou a frequentar o seminário, porém, como eram 60 na casa, “eu passava o tempo todo fora. Ia às aulas, mas assim que elas terminassem, ia-me embora e só voltava para jantar. Nem sabia as regras da casa, para dizer a verdade”.

“O primeiro ano serviu para perceber como é que isto funcionava na parte académica e focar em tirar boa média, porque isto era muito puxado. No meu segundo ano, estava metido em tudo, em todo o tipo de actividades e não estudava nada. Hibernava na época de exames em que fazia maratonas de estudo pela noite dentro e quando fazia o meu último exame, voltava à vida normal. O terceiro ano, foi o ano da minha ‘crise’. Nesta fase estava disponível para ambas as possibilidades: ou para casar ou para continuar e ser padre”, revela.

É nesta altura, em que se questiona qual o caminho a seguir, que é convidado a sair pelo reitor depois deste o ter acusado de namorar com uma pessoa, apenas porque “tinha um grupo com quem saia para dançar com frequência e assumo que não era uma vida muito expectável para um seminarista, mas posso dizer com toda a segurança, que durante o tempo de seminário nunca fiz nada que justificasse colocar em causa a minha ordenação, até porque sempre quis ser padre”.

20 anos de prov(oc)ações

Ao longo de 20 anos de sacerdócio admite ter passado “por dificuldades que ninguém imagina e por alegrias que nunca pensei sentir”. Uma das suas maiores provações foi deixar Portugal e rumar a Itália para estudar.

“Senti que estava a perder o meu chão. Quem tem de ir para fora sabe que nós nunca somos de lá, mas também não estamos na nossa terra. E para uma pessoa como eu, que estava habituado a ter muitas relações e a viver muito dessas relações, de repente, fiquei sem isso. Voltar a estudar, passar o tempo a uma secretária, não ter pessoas com quem sair para ir ao cinema ou ao teatro, aprender uma língua nova, tudo isto me custou muito. Foi talvez o momento mais difícil da minha vida em termos afectivos”, confessa Nuno Santos.

A altura em que chega a Roma também não ajudou, pois na época surgiram os escândalos de pedofilia e homossexualidade no seio da Igreja e “os padres estavam muito mal vistos, éramos olhados de lado e todos os dias saiam informações muito graves. Sempre me vi como mais forte do que o contexto e aqui senti que o contexto estava a ter mais força do que as minhas motivações e perspectivas”.

Porém, no seu regresso a Portugal esperava-o uma nova ‘provocação’: a reitoria do Seminário Maior de Coimbra. Um repto que diz ter-lhe custado assimilar inicialmente, mas que “tem corrido bastante bem, com desafios muito grandes, nomeadamente este das obras que são no valor de cinco milhões de euros” e que tem dado “algumas dores de cabeça porque estamos a meio de uma pandemia, os preços dos materiais são de loucos, problemas na construção civil, falta de dinheiro”, mas que não permite “que afecte a comunidade que hoje aqui vive”.

No Seminário encontrou um grande desafio: uma casa com pouca gente e onde a eucaristia não era celebrada para a comunidade há 40 anos. Resolveu mudar isso e no seu primeiro domingo celebrou missa para 14 pessoas.

“Quando chego a algum lado, penso sempre numa comunidade. Tudo o que fizer não pode estar centrado em mim e deve ser partilhado. Procuro dar velocidade aos projectos, criar entusiasmo e envolver pessoas. O grande segredo deste caminho do seminário foi que no meu primeiro domingo nesta casa, eu celebrei missa. A missa com a comunidade exterior era algo que não acontecia há 40 anos e isso fez com que as pessoas começassem a vir, não para visitar um edifício a cair, mas como um sítio onde se pode ir e então tivemos 14 pessoas”, revelou o reitor.

“As mudanças são visíveis”, regista Nuno Santos, referindo que a comunidade está “muito bem estruturada” e que no Verão os jardins do seminário chegaram a receber “300 ou 400 pessoas” e que agora, “como a eucaristia decorre no Salão de São Tomás e na biblioteca, fazemos transmissão online e recebemos aqui cerca de 150 pessoas”, sublinhando que a comunidade “é um grande suporte para a casa, mas também para a minha vida. A eucaristia é um ponto agregador”, reforça.

E depois?

Foi-lhe destinada a gestão do Seminário pelo período de cinco anos, mas esses “já lá vão”, talvez por isso não pense muito no futuro e viva “o meu dia-a-dia”, acreditando que o projecto terminará para si “aos 50 anos, ou seja, daqui a cinco anos, porque depois é precisa uma linguagem e uma paciência com os mais novos que não sei se temos aos cinquenta, porque a distância entre as idades já é alguma”.

Quanto ao que o espera depois da reitoria do Seminário não sabe, todavia, garante que “estarei sempre à espera do próximo desafio que o senhor bispo me propuser e estarei disponível para o abraçar”.

RUTE AZEVEDO SANTOS


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