Quando tirei a carta de condução o meu pai mandou-me ir à janela ver o novo carrito que comprou. Era um Citroën 2 cavalos. Tinha o tecto de lona cinzenta e os vidros das portas abriam para a frente ficando sempre meia janela fechada. Aquilo era giro assim como algumas peripécias que vivi com ele.
Ficou sendo o meu carrinho que me levava à escola. Assim já não precisava de ir de autocarro e fazer o resto do percurso a pé. O que isso me custava! Em dias de chuva era um tormento. A chuva e o vento. Portanto, aquele carrito ditou a minha independência.
Chegada à escola os meus alunos logo o baptizaram: Bolinhas. Era o meu bolinhas!
O carrito também já não era novo e nas minhas mãos acabadinhas de aprender a conduzir foi um mártir. Pois foi mesmo.
Não era blindado, por baixo, como os de agora. Um dia fui com o meu pai fazer um pequeno passeio. Como ele gostava, fomos ao vale do Zêzere, passando pela ponte do Vale da Ursa. Antes da ponte há muitos pinheiros e mata. A estrada faz vários zig-zagues com curvas e mais curvas.
Ia eu a conduzir. Passei por cima de uma cobra que estava estendida no alcatrão, ao sol. Olhei pelo retrovisor e não a vi. Pronto, matei-a ou escondeu-se na valeta, pensava eu. O meu pai olhou para o chão e disse: há qualquer coisa aos teus pés. Olhei e era a cobra que trepou e estava a espreitar junto aos comandos, com a cabeça de fora. O carro não tinha mais nada que o travão, o acelerador, a embraiagem e o volante. Um susto! Mas tive mais. Muitos mais!
Parei e a cobrinha lá se desenvencilhou e foi enrolar-se no motor. Pior a emenda! Foi um sarilho para a conseguir tirar de lá.
Um dia vinha da escola e no mesmo percurso das curvas do vale do vale do Zêzere, encontrei a polícia que me mandou parar. Aquelas curvas tinham a particularidade de se avistar tudo até ao fundo. Bem lá no fundo estava o dito polícia com farda impecavelmente vestida e um boné também a condizer com a farda. Por acaso até o vi. Meu Deus! Aquilo era demais para uma cachopa novinha como eu!
E mais. Ainda me perguntou por um sinal de trânsito ao cimo da estrada. Não podia dizer-lhe que passei por ele tantas vezes e nunca o vi. Era um sinal de não poder andar a mais de 40. Não me lembro o que lhe disse. Mandou-me embora. E eu toda contente.
De uma outra vez fui à vila com a minha mãe. Como não era aquela a estrada que ela queria mandou-me virar à direita. Por pouco não capotei. É que eu nem vi que havia um ressalto muito grande. Fartou-se de ralhar comigo. Mas tudo passou.
Quando o meu pai andava lá dentro toda a gente sabia. Ele era homem dos seus 120 quilos. O carrito, do lado dele, ia em baixo. Quase a tocar o chão.
Foi companheiro de alguns passeios felizes.
Todos comentavam que o Mendes Nunes ia lá com a filha. A filha era eu.
O carrito teve um fim pouco glorioso. Um dia vinha eu da escola e ouvi qualquer coisa a partir. Não liguei. Mas o volante deu muitas voltas e não parou onde eu queria. Por pouco não ia parar em cima de uma “montureira” de estrume que estava lá no fundo do caminho. Só saiu de lá rebocado.
Ficou no quintal do meu pai.
Triste fim o daquele Bolinhas.
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