A pandemia da covid-19 alterou os nossos hábitos e rotinas. A psicóloga Carla Duarte Teixeira explica as consequências que advirão à nossa saúde mental dos constrangimentos que vivemos desde há mais de um ano e como lidar com situações a que não estávamos acostumados.
TERRAS DE SICÓ (TS) – Que consequências têm e terão no futuro da nossa saúde mental os constrangimentos porque passámos no último ano?
CARLA DUARTE TEIXEIRA (CDT) – Todas as rotinas foram afectadas pela pandemia. De uma forma transversal, todos fomos afectados. Claro que cada um de nós reagiu de uma maneira muito própria e individual. Parece que uns mais do que outros, mas a grande diferença está na manifestação do desconforto, incerteza, insegurança em todos os sistemas e sub-sistemas em que estamos inseridos. Como seres sociais que somos, pertencemos a vários grupos, quer sociais quer profissionais e a fadiga, a dissensão, a decepção, a apatia diante do risco são exteriorizações aladas em todas as idades ou culturas. Esta nova realidade, já se vê reflectida na saúde mental. Ou seja, os dados mais recentes que dispomos mostram que no último ano, em cada dez portugueses, sete apresentaram sofrimento psicológico e mais de cinco pessoas aduziram sintomas de depressão moderada a grave. A longo prazo, este quadro poderá agravar-se. Pedir ajuda, deverá imperar ao sentimento de vergonha muitas vezes sentido por quem se sente assim. Acredito que a psicologia seja cada vez mais, uma especialidade como outra qualquer, onde as pessoas não precisam esconder da sociedade quando nos procuram. Só desta forma, poderemos evitar outras consequências num futuro próximo.
TS – Como é que se explica a um idoso que não pode sair da instituição de acolhimento e que a família não pode entrar?
CDT – Sendo uma situação nova para todos, tornou-se ainda mais para os idosos. Custa-lhes muito compreender e aceitar todas as condicionantes da pandemia e muitas vezes o seu próprio envelhecimento em primeiro lugar. Esta etapa do ciclo vital pode confrontar o idoso com certas limitações, levando-o a permanecer em casa, ficando agora agravada a condição com a pandemia. Ou seja, a não-aceitação por exemplo, poderá ter consequências graves, devendo os cuidadores formais ou informais serem sempre contentores das partilhas que são feitas pelos idosos, no sentido de estarem muito atentos a toda a comunicação verbal e não menos importante, a não-verbal. Por exemplo, gestos, silêncios, olhar, etc. Toda e qualquer mensagem transmitida ao idoso, quer tenha demência ou não, a abordagem deve ser sempre acompanhada de calma, tranquilidade transmitindo segurança, até porque comportamento gera comportamento. Com idosos que possuem as suas faculdades mentais, a explicação poderá ser mais fácil. Mesmo quando assim não se verificar, a mensagem deve ser transmitida no sentido de mostrar que por serem idosos, são uma população mais vulnerável, utilizando um vocábulo simples e sem grandes preâmbulos sobre o assunto, isto é, explicar o que é, como se transmite e eventuais consequências na saúde. Uma boa explicação ou que poderá estar próxima disso é acompanhar toda e qualquer explanação de empatia, onde deve imperar a paciência, calma, tolerância para com este tipo de população, e não só, mas nunca esquecendo que para a pessoa idosa o poder sair de casa, pode funcionar como um sopro na sua existência e que a preocupação do cuidador ou da família deve ser a da escuta activa, ouvir mais e verbalizar menos, sempre com assertividade.
TS – Como é que se lida com a dor do momento perda de um ente querido, como milhares de famílias passaram e ainda passam, e em que não foi permitido fazer o luto na íntegra?
CDT – Lidar com a perda nunca é fácil e em tempos de pandemia, torna-se ainda mais difícil. Este período pode ser o experienciar concomitante de preocupações face à situação actual, elaborando um conjunto de emoções em processos de adaptação à perda, podendo assim ser mais pungente e prolongado. O isolamento pode assim, dificultar a elaboração do luto, levando a que não se tenha a verdadeira percepção/dimensão do sofrimento. Desta forma, pode haver uma depreciação do mesmo. Em situações habituais, conversar com família e amigos seria uma estratégia bastante profícua para que o impacto face à morte fosse um pouco menos penoso. Apesar de não ser possível o contacto físico deve-se manter sempre proximidade frequente com as pessoas, enlutadas, recorrendo à telecomunicação, à comunicação à distância, incentivando-as a desempenhar tarefas prazerosas, permitindo sempre que for o seu desejo, verbalizar o que está a sentir, recordar situações com os familiares perdidos, entre outros. Novas rotinas são implementadas e as relacionadas com a perda, não devem ser assunto proibido. Todo este processo torna-se assim singular, devendo ser um período de acompanhamento psicológico com o objectivo de reduzir as probabilidades de lutos patológicos.
TS – Durante os períodos de confinamento, fomos obrigados a conviver 24h00 por dia, durante 7 dias da semana, e não estávamos preparados para isso. Como é que se lida com os conflitos que surgiram nesta altura? Como é que se evitam?
CDT – Lidar com os conflitos é sempre um grande desafio e uma prova às resistências de cada um de nós. Nesta altura também, e porque acaba por ser indeclinável, devemos apostar na promoção do desenvolvimento das capacidades e competências individuais, que já nos são familiares, tendo sido salutares em situações passadas. Funcionam como ferramentas a utilizar para pelejar com as emoções. Não deixar que os conflitos durem muito tempo nem tomem grandes proporções, poderá ser outra estratégia. Manter a inacção, será similarmente fundamental, acompanhado de uma comunicação assertiva com os intervenientes no processo comunicacional, não descurando a importância da escuta activa. Se este trabalho for desenvolvido desta maneira, aumentamos a capacidade de tolerância, cooperação e afectiva. De nada adianta, a crítica, o julgamento dos outros, não havendo espaço para a clarificação de ideias. Faz todo o sentido, não nos deixarmos intimidar pelo conflito quase que como se fosse uma premissa para algo que não tem saída. Tem, mas cada um terá que trabalhar os processos de mudança tendo um papel activo nesse sentido.
TS – Ainda somos obrigados a manter um distanciamento social. Pensa que no futuro corremos o risco de assumir um novo padrão de comportamento, que nos distancia ainda mais dos outros?
CDT – Na minha opinião, novos padrões de comportamento poderão ser adquiridos como consequência da pandemia, mas julgo que o distanciamento social não será um deles. Vivemos em sociedade, somos influídos e influímos, daí abonar para a continuação dessa conduta/comportamento, como algo que pertence à nossa essência.
RUTE AZEVEDO SANTOS
[NOTÍCIA DA EDIÇÃO IMPRESSA]
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