A pandemia da covid-19 também atingiu a arqueologia e afectou o desenvolvimento de alguns trabalhos em curso, como as pesquisas na gruta do Algar da Água, no cimo da serra de Alvaiázere, no âmbito do projecto Medice – Memórias, Dinâmicas e Cenários da Pré-história à Época Clássica, apoiado pela Direcção-Geral do Património Cultural.
“Algar da Água teve de ser colocado de parte no último ano devido à existência no local de uma maternidade de morcegos e estes poderem facilmente ser portadores de covid-19. O Instituto da Conservação da Natureza (ICN) interditou o acesso a todas as cavidades”, explicou a arqueóloga e investigadora Alexandra Figueiredo, durante a apresentação do livro ‘O Sítio Arqueológico Algar da Água – Resultados de 2017 a 2019’, de que é autora.
A também professora universitária refere que a pandemia impediu a presença em Alvaiázere da equipa multidisciplinar internacional envolvida no projecto, com investigadores de países como o Brasil, Espanha ou Itália, e que no último ano os trabalhos incidiram forçosamente apenas “no estudo e análise [laboratorial] dos materiais” já anteriormente recolhidos.
Na gruta, com cerca de cinco metros de altura e perto de 20 metros de comprimento, as escavações efectuadas nos últimos anos permitiram encontrar vestígios de cultos funerários, arte rupestre nas paredes e diversas estruturas de uso ritual e quotidiano, denotando ocupações do espaço diversificadas no modo e no tempo, desde a pré-história à época medieval.
“É um sítio muito sui generis, que tem como ex-libris o facto de ser o único local do país onde temos arte rupestre filiforme da Idade da Pedra dentro de uma cavidade”, valoriza a arqueóloga.
Assim que a situação epidemiológica o permita, “é fundamental voltar ao Algar da Água, é um ponto-chave”, defende Alexandra Figueiredo, argumentando que a continuação do trabalho de pesquisa pode ainda conduzir à constatação da existência da presença de hominídeos [primatas] naquele local.
Surpresa no Rego da Murta
Mas “Alvaiázere é um diamante por lapidar” e tem um vasto manancial de sítios que os “detectives do passado” – como Alexandra Figueiredo apelida os arqueólogos – mantêm debaixo de olho.
Desde logo, o sítio do Castelo da Loureira com vestígios que o pode prolongar até à Idade do Ferro. Localizado na freguesia de Pussos São Pedro, “já foi intervencionado ainda antes do Algar da Água, em 2015, 2016, mas parámos pela dificuldade de acesso ao castelo”, salienta a investigadora do Centro de Geociências da Universidade de Coimbra e professora no Instituto Politécnico de Tomar.
A coordenadora da investigação defende ainda a “continuidade da prospecção em Rego da Murta”, onde “de cada vez que chegamos encontramos um novo sítio”. Na área de apenas um quilómetro quadrado estão identificados 14 sítios arqueológicos, “todos assumindo características diversas”.
Alexandra Figueiredo preconiza a utilização no futuro de uma tecnologia de detecção remota [LIDAR- Light Detection and Ranging] com potencial para penetrar na vegetação e assim obter informação sobre a superfície topográfica e sobre eventuais estruturas arqueológicas ocultas, para fazer o levantamento da zona de Rego da Murta. “É uma tecnologia cara, mas é uma possibilidade que gostaríamos de utilizar, consoante as disponibilidades que viermos a ter”, afirma.
A investigadora admite ainda a exploração de “um outro local próximo de Rego da Murta, já na fronteira a sul do concelho, que poderá vir a ser uma surpresa. Como não tem morcegos e é mais ao ar livre, pode ser que o ICN nos deixe avançar”, adianta sem mais pormenores.
“Temos em Alvaiázere uma série de sítios onde gostaríamos de avançar, mas não temos tempo para tudo, tem de ser lenta e gradualmente, porque o trabalho do arqueólogo é 1% de campo e o restante é no gabinete e no laboratório”, frisa.
Recurso endógeno
A apresentação de ‘O Sítio Arqueológico Algar da Água – Resultados de 2017 a 2019’ decorreu, em formato online, no passado domingo (18), Dia Internacional dos Monumentos e Sítios.
Na ocasião, Paula Cassiano, directora do Museu Municipal de Alvaiázere, defendeu o património arqueológico como “um recurso endógeno não renovável, com bastante potencial, e que constitui um dos elementos mais expressivos que os territórios têm à sua disposição e que deve ser sempre valorizado”.
Por seu lado, a vereadora Sílvia Lopes manifestou a disponibilidade da Câmara “para continuar a colaborar e a apoiar a arqueologia no nosso concelho e todos os projectos que existam em torno desta área”. “É muito gratificante quando estabelecemos parcerias com sucesso, como é o caso, e nos trazem retornos positivos”, congratulou-se.
Um novo livro, desta vez sobre o Complexo Megalítico de Rego da Murta, versando os dados recolhidos entre 1999 e 2012, será lançado ainda este ano, anunciou Alexandra Figueiredo.
Laboratório de Arqueologia tem sido “fundamental”
Instalado em Alvaiázere desde 2017, o Laboratório de Arqueologia e Conservação do Património Subaquático do Instituto Politécnico de Tomar (IPT) teve um papel “fundamental” no desenvolvimento do projecto Medice, considera a sua directora, Alexandra Figueiredo.
“Quando começámos a trabalhar nesta região há 20 anos, andávamos com a casa às costas. Este é um laboratório multi-facetado, funciona como pólo do IPT, e não é só um espaço que está aberto para nos acolher quando aqui fazemos trabalho. É também um local onde os alunos de Arqueologia podem fazer os seus estágios, e desenvolver os trabalhos de conservação, estudo e de análise de materiais. Tem sido o ponto-chave de ligação com o IPT, com a arqueologia e com tudo o que se tem vindo a fazer neste domínio em Portugal e não só”, salienta a docente e investigadora.
[NOTÍCIA DA EDIÇÃO IMPRESSA]
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