Fernando Mariano Cardeira, natural de Fanhais, Nazaré, com 77 anos, relatou em livro a deserção colectiva de um grupo de dez oficiais do Exército que, desta forma, escaparam à mobilização para a Guerra Colonial.
Em “Crónica de uma Deserção – Retrato de um País”, o actual presidente da direcção da Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória (NAM) descreve os acontecimentos relacionados com a deserção dos dez oficiais, para a Europa, em 1970.
O autor, ao longo das 264 páginas do livro editado este mês pela Âncora Editora, narra a deserção do grupo de ex-oficiais da Academia Militar (em 23 Agosto de 1970) e a realidade do país de então.
“O livro é um pouco a história da minha vida. Toda a minha vida, como de muitas pessoas da minha geração, é marcada pela Guerra Colonial. O meu caso é especial, porque sou um desertor que desertou com um grupo de oficiais do exército, todos ex-alunos da Academia Militar. Éramos oficiais de carreira, mas antes de desertarmos pedimos para sair do quadro permanente e passaram-nos a milicianos. Isto passou-se em 1968-1969”, relatou Fernando Mariano Cardeira à agência Lusa.
E prossegue: “Antes da mobilização [para África], tínhamos decidido, como está narrado no livro, que se fossemos mobilizados desertaríamos, não queríamos fazer a guerra de maneira nenhuma. E foi o que fizemos. Quando (…) veio a ordem de mobilização nós já tínhamos tudo preparado, mas desertar não era fácil”.
Tomada a decisão, o grupo iniciou a deserção “a salto” pela Serra do Gerês e chegou a Paris (França) “dois dias depois”, lembra.
Após permanecerem quinze dias em Paris, sete seguiram para a Suécia (incluindo o autor) e três para a Bélgica.
“A crónica da deserção é o tema central [da obra], é aquilo que marca a minha vida, no fim de contas, porque quando se toma uma decisão destas, toda a nossa vida se altera. A partir daí nada vai ser igual. E o meu relato vai mais ou menos até ao 25 de Abril. Faço depois um pequeno epílogo daquilo que fiz após o 25 de Abril”, referiu Fernando Mariano Cardeira.
O livro, que o autor escreveu durante cerca de três anos, foi publicado após vários pedidos para relatar o episódio da deserção, que ocorreu quando tinha 27 anos.
“O meu livro é também um documento, porque não relato apenas a minha ‘aventura’, porque felizmente tudo correu bem, mas relato também o país em que vivíamos. Por isso, o subtítulo do livro é ‘Retrato de um País’. Através da minha história pessoal, [na obra], está também aquilo que era o nosso país”, acrescenta.
Fernando Mariano Cardeira lembra que a sua história de vida é a de um filho “de uma família de pequenos lavradores, que sai da aldeia, indo para a Academia Militar” que, nessa altura, era uma alternativa, tal como o Seminário.
“Depois, tomo consciência da injustiça da guerra ao ouvir os relatos de oficiais que já tinham participado nas primeiras operações em África. Alguns já eram uns ‘heróis’ porque tinham participado lá naqueles massacres todos. (…) E, a pouco e pouco, fomos tomando consciência que a guerra era algo de injusto, porque não se justificava nem para nós nem para os povos de África”, remata.
O ex-oficial desertor, que agora passou as memórias para o papel, regressou a Portugal após o 25 de Abril de 1974.
LUSA
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