Fernando Antunes, nome incontornável da vida penelense e da região do último meio século, prepara-se para a ‘reforma política’, deixando em Outubro próximo as funções de presidente da Assembleia Municipal de Penela, onde ‘tudo’ começou aos 23 anos e agora, curiosamente, vai terminar para lá dos 70.
Nascido na Rua do Sol, “atrás da igreja de Santa Eufémia, no coração do presépio que é a nossa vila”, Fernando dos Santos Antunes viveu uma década da sua meninice por ali. Ainda não tinha 11 anos e já estava a caminho do Seminário, em Buarcos, na Figueira da Foz. “Iam muitas crianças das aldeias destes concelhos do Interior para o seminário. Era um percurso normal, depois uns conseguiam concluir [a formação teológica] e outros não, como foi o meu caso, que saí com o 8.º ano”, conta ao TERRAS DE SICÓ.
Foi já fora do seminário que deu continuidade ao percurso académico, interrompido com a partida para as “agruras do Ultramar”. Estávamos em 1971 e o destino Guiné, onde combateu até 1973. “Atirador de G3” na guerra colonial, afirma que esta lhe trouxe “uma experiência de vida e da dureza da vida, um sangue-frio em relação às situações, que nos enriquecem sempre no que é a nossa formação humana”.
Quando regressou à metrópole fez o exame de aptidão à Universidade e entrou na Faculdade de Direito de Coimbra.
Enquanto estudava ainda deu aulas de… educação musical! A formação na área vinha-lhe dos tempos do seminário. E é também neste período já de democracia, nos idos de 1976, que surge no seu caminho a política, o “bichinho” que haveria de ficar para uma vida.
Aos 23 anos, com a universidade de premeio, é desafiado a encabeçar a lista do “PPD/PSD” à Assembleia Municipal de Penela, acabando presidente deste órgão autárquico. Era a rampa de lançamento…
Concluído o curso académico, ainda faz o estágio de advocacia, “cheguei a ter gabinete para abrir escritório em Penela”, mas o apelo político revela-se mais forte.
Impulsionador do “PPD/PSD” em Penela naqueles primórdios da sua criação, Fernando Antunes afirmara-se na liderança política do partido a nível concelhio.
“A minha maneira de ser e de estar, a forma de conviver e o sentimento humano que tenho das coisas, permitiu-me uma grande ligação às pessoas e às aldeias”. Meio caminho andado para ser “quase empurrado”, em 1979, com 30 anos de idade, para ser o candidato à presidência da Câmara Municipal.
Ganhou naquele domingo, 16 de Dezembro, e ‘lá se foi’ a advocacia…
Tomou posse a 2 de Janeiro de 1980. Era o início de uma caminhada que só terminaria mais de duas décadas depois, com sucessivas e folgadas reeleições para o cargo.
“Tudo o que fiz na vida me enriqueceu, mas não tenho dúvidas que foram mais de 20 anos da minha vida muito ricos em tudo”, confessa.
Fernando Antunes regressa àqueles anos 80 do século passado e revive um concelho que “não tinha nada”, ou melhor, tinha: “muitas carências”. “Numa década virámos Penela, naquilo que eram as infra-estruturas básicas, a água, luz, estradas e caminhos, saneamento básico. Quase tudo por administração directa, uma vez que montámos na Câmara uma autêntica ‘empresa’ de construção civil, para a execução das obras. Comprámos as máquinas necessárias, éramos auto-suficientes”, recorda com evidente satisfação.
“Quando era presidente da Câmara conhecia toda a gente na vila, em cada aldeia, entrava na casa de cada um, bebia um copo com o Ti Manel, conversava, pedia a colaboração”, lembra. Admite que foi esta “ligação muito grande” às suas gentes, apresentada pelos rostos do PSD, que está na base do longo domínio autárquico social-democrata em Penela.
De autarca a governador
A saída da liderança da autarquia, em 2002, para abraçar um novo desafio, o de governador civil de Coimbra, surgiu, ao fim de mais de 20 anos, como “um certo alívio”. “Havia que renovar, deixar que outras pessoas, gente jovem, trouxessem coisas novas ao concelho, e foi o que aconteceu”, sustenta. Ficou a satisfação pelo trabalho realizado e “um vínculo que nunca perderei”. “Honro-me muito daquilo que conseguimos fazer”, reforça, não esquecendo o impulsionar do movimento associativo dinamizador da região, como a criação em que esteve envolvido, entre outras, da associação de municípios ADSICÓ, hoje, Associação de Desenvolvimento Terras de Sicó.
As funções de governador civil foram “algo que politicamente gostei e me enriqueceram”. Três anos de representante no distrito de Coimbra do governo de Durão Barroso (e depois de Santana Lopes). “Ser o intermediário dos problemas das pessoas, ter uma apetência muito grande de fazer e tornar o governo civil mais atractivo”, refere Fernando Antunes sobre o seu desempenho, considerando ter sido “um erro” acabar com este órgão da administração pública.
A passagem seguinte pela Assembleia da República como deputado da Nação, na X Legislatura, entre 2005 e 2009, foi também um marco na carreira política. “Gostei de lá estar e, na altura, tinha apreciado fazer uma segunda legislatura”, mas não se proporcionou. “Saltar para o Parlamento é um trabalho totalmente diferente do de autarca, muitas vezes não reconhecido pelos senhores deputados de cartola de que a Assembleia da República muitas vezes é tomada, que não dão valor àquilo que é o trabalho no terreno de um presidente de Câmara”, critica.
Em 2007, a Câmara a que anteriormente presidiu decide atribuir-lhe Medalha de Mérito Político e Social do Município, realçando a já referida preponderância que teve na criação de infra-estruturas de base no concelho e “o seu profundo espírito humanista, a competência e a dedicação que sempre emprestou à actividade de autarca que abraçou num verdadeiro sacerdócio quantas vezes em sacrifício da sua vida privada e da própria família, (…) factores preponderantes para que hoje se viva muito melhor nas nossas terras”.
Regressado, depois de cumprida a ‘missão’ em Lisboa, volta a encabeçar a lista social-democrata à Assembleia Municipal em 2009 e a reassumir a presidência daquele órgão. O ciclo político de Antunes, iniciado precisamente naquele cargo, fechar-se-á aí neste 2021. “Não penso recandidatar-me nas próximas eleições”, confirma Fernando Antunes, que em Setembro completará 72 anos.
Para trás fica meio século em funções políticas e públicas. “Dei tudo o que tinha, fizemos grandes coisas numa terra que tinha pouco”.
Realização pessoal
A par da liderança da assembleia-geral dos Bombeiros Voluntários de Penela, há anos, abraçou também outro projecto: a provedoria da Santa Casa da Misericórdia. “Foi um desafio para alguém que tinha alguma disponibilidade e sinto-o como mais uma realização pessoal, dentro do que é a minha maneira de estar e ser com as pessoas”, diz. Reeleito para novo mandato como provedor em Dezembro passado, o “estado de espírito” é que este é mesmo o último.
Ainda gostava de ter tempo para escrever um livro de memórias, tempo que por agora a Misericórdia não lhe deixa. A covid afastou-o temporariamente dos netos, mas não o distanciou da agricultura de que tanto gosta e onde passa momentos “saudáveis” a cuidar do olival.
Quando um dia partir, Fernando Antunes gostava de ficar lembrado como “um homem bom, que deu à sua terra muito do seu tempo, do seu suor, um homem que se realizou em Penela e que ajudou a realizar e a sentir feliz muita gente”. E ficará.
LUÍS CARLOS MELO
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