Moro numa aldeia onde não há nada.
Não tem lojas, supermercado, café ou mesmo mini- mercado. Mesmo nada. Não tem água nem nascentes. Tem poucos habitantes.
Nos tempos antigos as mulheres vendiam ervas medicinais a um homem que vinha cá buscar e pagar por elas. Semeavam tremoços e grão de bico. Também as videiras contribuíam para a flora da região. Eram os frades que aqui moravam a cuidar delas e fazer vinho. É formada por balcões a que chamam choisos. No Inverno plantavam couves e semeavam, também centeio do qual faziam o pão.
Hoje as coisas modificaram-se e os choisos estão com silvas e pinheiros. O viver das pessoas modificou-se com os tempos e hoje já não vão às ervas nem cultivam os seus pequenos terrenos cheios de pedras e pouco aráveis. A água é da rede pública. Há saneamento. Já não é preciso ir ao pátio das galinhas.
Dizia eu que aqui não há nada. Vendo bem e com alguma atenção podermos encontrar, rosmaninho, musgo colado pela natureza às pedras e no tronco das árvores. O canto dos pássaros, um sapo residente nas traseiras da minha casa, a capela de santo António, muito pequenita, mas convida à oração. No monte, lá em cima há giestas, cucas, medronhos e figueiras. Cá mais abaixo as alhetas, flores humildes, brancas que só abrem pela sementeira das batatas. O que eu gosto mesmo é de pôr um banquinho na rua que afinal é a estrada e conversar com os vizinhos. É que aqui há vizinhos que dão conversa.
O Alfredo tem uma imaginação fértil, sentado no degrau de minha casa faz-nos ver ou acreditar que antigamente, era costume encontrar bruxas e lobisomens. Uma noite destas, no meu degrau, onde ele se sentou contou que era já noite quando na encruzilhada ao fundo da ladeira um grupo de mulheres fez parar o Elias que vinha de bicicleta. Um homem com mau aspecto e dois cornos no cimo da farta cabeleira deu o sinal. Elas foram-no buscar. Dançou com todas e toda a noite. Fizeram uma roda e meteram-no no meio, sempre a dançar. Só pararam quando o sol começou a despontar. Chegado a casa a mulher perguntou se ele tinha andado “nos copos”. Não respondeu e fez um largo sorriso. Ainda hoje se lhe perguntam onde é que andou, apenas sorri.
O Ti Herculano debruçado na varanda no cimo das escadas da casa dele, pronto a despencar cá para baixo. Nos dias de calor intenso as cegarregas cantam doidinhas de todo, na casca dos pinheiros.
Sou feliz aqui. Gosto quando depois de jantar me sento um pouco, na minha varanda e ouvir os grilos. Aqui ainda há grilos. Até uma raposita vem ao fundo do pinhal perto das casas regougar, pensando que deixámos as capoeiras abertas.
Como se formou a aldeia que está encravada no monte tendo por companhia pedras e pedregulhos? Não sei!
Tenho a minha teoria. Não falei com historiadores, que certamente não iriam perder tempo com uma aldeia tão pequena.
Ora bem!
Lá em baixo, em Condeixa-a-Velha, com terreno fértil e água com fartura instalaram-se povos sendo os últimos habitantes os romanos que tinham uma civilização muito adiantada. Tinham os senhores que moravam nos palácios. Mas os escravos faziam tudo o que era trabalho menor.
Um casal de escravos, farto de ser mandado pelos senhores e fazer trabalho pesado, resolveu fugir para dentro da mata onde seria difícil serem encontrados. Construíram uma cabana em pedra e aí se instalaram. A água iam buscá-la a Alcabideque. Se atentarmos bem, na mata há de comer: bagas, figos, e coelhos e mesmo pássaros que caçavam com armadilhas.
O tempo foi passando e os romanos derrotados enquanto a civilização se extinguia. Eles foram ficando.
Esta minha teoria nunca ninguém a explicou. Mas não podia ser de outra forma. A imaginação tem asas e temos que a deixar voar.
Afinal não é só o meu vizinho que tem imaginação fértil.
Site optimizado para as versões do Internet Explorer iguais ou superiores a 9, Google Chrome e Firefox
Powered by DIGITAL RM