Julgo que é o tempo de se fazer análise política séria. As eleições presidenciais trouxeram-nos várias mensagens em que vale a pena reflectir. Marcelo Rebelo de Sousa ganhou em todos os concelhos de Portugal, algo que Mário Soares, em 1991, com “falta de comparência do PSD”, para utilizar uma expressão de Rui Rio, não alcançou. Marcelo queria um recorde, o Povo Português deu-lhe, mas também lhe quis dizer que desejam mais do que um Presidente de afectos, pretendem que seja mais exigente com o Governo de Portugal, apesar da aparente sondada falta de alternativa.
Outra mensagem clara que passou, é que há muitas centenas de milhares de Portugueses insatisfeitos com o regime, que radicalizaram a sua posição, votando em “projectos” extremistas. O “Chega” que basicamente vive da capacidade de confronto de André Ventura, seguramente treinada durante anos naquele programa de “comentário desportivo” de um canal por cabo, teve quase meio milhão de votos porque há muita gente que está a perder a paciência com o sistema, não se importa com detalhes de programas partidários e encontra “ali” o seu refúgio. Ventura é politicamente inócuo e fraco. É forte na “bravata”, no confronto directo, mas para quem não o ouviu, no final da noite de domingo, ele embrulhou-se, disse três ou quatro frases feitas para a plateia, e disse duas vezes que recebeu uns telefonemas de uns líderes do grupo europeu do seu partido, como se isso fizesse dele alguém mais importante.
Outra mensagem que passou nestas eleições é que 61% dos eleitores se abstiveram, votaram branco ou nulo. Isto é muito relevante. Há uma maioria massiva de pessoas que já não encontra força para ir votar ou porque não quer saber de política para nada ou porque prefere não se incomodar porque o sistema já não tem capacidade para mudar nada nas suas vidas. Também percebemos que os mínimos do PCP e do BE são aqueles cerca de 4%, o que significa que ou os seus candidatos não galvanizam ninguém para além dos núcleos duros, ou que o peso político destes partidos está em decréscimo acelerado porque aquelas “ideias” românticas sobre o tecido produtivo, Capital, Estado omnipresente e nacionalização, já poucos as levam a sério.
Ainda sobre mensagens políticas, julgo que a principal, é que os Portugueses querem mesmo mudar. E esse desejo, se mal interpretado pelo sistema, pode trazer-nos realmente alguns problemas acrescidos. Na política quotidiana real, temos um Governo com quase 70 elementos que é o ensaio de que não há nada para mudar ou reestruturar. Nestes últimos anos, experimentámos incêndios que mataram dezenas de portugueses, convivemos com o mais baixo investimento público da nossa democracia, desde que entrámos na União Europeia, assistimos incrédulos a uma morte de um cidadão ucraniano às mãos de uma força de segurança do Estado, acompanhámos a novela de uma carta cheia de mentiras por causa da nomeação de um procurador europeu, com origem no Ministério da Justiça, sem que houvesse a mínima assunção de responsabilidade política. Até os resultados do 4º ano de matemática, pela primeira vez, com evolução negativa em 2019, foram, segundo o actual Ministro da Educação, responsabilidade do governo de Passos Coelho, numa clara afirmação de despudor e falta de sentido de Estado. Dispensar-me-ei de falar da pandemia e do desastre da sua gestão, da falta de planeamento, coragem e de sensatez quando, até à última, temos uma tutela da saúde que não consegue perceber que público ou privado, para nós, é igual, desde que nos salvem.
No entanto, reconheço que os Portugueses continuam a confiar mais no Governo do que na oposição, nomeadamente no PSD, que não consegue sair da fasquia dos 25%. Rui Rio critica muito as sondagens, o que não se compreende porque, ainda agora, todos os estudos de opinião/sondagens estavam basicamente correctos. O PSD não descola porque, na minha opinião, lhe falta identidade. Rui Rio, não sei se por convicção ou por receio, sempre se distanciou do governo do PSD/CDS liderado por Passos Coelho, não é capaz ou não quer defender nenhuma dessas políticas, pelo menos de forma aberta e clara, esforçando-se com a linguagem do “centro”, deixando-se levar pelo engodo que Costa, de tempos a tempos, lhe lança.
Acresce que, tal como Costa, o seu forte não é a comunicação política, mas em contraponto a Costa que conhece toda a comunicação social “lisboeta” e gosta de com ela se relacionar, Rio não gosta nem está nada à vontade com a comunicação social. Fica tenso, a mensagem não lhe sai bem, e vai perdendo oportunidades de convencer os Portugueses que ele é a alternativa. Fica inclusive muito irritado pelo facto de que, com tantos escândalos governativos, a diferença entre PS e PSD não diminui. E é isto. Aliás, vai ser mais do que isto porque vêm aí as eleições autárquicas, a pandemia está no auge e os Portugueses continuam paulatinamente a perder a paciência.
Mudar vai ser o verbo mais utilizado nos próximos anos. Esperemos que não seja pelas piores razões, nem com consequências nefastas para a sociedade portuguesa. Julgo que todos nós, mais do que nunca, percebemos a necessidade de termos pessoas competentes nos lugares de topo do Estado, na Assembleia da República e nos demais cargos de soberania nacional. Aquela coisa de que os políticos são todos iguais, está, mesmo, a dar estes maus resultados. Mas, claro, na base de todo o sistema estão os partidos políticos tradicionais que, ou mudam, ou vão ver os “Chega” desta vida e a abstenção crescerem ainda mais.
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