Vamos falar de política. Hoje, a grande discussão da política portuguesa é o acordo de incidência parlamentar que o PSD fez com o partido Chega, para poder formar governo na Região Autónoma dos Açores. Antes de mais nada, confesso-me surpreendido pela polémica gerada porque, deixem-me passar o tom irónico, pensava que já estavam todos habituados. Foi em 2015 que o PS perdendo as eleições nos surpreendeu ao recusar suportar um governo minoritário do PSD. A história é conhecida, formou-se a geringonça e passámos a ter um governo dependente de posições de partidos políticos que abominam a iniciativa privada, as empresas e, pior ainda, acham que o Estado não tem limites na sua intervenção. Habituámo-nos. Hoje, mesmo em plena pandemia, não sabemos se o Orçamento de Estado passará na Assembleia da República, depois da discussão na especialidade porque o Bloco de Esquerda acha-se o dono da razão disto tudo. Disso ninguém fala, preferindo dar o tempo de antena ao Chega e a um acordo com meia dúzia de pontos que não tem nenhum ponto que fira a dignidade humana.
De repente, nos Açores, governados há cerca de 20 anos pelo PS, este ganhou eleições, perdeu a maioria, e o PSD consegue maioria parlamentar, tendo de fazer um acordo com o Chega. Cai o carmo e a trindade porque o Chega é xenófobo e racista, apesar de nas sondagens para as legislativas aparecer com quase 10%. Discute-se o acordo, mas não se quer discutir seriamente porque é que um partido oportunista liderado por um ex-comentador desportivo, consegue esta performance política. Julgo completamente execrável, as posições de xenofobia e racismo, tal como julgo repugnantes, o modo como os partidos de extrema-esquerda estigmatizam o capital privado, as empresas e os empresários, e uma sociedade livre onde o indivíduo é o centro e o potencial de criação de riqueza.
Em Portugal, temos vindo a assistir a um desgaste político continuado dos partidos do chamado arco da governação, deixando, naturalmente, espaços vazios nos extremos do espectro político, seja de esquerda ou de direita. Isto acontece em Portugal e na Europa. Aliás, na Europa, nenhum governo se forma sem alianças com partidos mais pequenos. É verdade que António Costa inaugurou um novo modo, diga-se constitucional, de formar governo, em 2015. É verdade que, agora, nos Açores, o PSD basicamente fez o mesmo. Também é verdade que uma coisa é fazer acordos de incidência parlamentar, coisa diferente é formar um governo de coligação. É verdade também que o CDS já foi o bombo do “fascismo” em Portugal, durante várias décadas e que o aparecimento do Chega o posiciona de forma diferente, como é verdade que populismo é o que não falta ao Partido Comunista ou ao Bloco de Esquerda.
Sobre o Centrão político em Portugal, o meu ponto de vista é que faria mais mal a Portugal, um governo de Bloco Central, com o PS e o PSD, do que um governo que se forme com apoio de partidos mais pequenos. Andamos há muitos anos, a falar na abertura dos Partidos Políticos, nomeadamente o PS e o PSD, mas tal não só não se tem verificado, como, cada vez mais, pela sua dimensão, estes se vão fragmentando em alas ou facções, que resultam, desde logo, da pouca tolerância interna. Inevitavelmente, estes modos de gestão política ou inclusão de demasiada incompetência, criam espaço político que é aproveitado por outras forças da tipologia do Chega. Chamam-lhes oportunistas porque realmente aproveitam a oportunidade que lhes é deixada também pela insatisfação da sociedade para com a política e os políticos. Os governos só existem com estabilidade parlamentar. E, por toda a Europa, há coligações com partidos mais pequenos, com os quais é importante dialogar e perceber, em lugar de os estigmatizar. Voltando aos Açores. Estou à vontade para afirmar que Rui Rio fez bem em permitir que o tal acordo se fizesse e, dessa forma, proporcionasse a formação de um governo liderado pelo PSD. Dizem que poderia ter esperado mais e assim ter evitado esse acordo, uma vez que o Chega jamais apoiaria ou viabilizaria um governo do PS. Não entro nesses eventuais cenários. Com este acordo, o PSD não muda absolutamente nada. O problema eventual do PSD se afirmar e largar a fasquia de pouco mais de 25% do eleitorado que se tem verificado nos últimos anos, terá a ver com outras causas que, provavelmente, se vão manter. O problema de Portugal não é um acordo com o Chega como alguns, para aproveitamento político e táctica partidária, afirmam. O problema de Portugal é nós cidadãos consentirmos ter governos que não reformam, que não tomam decisões, que não querem arriscar e que, por consequência, definham a sociedade. Não há normalmente mobilidade social com excepção de algumas pessoas que se conseguem impor pela sua capacidade e resiliência. Há tendencialmente pouca coragem política e muito desgaste continuado com o que nos tem acontecido nos últimos quinze anos, com a crise do sub-prime, com a hecatombe que assolou o sistema financeiro, a crise das dívidas soberanas, com a quantidade imensa de dinheiro de todos nós que foi injectada na banca, com a presença da Troika em Portugal, e, finalmente, agora com a pandemia. Este desgaste associado aos partidos tradicionais cujos métodos de recrutamento e de meritocracia interna, estão obsoletos e bafientos, leva a que nos tenhamos de habituar, cada vez mais, a isto. Ou isto ou coragem para mudar estruturalmente. Ou isso ou o entendimento de que a tolerância tem sempre dois sentidos. Ou isto ou uma sociedade mais interventiva e politizada para termos uma democracia mais competente. O resto é ruído num País que diz muito mal do Centrão político, mas que não vê com bons olhos os entendimentos com forças políticas mais pequenas. E não é como tenho ouvido dizer a muito boa gente. O voto útil não perde importância, antes pelo contrário. Quando eu não vou votar ou voto em branco, deixo espaço a que os Chega ou os Blocos de Esquerda proliferem e ganhem importância relativa. É complexo? Sim, mas não vale a pena perder tempo com o que é acessório.
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