Daniel era um garoto que gostava da rua. Gostava das flores, do ruído da água a cantar nas mós do moinho do avô. O avô moleiro há muitos anos ainda tinha o gosto de destrancar a água e fazer as mós girarem. Noutros tempos os sacos de grão acumulavam-se à volta da parede do moinho à espera de vez. Agora um ou outro saco de grão que as pessoas mandavam moer embora o forno da aldeia já não tivesse o corrupio de outros tempos a querer o pão feito naquele dia.
Tal como no moinho tinha pouco grão. O forno cozia pouco pão ou broa. Noutros tempos cada pessoa tinha o seu dia marcado para se servir do forno que era comunitário. Isto é: de toda a gente. Os tempos mudam e as pessoas também.
O moleiro, avô do Daniel, sentava-se à porta do moinho a observar a paisagem ou mesmo a ler um pedaço de jornal que trouxe de casa.
O tempo livre dava para isso. Os dias corriam lentos como lenta era a água do regato onde ele a represava para fazer girar as mós. O rodão batia na água com cadência certa.
Daniel gostava da natureza e também de se sentar com o avô na conversa. O avô contava coisas de outros tempos. Os velhos gostam de recordar.
Tinha uma capoeira linda cheia de galinhas amarelas e pedrês. O galo era uma galanteria, dizia ele. As penas vermelhas e amarelas davam-lhe uma beleza que todos elogiavam. Ao amanhecer abria o bico num “cocorocó” acordando a vizinhança. Ainda repetia por diversas vezes. Havia quem achasse graça e gostasse, mas havia quem não gostasse e chamavam a atenção do moleiro porque acordavam muito cedo. O moleiro ria-se, mas não matava o galo.
Isso é que era! Um galo daqueles! Devia pesar, e pelo baixo, uns bons cinco quilos.
Pensando bem devia fazer uma bela canja. E já via a panela a ferver com a cebola, a salsa, os grãos de pimenta e, claro, os pedaços do galo.
Naquele fim de tarde foi para casa a pensar na dita canja. Foi à capoeira disposto a… matar o galo. Ah! Não! Uma beleza daquelas!
Entretanto, o Daniel seguia os estudos. Acabou o preparatório e como não havia onde pudesse seguir teve que deixar a aldeia e rumar à cidade onde não havia o barulho da água nem os animais a recolher a casa, nem o galo com as suas cantorias. Mas conseguiu ultrapassar essa situação embora com desgosto.
Entrou em férias. As férias grandes. Agosto cheio de calor. As noites com a lua lá em cima a iluminar a terra. Festas e bailaricos. Quando chegava de madrugada o galo cantava no seu lindo cocorocó coisa que ele adorava e não tinha na cidade.
Uma noite, vindo do clube onde a gente nova se juntava, estranhou o galo não cantar. Não ligou. Estaria a dormir ainda.
Manhã cedo a mãe entrou no quarto aos gritos:
– Malandros! Se os apanho faço-lhes o mesmo.
Devia ser coisa grave. Daniel abriu os olhos estremunhado. Coçou um olho e depois o outro, sentou-se na cama. A mãe ainda em pranto, sentada na cadeira ao lado da cama, gritava:
– Daniel. Tu sabes quem foi? Daniel, Daniel. Mataram o galo!
– Mataram? Mas mataram porquê?
– De manhã quando lhes fui dar de comer encontrei o galo pendurado pelo pescoço na laranjeira que fica em frente.
Nunca se soube quem enforcou o galo, mas também nunca mais se queixaram de acordar com galo cantor.
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