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Armindo Carolino,o miúdo que veio “detrás das pedras” e se fez autarca e advogado

23 de Fevereiro 2020

Nasceu “atrás das pedras” com o destino traçado: seguir as pisadas do pai e do avô que eram comerciantes ou dedicar-se à agricultura e criação de gado. Não foi nem uma nem outra. Após concluir a primária com distinção, a sua professora e o pároco local convenceram o pai a deixá-lo prosseguir estudos. “Era uma pena um menino com tais capacidades ficar ali atrás das pedras”. Foi então para o seminário, onde se fez homem e se preparou para o futuro, que viria a passar pelas salas de aula, pelo campo de batalha, por agências bancárias, pela Câmara Municipal e, finalmente, pelo seu escritório de advocacia. Hoje diz-se “muito satisfeito” com o seu percurso, “embora tenha a noção que devia e podia fazer muito mais”.

 

Menino do fato preto

Mas comecemos do início. Armindo Lopes Carolino nasceu a 9 de Outubro de 1940, na Mata da Pregueira, freguesia de Abiul (Pombal). “A minha infância foi exactamente igual à das crianças da minha época”, conta, dizendo que dividia o seu tempo entre a escola, para onde ia a pé ao longo de cinco quilómetros de caminho de pedra e lama, e a loja dos pais, onde trabalhava nos tempos livres. À então vila de Pombal, que ficava “muito, muito longe”, veio pela primeira vez para fazer o exame final da 4.ª classe, que fez com distinção. Contudo, nada nem ninguém convencia o pai a deixar aquele menino prodígio prosseguir estudos. “Eu não tenho dinheiro e tenho mais três filhos”, argumentava o progenitor, que queria dar exactamente as mesmas oportunidades aos quatro filhos. Ainda assim, convencido pela professora e pelo pároco local, lá concordou em deixar o gaiato fazer os exames de admissão ao liceu e, mais tarde, ao seminário. E lá foi o menino Carolino fazer as provas, tendo sido aprovado em ambas. Escolheu o seminário, tornando-se “menino do fato preto”. Ruma então para a Figueira da Foz e de lá para Coimbra, onde terminou o curso de teologia.

Contudo, após o retiro anual de reflexão chega à conclusão de que o seu caminho não passa pela igreja e, no dia 15 de Agosto de 1962, transmite a sua decisão ao reitor do seminário. Deixa assim, com 22 anos, o lugar onde “aprendi a ser homem, a viver para os outros, a ser sincero e frontal, a ter valores e que ninguém está sozinho na vida nem sabe tudo”.

 

À descoberta de Angola

Já longe do seminário, deixa crescer a barba que ainda hoje é a sua imagem de marca e inicia a carreira como prefeito no colégio da Mealhada. Mas não fica muito tempo por lá. Entretanto, ingressa na vida militar, candidatando-se à vaga de oficial miliciano. Frequenta então o curso de oficiais em Mafra e em Dezembro de 1963 embarca para Cabinda (Angola).

Quanto mais conhecia aquele país, mais fascinado ficava. Tanto que terminada a sua missão, decidiu ficar “enganando o Estado português”: “pagaram-me bilhete de ida e volta e eu só fui”. Por terras angolanas concorre para empregado bancário, cargo que exerce em diversas agências de várias zonas daquele país. Em Outubro de 1964 vem a Portugal casar com a namorada que conhecera um ano antes nas Festas do Bodo, regressando depois novamente a Angola, para onde leva a sua Gina. É ali que vivem até 1975, quando começam a soar os primeiros bombardeamentos e tiros de metralhadora, provando que a guerra civil está à porta e obrigando-os a regressar ao seu país natal, deixando para trás “uma vida espectacular em Angola”.

 

De retornado a autarca

Retorna assim a Portugal, com a eterna namorada Gina e os seus três filhos. E ao contrário de outros, readapta-se à sua nova vida “sem grande dificuldade”. Tanto que “logo no primeiro acto eleitoral pós-25 de Abril sou convidado para encabeçar a lista municipal pelo PSD”, convite que declina por não se identificar com o partido. Não vai pelo PSD, vai numa lista do CDS para a Assembleia Municipal, mas como independente. Três anos depois aceita o convite para integrar o projecto eleitoral do PS, encabeçado por Guilherme Santos. Não ganham, mas começam desde logo a trabalhar para as autárquicas de 1982, de onde saem vencedores. A 3 de Janeiro de 1983 assume então as funções de vereador da Câmara Municipal de Pombal, em regime de permanência, eleito como independente nas listas do Partido Socialista. Já no final do segundo mandato enquanto vereador, assume a presidência do município, após a trágica morte do então presidente Guilherme Santos. Em Dezembro desse mesmo ano de 1989, candidata-se e vence reforçando a maioria absoluta conseguida quatro anos antes. Todavia, em 1993 perde a Câmara Municipal para Narciso Mota. “Foi das experiências mais dolorosas da vida”, confessa, admitindo que a ressaca da derrota demorou meses a passar. Mas hoje vê as coisas de outra forma: “abençoado o dia em que perdi eleições, para mim e para a minha família”.

Mesmo assim, “guardo dos anos de vida autárquica o melhor que me aconteceu na vida”, afirma, orgulhoso do trabalho que fez. Uma das bandeiras do seu mandato foi a educação, onde apostou no ensino pré-primário, construindo “23 edifícios com todas as condições modernas da altura”. A sua legislatura ficou ainda marcada pela “legalização do Parque Industrial Manuel da Mota, que hoje é o grande pulmão de desenvolvimento económico de Pombal”, congratula-se, referindo que o deixou com meia dúzia de fábricas a laborar, número que o seu sucessor e o actual presidente de Câmara se têm empenhado em fazer crescer.

E 26 anos após abandonar a vida autárquica ainda há pessoas que o desafiam a voltar, porém não tem dúvidas de que a melhor coisa que fez foi fechar a porta da política no dia em que perdeu as eleições. Afinal, “na política é mais difícil encontrar o momento de saída do que de entrada” e não vale a pena adiar a saída sob pena de “sair por uma porta bem pequenina em que só ele cabe, tal como vai acontecer a um exemplo que temos aí”.

 

Advogar

Por isso, exactamente 11 anos e um dia depois de ter entrado nos Paços do Município, saiu definitivamente da Câmara Municipal e entrou no seu escritório. Começou então a exercer advocacia, curso que, entretanto, tirara enquanto trabalhador estudante. E foi essa a sua principal actividade até há pouco mais de um mês. “A 31 de Dezembro de 2019 deixei de advogar e cancelei a minha inscrição na ordem”.

“Agora tenho tempo para mim e para a família, mas houve tempos em que a minha namorada coitadita…”, reconhece, recordando que saía de casa pela manhãzinha, percorria a pé os “350 passos” que separavam a sua casa dos Paços do Município e só regressava à noitinha.

 

Fazer o que quer

A poucos meses a completar 80 Primaveras, regozija-se de finalmente fazer o que quer, quando quer e com quem quer. Ainda assim “vou todos os dias ao escritório ver o meu correio electrónico”. Mas também tem tempo para passear com a eterna namorada, ir ao ginásio, visitar os irmãos e dormir até lhe apetecer.

Depois de uma vida cheia, e no alto dos seus 79 anos, olha para o seu passado com satisfação, “embora tenha a noção que devia e podia fazer muito mais”. Não obstante, orgulha-se do seu percurso profissional, da “família espectacular” que constituiu, das amizades que foi fazendo e das colectividades que ajudou a fundar e com que colaborou. Dessas associações destaca duas em que “a palavra que impera é servir”: os Escuteiros de Pombal – Agrupamento 674, que fundou em 1984, e Rotary Clube de Pombal, do qual é também sócio fundador e do qual deixou a presidência em 2019, com o propósito de ter mais tempo para si e para os seus.

E hoje, finalmente, quando está prestes a completar oito décadas de vida, põe e dispõe do seu tempo. É um homem verdadeiramente livre…

CARINA GONÇALVES


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