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Natércia Martins

A feira

21 de Fevereiro 2020

Antigamente íamos à feira para comprar o que não havia no mercado. A feira e o mercado são coisas distintas. A feira tem de tudo de forma indiscriminada. O mercado tem as coisas necessárias àquilo que nos é preciso, mas em local mais arrumadinho.

As feiras são, quase sempre em terreno desocupado de construções e árvores.

Quando era pequena ia com uma tia solteira à feira. Ela comprava-me um bolo em forma de boneca. Aquilo era parte da minha feira. Já tinha o bolo podia ir para casa, mas não íamos. Ela ia comigo pela mão comprar tremoços, farturas e feijões.

Por ali havia à venda porcos, cabritos, galinhas e outros animais.

O porquinho levava um baracito atado a uma perna.

Há uma “estória” que se contava lá por casa. Um espertinho que circulava na aldeia gostava de gozar com as pessoas. Um outro vizinho levou o seu porquinho, todo contente com o baracito na perna. Já na feira, o homem foi abordado pelo outro, este sem interesse nenhum em adquirir o bicho.

– Olhe lá, só compro o porco se ele tiver boa boca. Ele come tudo?

– Come pois! Come tudo. Tudo!

– Então come seixos?

– Ah, isso não? Então não quero!

E lá foi pensando que tinha sido muito esperto.

E lá ao fundo da feira a barraca onde os fregueses tentavam afinar e mostrar a pontaria. Apenas uma bola de trapos e uma pirâmide de latas. O freguês pagava umas moedas e pegando na bola atirava. Assim, acertava ou não. As moedas eram arrecadadas numa bolsa de pano.

A rapariga, quase sempre vestida de forma espampanante, gritava da porta, empoleirada numa grade de cerveja, já vazia:

– Ó freguês, venha cá. Um tirinho e derruba as latas todas. Ganha um prémio. Nunca ninguém ganhava nada. Ora por uma coisa, ora por outra. Havia desculpa e o freguês ia embora, algumas vezes a resmungar.

Também se vendiam cuecas, lenços, saias, casacos e bonés. Estas barracas estavam na posse de mulheres. A maioria da mercadoria estava pendurada para se ver bem.

A barraca das panelas e trempes ficavam no fundo em lugar, que sem estarem escondidos, quem precisava ia lá direito.

A barraca das farturas e bifanas tinha uma mesa tosca montada em cima de tábuas enceradas pelo tempo, o lixo e as mangas de quem lá se sentava, embora estivesse com uma toalha grande aos quadrados vermelhos e brancos a querer tapar.

– Lena, traz uma jarra com tinto! Não esqueças os copos. Traz também uns bocados de presunto e pastéis de bacalhau.

– Sim. Já levo tudo.

– Traz isso bem servido. Tenho dinheiro.

Enquanto isto tirava do bolso das calças um maço de notas a mostrar que não ia embora sem pagar. Não queria o nome de “pelintra”. Tudo menos isso.

A noite chegava de mansinho. Os copos iam enchendo e esvaziando.

Uma palavra dita sem maldade foi mal interpretada e num piscar de olhos a confusão estava instalada. Os homens sempre munidos de um varapau, pegavam nele e sem saberem muito bem como iam dando pauladas em quem apanhavam pela frente.

É mais ou menos assim a feira. Sem zaragata não é feira que se preze.


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