Sentada à secretária ia vendo quem entrava. As mães levavam os filhos à escola. Era o seu primeiro dia de aulas.
Fui escrevendo os nomes e as mães também iam deixando os filhos. Algumas com a lágrima no canto do olho. Olhavam para trás. Saíam. Iam à sua vida. Era o começo.
Já quase todos sentados, com alguma desconfiança do que se ia passar. As mães talvez soubessem por experiência própria, o que era a escola.
Naqueles anos, do início da minha carreira escolar, não era comum haver pré-primária nem jardim de infância. As mães eram as suas primeiras educadoras.
Entabulei conversa com algumas crianças, perguntando o nome completo, o da mãe e do pai. Uns sabiam, outros não.
A conversa possível com crianças que apenas conviviam com os familiares directos.
Devagarinho a porta foi abrindo e dois pares de olhos incidiram em mim, também eu jovem professora. Era uma mãe e o filho. Meio desconfiados entraram, pedindo licença e desculpando-se de chegar tarde.
A princípio não entendi muito bem o pedido de desculpas. Depois de pequena conversa com a mãe soube que não moravam muito perto. O menino, entretanto, foi-se escondendo no avental da mãe. De vez em quando levantava a pontinha onde se enrolara e espreitava com os olhitos pretos muito abertos. O cabelo louro confundia-se com a pele do rosto. Ia olhando à volta. Olhou melhor e viu com um misto de espanto e alegria que toda aquela gente era do seu tamanho. Lá estava o Miguel do fundo da rua. O João da casa amarela. O Manuel seu vizinho. A Rita, a Manuela … Estavam ali todos os que conhecia.
Ah! A sala de aula tinha coisas de que a mãe falara. O quadro, os meninos e meninas.
Ele sabia lá o que era a sala de aula! Saberia depois. Os olhitos foram” varrendo” a sala e também foi saindo debaixo do avental da mãe.
Sentou-se a medo numa carteira maior que ele. Os pés não chegavam ao chão. Tudo era grande menos os colegas e ele.
O Joãozito apaixonou-se logo ali por tudo o que lá havia.
Foi andando até que depois de aprender grafismos básicos viu com espanto aparecer o “U” manuscrito no quadro e na folha branca. O lápis deslizava com mestria. Ele gostava daquilo. Aquilo de aprender era giro! Depois surgiu o “o”. Outras letras se seguiram. Aprendeu tudo. Mesmo tudo!
Um dia deu por si a saber juntar as letras e a palavra surgia sussurrada primeiro devagarinho e depois desenganada. Mais uma vez se apaixonou pelas palavras, pelos números, pelos mapas. Por tudo! Sabia ler e escrever! Era uma tal sede de aprender que no fim do ano era uma paixão ouvir ler aquele menino franzino, mas com sabedoria tal, que parecia impossível ter aprendido tão rápido.
E o tempo foi passando. Tão bom vê-lo passar na rua com o livro debaixo do braço.
Passaram-se anos em que não nos vimos. Acabou o ensino primário e rumou à preparatória e mais tarde à secundária, faculdade e estágio em medicina.
Hoje o Joãozito é um médico que consulta muitos livros, que está sempre a par das notícias. Se formos ao seu consultório uma estante cheia de livros é a prova das suas leituras e da sua paixão que se manteve. A leitura e a escrita.
De vez em quando encontramo-nos. Conta-me as dúvidas que teve e como recorda com saudade o seu primeiro dia de escola. Como toda a sua vida escolar se desenrolou.
Recorda a sua primeira professora. Ambos nos rimos daquele dia e daquele menino que escondia a cabecita envergonhada debaixo do avental da mãe.
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