Quem é que não conhece a D. Alda? Humilde, alegre, bem-disposta e de gargalhada fácil. Seja por terras alvaiazerenses, territórios vizinhos ou mesmo pelo país fora, poucas são as pessoas que a esquecem após se cruzarem com ela. Tem o dom de contagiar todos à sua volta com a sua alegria, simpatia e facilidade em fazer amigos. Dá mais valor às coisas boas, mas também ela tem problemas. A vida pregou-lhe algumas partidas, mas enfrentou cada uma delas com um sorriso na cara. Afinal, tristezas não pagam dívidas. E com o passar do tempo, também a ela o cabelo foi ficando branco e as rugas apareceram, mas os anos não lhe levaram a simpatia, a boa disposição e a alegria de viver. Hoje, prestes a completar 80 primaveras, não recusa um convite para sair, para ir a uma festa ou simplesmente para tomar um café e dar dois dedos de conversa. Afinal, “é isso que levamos desta vida”.
Mas comecemos do início. Alda da Conceição Luís nasceu a 27 de Abril de 1940, no lugar das Laranjeiras, freguesia e concelho de Alvaiázere. Teve uma infância normal, idêntica à de tantas outras crianças daquela altura. E tal como muitos dos seus pares, também ela começou a trabalhar cedo. “Fiz a 3.ª classe e comecei a trabalhar aos 11 anos na apanha da azeitona”, conta, acrescentando que a 4.ª classe fê-la já em adulta.
Durante a sua juventude “passava muito tempo em casa do dr. Freire, delegado em Alvaiázere, que mais tarde foi transferido para a Figueira da Foz, levando-me consigo”. A vivência com aquela família, mas também com a da Ferreira da Gama, para quem trabalhou mais tarde quando regressou ao concelho, permitiu-lhe conhecer e conviver com algumas personalidades ilustres, como “advogados, juízes, médicos e outras pessoas importantes, e através deles conhecer amigos duns e doutros”. Os conhecimentos travados ao longo desses anos, a sua facilidade em fazer amizades e a sua humildade fizeram de si uma pessoa que sempre foi e continua a ser muito conhecida e acarinhada por todos.
Mas voltemos à sua história de vida. Mais tarde, já com 16 anos, “fui aprender costura”. Depois de um ano de formação, começou a trabalhar na área, “mas quando chegava ao tempo da azeitona o meu pai, que era um bocado rabugento, tirava-me da costura e mandava-me para os campos”, recorda, lembrando o quanto lhe custava, afinal “andava mimosa” e já não estava habituada àquelas lides.
No entanto, nada lhe retirava o sorriso da cara e a alegria de viver. Por isso, mesmo tendo passado por momentos menos bons, prefere lembrar as “paródias”, que sempre fizeram parte da sua vida. “Eu era o diabo em figura de gente”, refere, salientando que soube aproveitar o melhor da vida e não abdicava de uma boa diversão, por isso era figura assídua em bailes e festas.
“O melhor partido”
E foi nos tempos áureos da sua juventude que conheceu o marido. Natural da Mealhada e residente em Lisboa, o jovem Vítor veio trabalhar na construção do cine-teatro de Alvaiázere, onde conheceu e se perdeu de amores pela alegre e divertida Alda. “Ele andava sempre atrás de mim e nunca mais me largou”, recorda ela que, depois de alguma persistência dele, lá cedeu e começou a namorar. Mas o namoro não durou muito. Entretanto ela conheceu e começou a namorar um rapaz dali perto de que realmente gostava. E chegou mesmo a combinar o casamento. Porém, os pais impediram o enlace, pois preferiam o “alfacinha” ao alvaiazerense, também ele residente em Lisboa. Por isso, explicaram-lhe que não podia casar em Dezembro, porque aquele era um ano de muita azeitona e tinham de dar prioridade à sua apanha. Para desgosto do noivo, o casório foi adiado para a entrada do ano seguinte.
Entretanto, o jovem Vítor volta a aparecer por terras alvaiazerenses para lutar pelo amor de Alda. E a mãe convence-a de que ele é “o melhor partido” para ela e é com ele que deve casar. Ela cedeu e casou no dia 23 de Dezembro, “mas nunca tive coragem de dizer o meu namorado que ia casar com este”. No dia da cerimónia, Alda sai da igreja e dá de caras com o namorado devastado e em lágrimas. “Fiquei para morrer”, confessa, adiantando que naquele momento já nem queria tirar fotos, “só queria sair dali para fora”, pedido que a madrinha satisfez de imediato. “Viemos embora para casa e nunca mais o vi, senão muito mais tarde”.
Apesar de não ter casado com o homem que amava na altura, “fui feliz no meu casamento”, mesmo passando por “momentos altos e baixos”. “O meu marido era muito ciumento, desconfiado e tinha medo que o deixasse, por isso não me deixava falar com ninguém, depois bebia muito e chateava-me”, conta, referindo que com o passar do tempo ele percebeu que a alegria e o prazer de conviver faziam parte do seu feitio e começou a deixá-la ir à vontade.
Vida difícil
Os primeiros anos de casada foram passados em Lisboa, onde nasceram as suas duas filhas. Mais tarde regressa a Alvaiázere, onde teve um menino que faleceu com dois meses. Ao desgosto de perder um filho, soma-se mais um. Com apenas 16 anos, uma das filhas tenta o suicídio, tomando medicamentos. Esteve internada, recuperou e voltou para casa, apesar de contrariada. Não aceitava que a mãe continuasse com o pai, que por vezes bebia demais e tratava-as menos bem, obrigando-as, de vez em quando, a dormir fora de casa, tal era o medo que elas tinham dele.
“Passei as passas do Algarve com o meu marido”, porém “andava sempre alegre e não dava a entender se tinha ou não problemas, os outros não tinham nada a ver com a minha vida pessoal”.
Passados mais uns anos, a outra filha engravidou e não quis ficar com o pai da bebé. Com apenas quatro dias, a neta saiu da maternidade para casa da avó, onde cresceu até se tornar independente. “A menina ficou sempre comigo, acompanhei-a e dei-lhe um curso”, congratula-se, acrescentando que nas férias a miúda ia passar alguns dias com os pais, que refizeram as suas vidas, cada um por seu lado.
Amizades
Agora no alto dos seus 79 anos, mantém a alegria de viver. E apesar de morar sozinha (o marido já morreu há mais de dois anos), não se sente só. “Estão sempre a convidar-me para ir para ali ou acolá”. Além da família (duas filhas, seis netos e quatro bisnetos), está rodeada dos amigos que foi fazendo ao longo da vida e, que mesmo distantes, não se esquecem dela. É o caso de Paulo Tito Morgado, ex-presidente da Câmara Municipal de Alvaiázere, que rumou a Moçambique após deixar a autarquia. “Dizem que o Tito é meu amigo, mas eu também o ensinei a viver aqui”, orgulha-se de dizer, tal como se orgulha de dizer que ele a visita sempre que vem a Alvaiázere. Com ele passou “muitos e bons momentos”, percorreu muitos quilómetros, acompanhou-o em muitas festas, campanhas eleitorais e outros eventos, mas porque também era convidada. “Quando o convidavam, diziam-lhe sempre: ‘traz a Alda’. E eu só não ia se não pudesse”.
Mas também é bem conhecida fora de Alvaiázere. “O Pedro Machado [presidente do Turismo Centro de Portugal] liga-me sempre no Natal e quando vem cá” e, há dias, deixou todos de boca aberta quando, na sessão de abertura de um evento, fez questão de cumprimentar a D. Alda, da mesma forma que cumprimentou as entidades presentes. Passos Coelho, na apresentação da recandidatura de Paulo Tito Morgado em 2013, não ficou por meias medidas e disse referindo-se a ela: “esta mulher vale ouro!”. E até o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, se meteu várias vezes com ela na sua passagem pelo concelho em 2017.
“Tenho amigos por todo o lado porque sempre tive facilidade em fazer amizades e sou uma pessoa simples”, regozija-se, dizendo em tom de brincadeira: “também tenho alguns inimigos, mas são poucos, porque faço-lhes fisgas e eles não me tocam”.
E agora, como é passado o seu tempo? “Vou todos os dias à vila tomar café, leio, faço palavras cruzadas, ainda faço alguns trabalhitos de costura e, de vez em quando, vou visitar as minhas filhas e a minha neta”. E continua a arranjar-se e a sair. “Era só o que mais faltava ficar fechada em casa, quando me convidam eu só se não vou se não puder”.
CARINA GONÇALVES
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