António Simões nasceu no concelho de Ansião e mudou-se para Coimbra com o objectivo de tirar o curso de engenharia. Queria ser engenheiro mas a vida, ou melhor a música, trocou-lhe as voltas. No seminário aprendeu os “dó-ré-mi” e descobriu uma paixão maior: a música. Perdeu-se um engenheiro. Em contrapartida, ganhou-se um professor, um compositor, um maestro e um mestre organeiro. Arrependido? “Quando se faz o que se gosta, não há razão para se sentir arrependimentos”.
Mas voltemos ao início. António Jesus Simões nasceu a 5 de Novembro 1952, em Pousaflores (Ansião). E foi na terra que o viu nascer que iniciou o seu percurso escolar. Depois de uma “infância normal”, idêntica à de tantas outras crianças daquela altura, troca a sua terra natal pela Figueira da Foz para ingressar no seminário, onde continuou os seus estudos. Daí ruma até Coimbra, onde teve a “sorte” de conhecer a professora de música, Maria do Carmo Gomes. Foi ela que despertou nele o interesse pelos “dó-ré-mi”, levando-o a apostar também nesta área. Neste sentido, faz os exames de admissão no Conservatório Nacional do Porto e, paralelamente, matricula-se na Universidade de Braga com o objectivo de se tornar engenheiro. Porém, como as suas habilitações na área de Filosofia não lhe permitiam esse acesso, regressa a Coimbra para efectuar os exames do 5.º e 7.º anos, onde prossegue os seus estudos de música.
E é ali, na cidade dos estudantes, que inicia o seu percurso profissional. Afinal, pelo seu caminho tropeça em “dificuldades económicas familiares” que o obrigam a conciliar a vida académica com a profissional. “O meu primeiro trabalho foi a pintar azulejos na Fábrica Estaco, em Coimbra”, recorda, adiantando que regressou a Ansião um ano depois como funcionário da Repartição de Finanças.
Apesar disso, não descura os estudos nem a música. Aliás, foi complementando a formação musical com outras experiências, nomeadamente enquanto coralista no Coro D. Pedro de Cristo (Coimbra) e membro do grupo de música ligeira “Charanga pop five” (Ansião).
Problema político
E, à semelhança do primeiro trabalho, também a passagem pela Repartição de Finanças foi de curta duração. Afinal, entretanto abriu em Ansião a nova Escola do Ciclo Preparatório Dr. Pascoal José de Melo, na qual integrou o corpo docente enquanto professor de Educação Musical. A rota do ensino leva-o também até Alvaiázere e, mais tarde, Tomar. Nesta última sente na pele a censura…
Corria o ano 1973 quando canta numa aula do Liceu de Tomar “As Janeiras”, de José Afonso. Um simples acto que lhe traz “um problema político”. Logo a seguir, “tive a visita da polícia política PIDE a assistir a uma aula e, como consequência, o ingresso na vida militar, com ida para Angola, onde estive até Outubro de 1975”, conta.
Depois dessa experiência volta ao ensino, leccionando Educação Musical em Condeixa e Figueira da Foz. O percurso na música fá-lo desistir de ser engenheiro, para se dedicar mais àquilo que realmente gosta de fazer. É então que ingressa no Instituto Gregoriano de Lisboa para se formar em Canto Gregoriano. Na capital continua a dar aulas, até que consegue uma Bolsa de Estudos da Fundação Calouste Gulbenkian que o leva até Barcelona para receber formação em organaria. Ali aprende aquela arte num atelier, trabalhando com o mestre organeiro Gerhard Grenzing.
Mestre organeiro
De regresso a Portugal deixa definitivamente a profissão de professor para se dedicar à organaria. Para isso, funda uma empresa de restauro e construção de órgãos de tubos em Condeixa, onde se mantém entre 1984 e 1997, mudando depois para Ansião, onde continua a laborar até aos dias de hoje.
“A área da organaria surge naturalmente por ser uma actividade que engloba muitas variantes de interesse”, prossegue, alegando que se trata de uma actividade onde aplica os seus “conhecimentos teóricos e práticos de música, mas também de electricidade, electrónica, física, química, madeiras, metais e pintura”, ou seja, é um trabalho que envolve “uma grande quantidade de conhecimentos”.
E como descobriu este interesse? “Esta paixão nasce com o estudo do órgão no Instituto Gregoriano de Lisboa”, refere, recordando que foi pela mão do professor Antoine Sibertin-Blanc que deu os primeiros passos na actividade de organaria e foi através dele que chegou à Fundação Calouste Gulbenkian para iniciar o processo de candidatura para uma bolsa de estudos.
A música e as canções
Portanto, “a actividade musical, quer como organista, compositor ou maestro, acompanhou-me sempre ao longo da minha vida”, realça António Simões, alegando que começou a participar em grupos de música moderna com apenas 15 anos, tocando piano ou guitarra baixo. Foi nessa altura que se estreou também enquanto compositor, compondo várias canções e concorrendo, inclusivamente, ao então muito popular programa “Zip-Zip”.
Ao longo do seu percurso profissional, também fundou vários grupos. O primeiro deles foi em Alvaiázere, em colaboração com António Sala, sendo composto com crianças da escola preparatória Duarte Pacheco Pereira que, em 1977, gravaram o primeiro single do grupo infantil “A Malta”. As seguintes músicas foram gravadas com crianças do Externato Filipa de Lencastre (Coimbra) e Escola Preparatória David de Sousa (Figueira da Foz). Entretanto, a actividade deste grupo finda com a ida do seu fundador para Barcelona.
Apesar de profissionalmente se dedicar mais à organaria, António Simões não descura as suas facetas de maestro e compositor. E prova disso é que foi ele que esteve por detrás do início do Coral Ansianense da Sociedade Filarmónica (2008) e do Grupo de Cantares Olhos de Água (2017). Além disso, dirigiu ainda outros grupos de Alvaiázere, Condeixa e Ansião.
Escrever
E no meio de tantas facetas há ainda tempo para mais uma: escritor. “A minha actividade da escrita vem, precisamente, do tempo do seminário”, onde frequentou um “curso mais dirigido para a literatura”. “Foi aí que comecei a escrever, essencialmente, letras ou poesias para musicar”. Mais tarde, colaborou com alguns jornais locais e fundou as páginas de Internet “Ansião News” e “Ansião TV”, esta última baseada essencialmente em notícias vídeo, dando continuação ao que já fazia anteriormente no “Ansião News”.
Enquanto escritor participou em co-autoria em algumas edições, nomeadamente “Património Religioso do Concelho de Ansião”, que escreveu em co-autoria com Manuel Augusto Dias, e “Dicionário do Órgão”, que escreveu em Bruxelas com W. Praet.
“Agora, que chego à idade de reforma, espero ter algum tempo mais para editar alguns livros do que vou escrevendo e que aguardo aperfeiçoar e terminar”, frisa.
Família
No meio disto tudo, está a família: “o ponto fulcral da essência da vida”, realça, lamentando que, “pela natureza do meu trabalho, que exige viagens contínuas por todo o país, os meus filhos cresceram comigo nem sempre presente, mas sempre atento”. Agora, mais do que os filhos, “são os netos que me fazem gostar de viver”.
E apesar dos momentos que possa ter perdido não se arrepende das suas escolhas. “Quando se faz o que se gosta, não há razão para se sentir arrependimentos do que fez e aprendeu”, reitera, recordando as “situações económicas difíceis e nada recomendáveis” por que passou, devido à “percentagem mínima do Orçamento do Estado” para a cultura.
Porém, “se tivesse levado a minha vida por uma profissão normal, hoje seria um reformado sem mais nenhuma perspectiva de vida, aguardando o descanso eterno”, adiantou, salientando que “não é essa a minha forma de ser”.
Afinal, depois de tantos anos “continuo apaixonado pelo meu trabalho tal como no primeiro dia. E só a paixão me faz continuar até…”
CARINA GONÇALVES
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