O restauro de dezena e meia de órgãos de tubos e de mais de 60 igrejas em todo o país são um bom “cartão-de-visita” para alguém que começou cedo a gostar de madeiras… e de música.
José Antero, 66 anos de uma vida vivida no Espinhal, no concelho de Penela. Foi ali que cedo, aos 10 anos, começou a trabalhar numa serração. Nessa altura já levava três de aprendizagem musical na Sociedade Filarmónica do Espinhal, onde anos mais tarde chegaria a maestro, cargo que ainda hoje ocupa.
“Comecei a descontar para a Segurança Social aos 10 anos, trabalhando numa serração. Desde o corte de árvores com machado, serrote ou serra braçal, até à obra final era tudo manual. Como a zona não era muito desenvolvida em termos industriais, as carpintarias mecânicas chegaram tarde, então todo o trabalho que fazia de carpintaria e marcenaria era manual”, conta.
Foi uma aprendizagem importante, porque “deu-me à-vontade para depois trabalhar no restauro, sabendo todas as técnicas manuais, das ferramentas, de como lidar com a madeira”.
José Antero confessa ao TERRAS DE SICÓ que sempre gostou de madeiras. Coisas de família. O pai e os tios já eram carpinteiros.
Depois da serração, até à chegada do serviço militar, a vida profissional foi ocupada como carpinteiro e marceneiro. Seria assim, afinal, tarefa para uma vida. O 25 de Abril de 1974, entretanto, “apanhou-o” na tropa. Escapara ao Ultramar, mas tem na memória as “muitas noites” em que patrulhou o paiol de Tancos, agora mediático após o assalto de 2017.
Depois da tropa, regressa às madeiras, então para laborar, por conta própria, no comércio de móveis, o que faz durante largos anos, até que 1992 decide montar também uma carpintaria. O projecto, porém, acabaria por sofrer um forte abalo, quando um acidente de trabalho lhe afecta a visão e lhe condiciona a vida. É “proibido” de trabalhar na arte e opta por dedicar-se à música.
Gosto pelo restauro
Mas já lá vamos aos dó-ré-mis de Antero, antes registo para uma melhoria “milagrosa” da visão que lhe permite retomar a actividade na paixão das madeiras. Nem olhou para trás.
Concorre com êxito à execução do mobiliário para o Museu da Villa Romana do Rabaçal (Penela) e é na fase de montagem que os responsáveis da empresa “Regra de Ouro”, de Tomar, tomam conhecimento do seu trabalho e o convidam para fazer parte dos quadros da firma. Foi uma ligação para quase duas décadas.
As obras de carpintaria e restauro em que então colabora ao longo de 18 anos são a perder de conta. Largas dezenas. Orgulhosamente, José Antero enumera algumas, da Sé de Braga à de Elvas, as igrejas de Dornes, Nª Sª dos Prazeres (Beja), Nª Sª do Carmo (Évora), S. Tiago (Portalegre), Cartaxo, Caminha, Vila do Conde, vários museus, o cadeiral do mosteiro de Arouca, os órgãos de tubos da Sé do Porto, Santa Cruz (Coimbra), Amarante, Guimarães, Peniche, Elvas, Almodôvar. A lista é muito mais extensa…
“Tive sempre gosto pelas madeiras e pelo seu restauro”, revela. O começar tão novo terá ajudado.
Em 2017, aos 65 anos e após “54 anos de descontos”, decide aposentar-se, mas não reformar-se. Continua a trabalhar, agora e novamente, por conta própria. “Apareçam as obras, se eu tiver saúde…”.
De momento, tem em mãos o restauro da igreja matriz da terra. É um trabalho quase pro bono, “para ir fazendo aos poucos”. E ainda tem um sonho que gostaria ver concretizado, assim tenha apoios. Homem possuidor de todas as ferramentas e equipamento de uma carpintaria, aspira a criar uma escola de artes e ofícios onde ensine a arte da carpintaria e marcenaria, marcas de uma vida.
Se tempo houver, há-de ainda restaurar os moinhos que pertenceram ao avô materno e que adquiriu, recordando os tempos de juventude em que ajudou nas lides de moleiro.
Querida Filarmónica
Uma outra paixão surgiu desde cedo na vida de José Antero: a música. Aos 7 anos já aprendia a tocar clavicorne, tuba, clarinete ou saxofone na Sociedade Filarmónica do Espinhal.
Fundada em 1883, aquela filarmónica foi sofrendo algumas mutações e na década de 1960, por causa da Guerra do Ultramar, a actividade é mesmo interrompida. Quando em 1976 é “restaurada” (sempre o restauro…) lá está José Antero a assumir o papel de director. Entretanto, tira o curso de regente, promovido pelo Inatel, e em 1986 assume o cargo de maestro, que ainda hoje mantém, a par da vice-presidência da direcção da centenária colectividade.
“Sou o maestro, mas quando é preciso fardo-me e toco um instrumento ao lado dos outros músicos”, diz.
De uma coisa José Antero parece não ter dúvidas: A Filarmónica do Espinhal acompanhá-lo-á até à morte. Baluarte cultural da freguesia, a banda cumpre “o período mais próspero e em paz da sua existência”. Tem cerca de 50 músicos, a academia outros tantos alunos e o Coro Carlota Taylor, surgido em 2017 no seio da filarmónica, quatro dezenas de elementos.
Refira-se que perante as consequências do acidente de trabalho referido anteriormente, José Antero vê na música um “escape”, e além da filarmónica da terra, em 1997 passa a reger também durante alguns anos a Sociedade Filarmónica Pedroguense, de Pedrogão Grande, onde cria igualmente uma escola de música, à semelhança do que antes fizera no Espinhal.
Política não, obrigado
A vida de José Antero contempla ainda a incursão na política, ou melhor, nas lides autárquicas. Em 1976, no primeiro sufrágio democrático, é eleito para a Junta de Freguesia do Espinhal, ocupando o cargo de tesoureiro. Anos mais tarde, chega mesmo à presidência encabeçando listas independentes em dois mandatos consecutivos, entre 1985 e 1993. Realiza obra que ainda hoje se orgulha, mas apesar disso fica desiludido com a política e com os políticos e não mais voltou, nem tenciona fazê-lo. Prefere antes ajudar a recuperar algumas tradições culturais locais, que empenhadamente mantém acima da espuma dos dias. Faz bem.
LUÍS CARLOS MELO
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