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GPS: “Estamos a assistir a uma regressão na evolução das políticas ambientais”

23 de Junho 2019

Numa altura em que “interessam apenas os investimentos”, o Grupo Protecção Sicó (GPS) continua a fazer acções de sensibilização ambiental e a denunciar actos contra a preservação do maciço da serra. Cláudia Neves (presidente), Pedro Alves (vice-presidente) e Marta Domingues (secretária) têm muitos projectos para a associação, onde pretendem “continuar activos na luta pela protecção de Sicó”.

 

TERRAS DE SICÓ (TS) – O Grupo Protecção Sicó (GPS) conta com 23 anos de existência. Que balanço fazem deste tempo?

GRUPO PROTECÇÃO SICÓ (GPS) – O balanço da actividade do GPS é positivo. Se não fosse, já não estaríamos aqui, não seriamos ONGA (Organização Não Governamental do Ambiente) e não nos teria sido atribuído o estatuto de Utilidade Pública.

Não nos podemos esquecer que somos uma associação sem fins lucrativos que depende inteiramente do trabalho voluntários dos seus sócios. Em termos gerais os nossos objectivos gerais são a exploração, estudo, protecção e preservação das cavidades e do ambiente do Maciço Calcário Sicó-Alvaiázere, bem como outras actividades de ar livre (pedestrianismo, BTT, escalada…) e achamos que com maior ou menor dificuldade, temos conseguido cumpri-los.

 

 

TS – No final de 2018, o GPS recebeu o estatuto de utilidade pública. Esta distinção confere mais responsabilidade ao GPS?

GPS – Nós encarámos mais como uma forma de reconhecimento pelo nosso trabalho. Mas obviamente que nos dá mais ânimo para continuar. Por outro lado, as pessoas olham para nós de maneira diferente.

 

TS – Em que áreas sentem que houve mais avanços? E quais as que ainda há um longo caminho a percorrer?

GPS – As áreas onde houve mais avanços foi na recolha de resíduos domésticos. Já não vemos esses resíduos despejados à volta das aldeias, mas infelizmente continuamos a ver entulhos, electrodomésticos, baterias, entre outros materiais que têm componentes prejudiciais ao meio ambiente e à água.

Já a maior preocupação tem a ver com o poder local, que não só não protege, como falha na conservação e manutenção das próprias infra-estruturas. Por exemplo: construíram uma série de miradouros pelos seis municípios das Terras de Sicó que estão sem manutenção; restauraram um conjunto de moinhos com apoios comunitários que estão ao abandono; abrem estradões, estradas e caminhos que destroem os muros de pedra (que estão a tentar classificar como património da humanidade), campos de lapiás e outro património natural e cultural.

Ainda há uma falta generalizada de consciencialização tanto ao nível da população e das entidades, como das câmaras e juntas de freguesia, sendo mais grave nestas últimas porque são os centros de decisão e gestão directa do território.

 

TS – Ao longo destes anos o GPS tem realizado várias descobertas de cavidades, denúncias de atentados ambientais e diversas iniciativas de sensibilização ambiental. Quais as iniciativas que têm marcado a actividade do Grupo?

GPS – Não há nenhuma que sobressaia especificamente. Podem existir ciclos em que nos dedicamos mais a umas questões que outras, maioritariamente por disponibilidade das pessoas ou pela actualidade das situações. Por exemplo, se temos o problema do fracking, das pedreiras ou um foco de poluição da água num determinado momento, será esse o foco da associação.

Mas é claro que a descoberta de novas cavidades é algo que nos dá especial prazer. É uma actividade regular ao longo do ano e feita em paralelo com as outras actividades, mas as grandes descobertas não estão propriamente disponíveis “ao virar da esquina”. Implicam sempre muito trabalho de investigação e prospecção, por vezes com muita gente envolvida, o que leva o seu tempo.

 

TS – Que grandes batalhas foram ganhas pelo GPS?

GPS – Ainda não ganhámos nenhuma. Às vezes costumamos dizer que, 23 anos depois, as pedreiras estão exponencialmente maiores, mas também não podemos acabar com elas porque a pedra é precisa. Todavia, os recursos têm de ser bem aproveitados e geridos de forma sustentável, e a pedra calcária não é excepção. Para além disso, não se vê retorno financeiro efectivo para as zonas onde ela é extraída, no nosso caso particular, para o Maciço Calcário Sicó-Alvaiázere.

Não se pode pensar na serra como uma grande fonte de recursos geológicos e ao mesmo tempo falar de turismo. O turista não vem ver uma pedreira, ouvir máquinas a trabalhar e percorrer caminhos de alcatrão, mas quer ver, ouvir e cheirar as maravilhas que a serra nos oferece. São pormenores que demonstram a falta de sensibilidade por parte de várias entidades, em particular do poder local.

 

TS – A Serra de Sicó tem sido alvo de alguns crimes ambientais. A que se deve? Sentem que ainda há falta de informação por parte das pessoas?

GPS – Nalgumas situações pode ser falta de informação, mas noutras é o não quererem saber, não lhes interessa. Na generalidade, às entidades públicas e privadas apenas interessa levar os seus planos para a frente e obter o respectivo rendimento. Não lhes interessa as consequências directas e indirectas das suas acções, em particular no que respeita ao meio ambiente e nalguns casos, ao próprio bem-estar das populações.

No fundo esquecem-se que há regras de ordenamento, de segurança, de bem-estar, que existem não para “chatear”, mas porque são necessárias.

 

TS – Quais as consequências destes crimes ambientais?

GPS – Desde logo a descaracterização e destruição da paisagem e consequentemente,  diminuição do potencial turístico da região. Mas também contaminação dos solos e dos aquíferos, alterações de regimes hídricos superficiais e subterrâneos e alterações no equilíbrio ecológico do próprio meio, que no conjunto originam riscos acrescidos para a saúde e segurança das populações (contracção de doenças crónicas, maiores riscos de incêndios e de cheias, etc.) e até alguma perda de identidade da região, como por exemplo, falta de matéria-prima para produtos regionais.

 

TS – O turismo de natureza está a crescer. Que cuidados e medidas são necessárias na Serra de Sicó para intensificar a aposta nesta vertente?

GPS – Faltam algumas infra-estruturas como centros de interpretação, de BTT, alojamento local, albergues para grupos, restaurantes, cafés mercearias com produtos da região… E ter tudo isto sinalizado e promovido, em conjunto com o património natural e cultural da região.

Por exemplo, nos últimos anos nota-se uma evolução positiva associada à Rota das Carmelitas, aos Caminhos de Santiago e até ao GR26 (a Grande Rota Terras de Sicó), com o aparecimento de alojamento local, albergues, cafés e mercearias nas principais zonas onde estas passam. Estas rotas estão bem marcadas e minimamente divulgadas, pelo que nelas existe actividade turística regular ao longo de todo o ano.

Neste campo, os municípios deviam ouvir mais as associações como o GPS, que têm um conhecimento profundo da região e podem dar contributos positivos ao aproveitamento das suas mais-valias. Todavia, raramente aproveitam este conhecimento e pior, vão contratar entidades externas que não conhecem o território e muitas vezes acabam por fazer um trabalho no mínimo deficiente.

 

TS – Qual é a vossa opinião sobre o CIMU/ Explore Sicó?

GPS – O GPS é parceiro do projecto inicial e não nos podemos desvincular dele, mas não conhecemos o actual projecto. Neste momento sabemos apenas o que vamos lendo e ouvindo e vendo.

O CIMU/ Explore Sicó faz falta ao território. A intensão inicial era que funcionasse como centro de interpretação e museológico da região, com conteúdos relacionados com a geologia, flora, fauna e arqueologia, para além de algumas valências de apoio à investigação científica, albergue para escaladores, espeleólogos, caminhantes, escolas, etc., o que na nossa opinião, iria constituir uma clara mais-valia. No entanto, o projecto inicial foi um pouco desvirtuado. Por exemplo, o edifício construído possui dimensões superiores ao inicialmente previsto, tornando-o um marco indesejável na paisagem, em vez de uma estrutura pensada para se enquadrar na mesma de forma o mais harmoniosa possível, situação que já contestámos.

 

TS – Qual o maior desafio do GPS actualmente?

GPS – É mantermo-nos com a mesma filosofia e continuar activos na luta pela protecção de Sicó, cada vez com mais sócios. Neste momento estamos muito activos, mas precisávamos que os nossos municípios nos ouvissem e nos levassem mais a sério. Afinal dizemos que as coisas estão mal ou poluídas porque queremos o bem da nossa terra, queremos vê-la a prosperar, queremos mais visitantes, queremos que as pessoas venham e gostem.

 

TS – Estão há pouco mais de dois meses à frente do GPS. Que projectos é que o grupo tem para curto-médio prazo?

GPS – Basicamente, dar continuidade aos projectos que temos efectuado e incluir um ou outro novo. Temos vários projectos em mente, mas muitos deles podem demorar muito tempo ou nem sequer se concretizar. Dependemos do voluntariado dos sócios, para os executar, para obter financiamento, etc. e todos temos a nossa vida profissional e pessoal, pelo que o tempo disponível é sempre limitado.

Por exemplo, estamos à espera da aprovação do financiamento para o projecto do Centro de BTT Sicó, que terá a porta principal na antiga Escola Primária das Ereiras, e a porta secundária junto ao museu PO.RO.S. , mas cujos trilhos irão abranger os outros quatro municípios da região de Sicó-Alvaiázere. Este projecto foi desenvolvido em conjunto com os municípios de Pombal e de Condeixa-a-Nova, com os quais já temos protocolos de colaboração, mas também já temos declarações de apoio de outros municípios abrangidos pelo projecto e de outras entidades… falta o financiamento.

Também queremos intensificar a sensibilização ambiental nas escolas da região, através de uma exposição itinerante, mas é necessário produzir conteúdos, criar a exposição, levá-la às escolas e para isso é preciso tempo e dinheiro.

Para atingir grandes fins é preciso muito trabalho, por isso vamos continuar a lutar para cumprir os nossos objectivos. Já estamos habituados a ultrapassar dificuldades, pelo que será apenas mais do mesmo.

CARINA GONÇALVES


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