Cheguei a casa um pouco tarde. Todos dormiam, já. Sentei-me na mesa onde o meu prato ficara sozinho.
A reunião onde estive prolongou-se para além do desejável. O orador, pessoa já com cabelos e barba branca não tinha pressa nenhuma de terminar. Depois ainda se prolongou mais com as perguntas dos espetadores. Parecia que também, eles, não tinham pressa de chegar a casa. É certo que sendo sábado, no outro dia, não era dia de trabalho, portanto, sem necessidade de levantar cedo.
A reunião nem tinha muito interesse, para mim. Mas como fui convidada não quis faltar. Aquilo não me dizia grande coisa. Mas convite é convite e não tive outro remédio senão estar lá.
Enquanto o orador falava a minha cabeça “ vagueou” e dei por mim a estar no rio e andar de barco. Naquele barquito a remos que costumava utilizar com os meus amigos e atravessar o rio que até era bem fundo. Mas na inconsciência de gente que não olha a perigos, lá andávamos nós em franca passeata.
Sorri. Devo ter feito um sorriso sonoro porque todas as cabeças se viraram. Fingi que não era nada comigo e a reunião continuou.
Fiz uma ou duas perguntas ao meu colega do lado que em resposta colocou o dedo indicador nos lábios. Fiquei sem resposta e prometi a mim mesma que tomava conta do que diziam.
Pois sim! A minha cabeça voltou a não prestar atenção ao que se dizia. Bem me esforcei, mas…
Voltei a pensar em coisas bem diferentes.
A reunião lá terminou e com um suspiro de alívio fui para casa.
A ida não teve sobressaltos mesmo tendo de fazer o caminho já noite alta.
Sentei-me à mesa disposta a matar a “danada” da fome que entretanto se fez sentir. A sopa ainda quente soube-me bem. Eu gosto de sopa. Havia mais umas coisas mas “encantei-me” com umas filhós que ainda restavam.
Olhei para cima da mesa e estava lá uma garrafa de jeropiga.
Eu não bebo álcool, mas a garrafita sorriu para mim. Agarrei-a e despejei o líquido no copo. Levei à boca. Todos me diziam que era bom. Eu nunca provei. Ia provar agora. Então não é que me soube bem? De novo peguei na garrafa e mais um golo. A reunião já fazia parte do passado. Agora só tinha a ideia da garrafa e do seu líquido. Peguei no copo cheio e coloquei – o entre mim e a luz do candeeiro.
Lindo! Muito lindo naquela cor avermelhada. Se me soube bem, agora ainda me parecia mais agradável.
Mais um golinho. A garrafa ia ficando vazia, sem me dar conta disso. E fui bebendo, bebendo.
Que tempo passou? Não sei! Só que, quando me ia a levantar as pernas não me obedeceram. Ficaram na mesma. Quietinhas! Pesavam quilos. Até talvez toneladas.
Levantei o braço para tirar um garfo que estava pousado no prato. Este deu um salto e foi parar ao chão.
Mau! Agora parecia-me que este estava a quilómetros de distância. Com o dedo indicador fiz-lhe sinal que subisse para a minha mão, mas ele ficou na mesma. De novo lhe fiz sinal que ficasse ao meu alcance. Nada! Quietinho!
Estendi um pé e vi a ponta do sapado a léguas de distância. Também me pareceu que nunca o tinha visto. Coisa estranha a ponta do meu pé.
Conforme pude e depois de muito esforço, consegui levantar-me. O corredor, mais uma vez me pareceu que tinha quilómetros de comprimento. E a porta do meu quarto? Não a encontrava. Será que desapareceu? Fiquei em pé a cambalear agarrada ao corrimão mas depois de muita luta lá consegui chegar. Tinham passado horas e o raiar da manhã já se avizinhava no céu a começar a pintar de vermelho.
Finalmente cheguei à cama. Fiquei ali de barriga para o ar à espera que o candeeiro, no teto parasse a sua voltinha em volta de si mesmo. E ele que não parava!
Com isto tudo, adormeci.
No outro dia de manhã a boca sabia-me a papel queimado e uma tremenda dor de cabeça.
Reflecti e pensei: Fica-te jeropiga para nunca mais!
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