Adília Alarcão esteve mais de três décadas à frente do Museu e das Ruínas de Conímbriga, em Condeixa. Agora, aposentada, mas longe de estar parada, divide o tempo entre Coimbra e o Espinhal, no concelho de Penela.
A “senhora Conímbriga” é natural do Porto. Deixou a Invicta e veio estudar para Coimbra porque “na altura a Faculdade de Letras ainda continuava fechada, depois de ter sido extinta pelo Estado Novo”.
Desde nova que se entusiasmou por História e foi esse o caminho académico que quis seguir. “Durante o curso fui tendo várias opções e acabei por me fixar na Arqueologia”, conta.
Terminado o curso, casa com Jorge Alarcão, que viria a afirmar-se como um dos grandes arqueólogos nacionais. A amizade que criou, ainda enquanto aluna, com o professor João Bairrão Oleiro, um dos maiores vultos da arqueologia portuguesa do século XX, levou-a a aceitar o repto deste para, ela e o marido, cursarem Conservação no Instituto de Arqueologia de Londres (Inglaterra).
Já com o “canudo” na mão regressam a Portugal e o destino foi… Conímbriga. Estávamos em Agosto de 1962 e o museu, pela mão de Bairrão Oleiro, abrira poucas semanas antes.
Directora por 32 anos
A liderança da estação arqueológica surge poucos anos depois de forma (quase) natural. “Em 1967, o dr. Bairrão Oleiro vai para Lisboa e propõe o meu nome para o substituir. Foi aceite”. Começava assim uma história de 32 anos. “Foi um trajecto natural, não aspirava a nada, não sou nada ambiciosa, a não ser em fazer bem. Gosto de fazer e não me interessa propriamente ter dinheiro”, frisa.
“Acabei por praticamente não fazer arqueologia de campo e especializei-me mais em estudar os materiais desde que saíam da terra até à sua divulgação”, refere Adília Alarcão, não escondendo o orgulho pela obra que deixou em Conímbriga, onde criou a primeira oficina-laboratório de conservação em Portugal “para os materiais começarem a ser tratados e recuperados como deviam ser”. “Foi uma novidade e foi muito gratificante”, afiança.
A antiga directora afirma ter feito “muito por Conímbriga”, onde se sentiu “muito útil” e onde teve “uma política de ser uma casa de portas abertas ao estudo e à investigação”. “Se hoje em tantos outros museus há gente que sabe conservar os materiais e as próprias ruínas, isso é trabalho meu, que abri as portas de Conímbriga para tanta gente se formar”, salienta a arqueóloga, lembrando também que contribuiu para a criação da carreira de conservador-restaurador e “ajudei a construir a Escola Superior de Conservação e Restauro, em Lisboa”.
Não surpreende por isso que ainda hoje, duas décadas depois da sua saída, “quando se fala de Conímbriga, fala-se de mim”. O longo período que esteve no cargo dificilmente será alcançado por outro qualquer sucessor.
Novo desafio
Deixou o museu monográfico em 1999, acedendo ao convite da tutela para “tomar conta” do Museu Machado Castro, em Coimbra. Outra vez. Já por ali estivera “de passagem” em 1979, onde durante alguns meses dirigiu o espaço em acumulação com as funções em Conímbriga. Sai em 2005, porque “já tinha 72 anos, a grande a intervenção de requalificação do museu ia começar. Entendi que devia entrar alguém mais novo para acompanhar a obra e depois criar um programa de funcionamento”.
Adília Alarcão confessa que agora vai pouco a Conímbriga, mas voltemos lá por instantes, porque “há uma falta de investimento muito grande no sítio. Já no meu tempo não havia dinheiro e a situação continua”. “Há um projecto que já tem mais de 30 anos, que é acabar de comprar todos os terrenos que fazem falta para a salvaguarda de Conímbriga, falta escavar o anfiteatro e a parte norte da casa dos repuxos”, preconiza.
Para trás ficam anos de liderança, em que, confessa, nunca gostou muito da ribalda, “preferia andar sempre na rectaguarda”.
“Agora continuo nessa rectaguarda, o que não quer dizer que esteja parada. Até me falta tempo, todos os dias me falta tempo…”.
Divide os dias entre Coimbra e a vila do Espinhal, entre a agitação citadina e a calmaria do sopé da serra, onde uma antiga casa de família lhe permite dar continuidade à veia de conservadora, restaurando algum património. “Sou uma pessoa de gostos contrastantes. Tanto gosto das grandes cidades, que nunca me fizeram confusão, como sou capaz de estar isolada”.
A sua experiência na área tem-lhe permitido, ainda hoje, “ajudar outros” e “nunca me desliguei por completo do Museu Machado Castro, vou lá muitas vezes e colaboro com a actual direcção”, revela.
“Vida cheia”
E depois há a escrita e os livros. “Continuo a fazer alguma investigação, a escrever, gosto muito de escrever, e também a ler muito, porque na parte final da vida temos pena de não ter lido tanta coisa e há tanto para aprender com o que outros já escreveram”. Artigos e livros não faltam no percurso de Adília Alarcão, que aumentou a lista ainda há poucas semanas com a chegada aos escaparates de uma volumosa obra que conta a história dos edifícios do Museu Nacional Machado Castro.
“Como vê a minha vida acaba por ser muito cheia”, observa ao TERRAS DE SICÓ. Uma vida bem conservada…
Museu PO.RO.S é “um mal-entendido”
Adília Alarcão sobre o museu PO.RO.S, em Condeixa: “Não sei se é bom ou mau, mas é um museu contra o qual sou, porque acho que é um mal-entendido”. “Para quê fazer um museu interactivo sobre o tema dos romanos”, interroga-se, não vendo o espaço nem sequer como um complemento a Conímbriga.
“Não vejo que interesse nada a Conímbriga, que foi sempre modesta e conseguiu impor-se. Várias vezes sugeri que, existindo a serra de Sicó, existindo uma associação de municípios, ali, naquele sítio, deveria existir um museu das Terras de Sicó, a romanização deixem-na para Conímbriga”, aconselha em tom crítico, revelando que “na altura, defendi junto do anterior presidente da Câmara que deveria ser um museu sobre a memória de Condeixa e as Terras de Sicó, e depois a romanização aparecia naturalmente, não só de Conímbriga, mas do Rabaçal, Santiago da Guarda e adiante”.
Para a arqueóloga, “Sicó é uma região que precisava de outro dinamismo para ser bem explorada do ponto de vista turístico e cultural”.
LUÍS CARLOS MELO
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